O elã da imortalidade na convivência espírita

Por Manoel Fernandes Neto

A palavra elã merece destaque no cotidiano das casas espíritas e seus arredores. Substantivo masculino, com sua raiz na língua francesa, significa entusiasmo, disposição, inspiração. No entanto, ao contrário do dicionário, resumir a abrangência do termo a momentos efêmeros ou a um simples impulso é ficar preso à “letra que mata, não ao espírito que vivifica”[1].

Elã é constância. É habito natural e espontâneo, que não mais precisa ser vigiado. Sócrates foi movido pelo elã do autoconhecimento; respirava-o em seus diálogos com discípulos e amigos e nas suas discussões com sua esposa, Xantipa.

Mahatma Gandhi viveu na plenitude o elã da não-violência e da liberdade de seu país. Sua atitude pacífica e pacificadora atingiam em cheio o fígado do opressor. Mahatma ("A Grande Alma", em sânscrito) não fazia nada deliberadamente previsto. Estava, isto sim, envolvido no elã necessário que orquestrava seus atos.

Jesus, hors- concours, poucas palavras, viveu o elã do Amor.

Herculano Pires, em uma de suas magníficas notas na sua tradução de O Livro dos Espíritos, editora Lake, nos fala sobre o filósofo Henri Bérgson e sua obra A Evolução criadora. Esse autor francês desenvolve a teoria do elã vital: a evolução que parte da matéria densa e caminha até a liberação da consciência do ser. Mas o professor Herculano completa: “O Espiritismo vai além, admitindo a ‘escala dos mundos’, através da qual a evolução se processa no infinito, sempre com a finalidade da perfeição”

Essa evolução processada no infinito, de que nos fala Herculano Pires, é o elã da imortalidade espiritual. O elã necessário do dia-a-dia dos centros espíritas. Do bate perna útil em direção à conversa fraterna, ao púlpito, às salas de aula, ou, ainda, para oferecer ao visitante a água magnetizada ou um livro da biblioteca.

Jornadeiros do progresso, até que ponto vivemos nas casas, grupos, sociedades, federações e conselhos o elã da imortalidade? Esta força propulsora que nos dá racionalidade e tolerância em um sistema teleológico, ou seja, baseado em meios e fins?

Uma análise franca destas questões deve nos mostrar que não há experimentos suficientes do elã da imortalidade em nossa convivência espírita. Estamos envolvidos por um cabedal de conhecimento, damos aulas e palestras, indicamos livros, citamos autores renomados, marcamos reuniões incessantes dentro do movimento, mas na hora de experimentar, na simplicidade de uma relação entre duas individualidades, nos acovardamos.

O medo de fazer diferente nos apavora. Não gostamos de experimentar. Repetimos e refazemos o igual. O mesmo. E o diferente passa por uma intolerância a menos e um gesto compreensivo a mais. O original é o perdão que surpreende sobre a soberba deixada de lado. O singular é não ter sigilos ao pé do ouvido e, sim, disseminar em alto e bom som experiências e dúvidas com quem atua lado a lado na tarefa de consolo de necessitados e na divulgação espírita. O inédito é a eliminação de formalismos, normas, métodos, parágrafos únicos e a inclusão da espontaneidade, do diálogo, da humildade na resolução dos conflitos, do bom senso. Quem era, mesmo, que dizia tudo isso com outras palavras?

Sentir pulsar serenamente o elã da imortalidade na nossa egrégora pessoal não é somente uma questão doutrinária. Na obra Quem se atreve a ter certeza, de José Pedro Andreeta e Maria de Lourdes Andreeta, a questão dos experimentos é esmiuçada de forma competente sob a ótica da mecânica quântica e da filosofia. Dizem os autores: “Experimentar é uma forma de transcender a nossa individualidade. Quando experimentamos, toda nossa atenção está voltada para o experimento. Neste caso, somente o experimento existe, e nós, de acordo com a física atual, somos parte integrante dele. Não há quem observa; só há experimento. O observador está integrado, sentindo, fazendo parte do experimento”.

Perceber o elã da imortalidade é viver experimentos. Diários, no cotidiano de nossas relações sociais, mas, principalmente, nas casas espíritas, células vivas do movimento. Nelas podemos eliminar nossas miúdas idiossincrasias, nosso medo de viver novas experiências. Reciclar convicções cristalizadas por milhares de encarnações.

Na convivência de trabalhadores espíritas, o elã da imortalidade deve ser exercido em sua plenitude, sem medos de “invasões”, “ataques”, “aberturas”, “brechas”. Ao “confiar e andar”, agimos com autêntica amorosidade, racionalizamos atávicos rancores e integramo-nos plenamente em experimentos cada vez mais inovadores, pois esses criam e recriam o novo a cada encontro e reencontro.

O elã da imortalidade não permite covardias. Façamos sempre diferente!

1- Referência a Paulo, em sua Carta aos Coríntios.

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09.2007 

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Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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