Reflexões sobre ciência e religião
A ciência e a religião como formas complementares e interdependentes de construção do conhecimento.
Por Florencio Anton
Se por um lado há uma tendência do pensamento científico em romper com o pensamento religioso, por outro, é forçoso reconhecer que o pensamento religioso tende a malbaratar o pensamento científico. Querer imprimir a supremacia de um sobre o outro, na minha perspectiva, é tentar impor, ainda que de forma disfarçada, um olhar sobre o mundo e a existência através das lentes desintegradoras de um paradigma simplista, reducionista e excludente, que sem sombra de dúvidas guarda seu valor, mas que contemporaneamente já não responde de modo profundo às questões essenciais da criatura humana.
O paradigma complexo surge então como um olhar integrador que une o singular e o múltiplo, respeitando unidades e diversidades e que vem nos ensinar sobre as incertezas do conhecimento, a impermanência das “verdades” sejam religiosas ou científicas, assim como propor uma troca de “lentes” que nos ajudam a aceitar os riscos do erro e da ilusão nas opiniões, inclusive na dos espíritas e dos Espíritos, e na construção do conhecimento, pois estes são traduções, reconstruções e interpretações da realidade, como igualmente identificar quais são os conhecimentos pertinentes e fundamentais, contextualizando-os em uma rede de relações mútuas que se influenciam reciprocamente.
Portanto a ciência, como representação de um instrumento de construção do conhecimento e apreensão das realidades pela via intelectual e a religião como um instrumento de construção do conhecimento e apreensão das realidades pela via afetiva, através do pensar filosófico da complexidade, estabelecem uma estreita relação na medida em que este concorda que a construção da inteligência é inseparável da afetividade. O que reflito é que, a crença de que a razão deve dominar o afeto, na perspectiva científica, e o afeto deve dominar a razão, na perspectiva religiosa, precisam ser revistos posto que não há uma área superior a outra, mas uma relação inseparável de igualdade entre ambas.
O que quero dizer também é que há uma necessidade de se abandonar preconceitos e estereótipos profundamente arraigados em nossas crenças e que tem definido alguns comportamentos infelizes, sejam nos campos da ciência ou da religião, que não valorizam o princípio antropo-ético que confere aos seres humanos a autonomia por gestar e gerir sua própria existência como também não estimulam o respeito recíproco.
Na ciência pela imposição da “verdade” como resultado da subjugação a um método dito válido e na religião pela imposição da “verdade” revelada pelo divino a seus prepostos há sempre um manifesto subliminar, que precisa ser superado, permeado por preconceitos e estereótipos que buscam ditar normas de comportamento, relegando aos que pensam e agem de forma diferente, o lugar da completa e absolutamente assustadora marginalização.
Em linhas gerais, reconheço que essa problemática fragmentadora atual não será resolvida, pelo menos por agora, porque ainda fazem parte de nós a barbárie em todos os sentidos, a sede de domínio e a opressão como um enraizamento profundo nas terras do nosso inconsciente que nos cabe ir desenterrando, a duras penas, o que reverbera na forma como fazemos e percebemos a ciência e a religião.
Enfatizo, no entanto, que se assumirmos a nossa humanidade, realizando-a enquanto tal a partir de um sincero e corajoso autoconhecimento, haveremos de, pelo menos, de forma equânime, nos nivelarmos uns aos outros. Talvez aí, nesse exercício “a sós e em conjunto com a política do homem, a política de civilização, a reforma do pensamento, a antropo-ética, o verdadeiro humanismo, a consciência da Terra-Pátria”, a regeneração será experimentada; não do planeta no sentido literal, mas a de nossos olhares orgulhosos e egoístas, o que nos possibilitará vencer ecológica e solidariamente essa ignominiosa cisão narcisista responsável por grande parte, senão de todos os flagelos sociais, políticos, econômicos e morais que temos atravessado.
Para concluir argumento que reverencio e respeito a ciência e a religião como formas complementares e interdependentes de construção do conhecimento, colocando-as no mesmo nível de importância, e , ao Amor, reservo um lugar especial na pauta das minhas prioridades reflexivas e práticas, uma vez que , sendo o Amor o solo fecundo que faz germinar e frutificar as sementes das experiências humanas sublimes, em todas as áreas se manifesta como a presença pura e ao mesmo tempo complexa do pensamento de Deus que valoriza, o singular no plural, desde um infinitamente pequeno grão de poeira até o mais exuberante e poderoso berço dos astros.
Florencio Reverendo Anton Neto
( Mestrando em educação, membro do grupo de pesquisa em filosofia da educação AGOGÊ, pedagogo e enfermeiro especialista em cuidados paliativos e oncologia)
*Embasado em:
MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez, 2002.
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