A adjetivação espírita
Muita cautela ao apontar dedos para os nossos semelhantes – ou na leitura “espírita” tradicional, nossos irmãos ou confrades e confreiras.
Marcelo Henrique
Os recentes – e sucessivos, enquanto continuados – “escândalos” envolvendo médiuns no Brasil, não é fato novo, nem, tampouco, circunstância de casos isolados. Se tivermos um olhar crítico e histórico, basta pesquisar na internet, que iremos encontrar inúmeras situações envolvendo, inclusive, aqueles que foram (e são) considerados pelo “movimento espírita” como os dois “maiores” médiuns brasileiros, sem que eu precise nominá-los.
Sim, caríssimos, ambos estiveram, também, envolvidos ou foram protagonistas de ocorrências em que, pela boa fé ou pela invigilância, acabaram materializando situações que, em são consciência, qualquer espírita sensato gostaria de jamais ter presenciado, lido ou acessado, em registros históricos.
Tenho visto muitos espíritas estudiosos apressarem-se em dizer que “fulano” NÃO É espírita; é, apenas, médium. Ou, “beltrano” até pode estar associado à mediunidade, mas nunca foi espírita.
Precisamos retomar as diversas considerações de Kardec a esse respeito, sob pena de, mesmo com as “melhores intenções” e com o desejo de não ver a FILOSOFIA imiscuída em fatos pessoais de caráter duvidoso e, também, correlacionado a ilícitos (morais e penais, na justiça dos homens), estarmos patrocinando algum tipo de “inquisição”, retomando a postura equivocada de um “índex” ou catalogando as pessoas CONFORME o NOSSO padrão de entendimento.
Não, senhores e senhoras! O Codificador não listou, em nenhuma de suas 32 obras, qualquer “manual do espírita”. Também não definiu as ações permitidas ou as vedadas para aquele que SE DISSESSE espírita, ou FOSSE RECONHECIDO como tal.
O “movimento” – nós sabemos, pela extensão das rugas que cobrem nossas faces e pelos cabelos brancos de preocupações e incômodos – já faz, diariamente, o seu processo de seleção “natural”, com base em ditames de federações, uniões, ligas e seus dirigentes “do momento”. João já foi afastado da casa X. Maria já foi acusada de ser uma não-espírita. Pedro já foi tachado de individualista e de querer introduzir conceitos que “não são” espíritas. Antônia já foi afastada dos trabalhos tais e quais por manifestar sua opinião. Milton já perdeu uma eleição por força da união dos “verdadeiros” espíritas, em nome da “pureza” doutrinária. Flávia não pode nem mais adentrar a determinada casa espírita, porque todos a olham de modo estranho. Jaci já foi tachado de reformista e de orgulhoso, por querer discutir algumas obras “cultuadas” como espíritas, mas a coletividade não quer saber de questionar a “autoridade” de dado médium e a sua “missão divina”.
Devagar, muito devagar com o NOSSO andor, portanto.
Muita cautela ao apontar dedos para os nossos semelhantes – ou na leitura “espírita” tradicional, nossos irmãos ou confrades e confreiras. “Não julgar”, dizem os espíritas, rapidamente, mesmo que, cotidianamente, comentem em cochichos e reuniões “secretas” se devem permitir que o companheiro ou a companheira continue à frente de certo trabalho, se será novamente convidada a palestrar na casa, ou se não merece uma reprimenda em face de sua “conduta”.
Voltando a Kardec, ele jamais prelecionou que TODOS os espíritas seriam “iguais”. Que teriam o “mesmo” raciocínio. Que entenderiam de uma “única forma” os princípios, os fundamentos e a própria fenomenologia mediúnica e as Leis Espirituais que governam todos os seres em todos os mundos habitados. Em diversos momentos, Kardec aponta para a PROGRESSIVIDADE dos entendimentos “à luz” do Espiritismo, demonstrando que não seria a “mera” crença que faria uns espíritas, e outros, não.
E se formos adentrar ao contexto das individualidades, considerando as “bagagens” espirituais, a instrução formal e informal, a religiosa, a cultural, a filosófica e a soma das vivências reencarnatórias e a atual jornada, estaremos diante de um leque INFINITO de “tipos” de espíritas.
Há que se ter, assim, um acurado cuidado “kardeciano” para não “desvincular” as pessoas do Espiritismo, nem, tampouco, associá-las, no conjunto de suas práticas “estranhas”, à Filosofia Espírita. O que quero dizer com isso? Se Kardec não delimitou um “padrão” espírita, mas, muito ao contrário, ele indicou que seriam considerados espíritas todos os que professassem (aceitassem) seus princípios. Não todos, de uma vez, por certo, mas, paulatinamente, à medida da evolução dos próprios raciocínios. Para mim não é nem um pouco acertado dizer que A ou B são (ou não são) espíritas. Aliás, o “movimento” tem feito isso de forma pejorativa, para afastar pessoas como Zíbias, Wanderleys, Robsons, Armonds, Ranieris e tantos outros. Se eu professo, por exemplo, a reencarnação, se acredito na pluralidade das existências, se vivencio a mediunidade, pode-se dizer que SOU ESPÍRITA.
Então, se João ou Pedro, Maria ou Flávia, por suas decisões pessoais, por sua forma particular de ver e vivenciar a vida, comete(u) desatinos, não vamos de imediato, varrer a “sujeira” para fora da casa (movimento), rapidamente nos desvinculando dele ou dela, como se leprosos fossem, ou como se nós, também, fôssemos perfeitos ou perfectíveis, e não tivéssemos “outros” deslizes de conduta.
Se o critério for o caráter, para a definição do “padrão” espírita, no Brasil e fora dele, aí, meus queridos amigos, NINGUÉM, nem os “cultuados” médiuns, nem os “aclamados” palestrantes, irá conseguir passar pela peneira. Menos julgamento, menos “não é comigo”, menos atitudes antifraternas de exclusão e de separatismo. Mais espiritualidade e espiritismo em nosso viver!
O que não significa, em absoluto, que iremos “esconder”, “ocultar” ou “deixar de falar por caridade e respeito” dos erros cometidos, porque, se assim fizermos, estaremos compactuando com o “mal” e nos afastando da diretriz que aponta a necessidade de divulgação dos escândalos, até para evitar novos efeitos danosos e a própria repetitividade dos mesmos, sobretudo em relação aos incautos, aos “necessitados” e aos que estejam em condição de alguma dependência do atendimento espírita-espiritual.
E que cada um permaneça totalmente no exercício do seu direito de livre pensamento e livre expressão, sendo ESPÍRITA o quanto conseguir ser e sem a sujeição ou submissão dos “julgadores espíritas de plantão”.
O “sede perfeitos”, do capítulo XVII, item 4, de “O evangelho segundo o espiritismo”, já nos apontou, de há muito, o percurso para a busca de sermos verdadeiramente espíritas! Se ainda não somos e se os outros também não o são, não nos cabe, simploriamente, afastá-los da senda, só porque, momentaneamente, estão em maiores quedas do que as nossas e se, ainda, não conseguiram se esforçar tanto quanto deveriam.
A adjetivação espírita, portanto, é de foro íntimo, sem a necessidade de “reconhecimento” por parte de quem quer que seja. Como já dissemos em outro ensaio, “ninguém vai me dizer se sou espírita ou não”!
Meditemos…