A coragem nos direitos humanos: diálogos do Espiritismo com o feminismo
Carla Rocha Pavao | Do Grupo ECK
Se os Espíritos são criados simples e ignorantes e tudo se aniquila com a morte do corpo, qual a desculpa que ainda temos em pleno século 21 para justificar a desigualdade que vivemos como mulheres?
A psicologia social tem pesquisas que mostram a força do estereótipo (Fisk e Col., 2002) onde os estatutos e a competição entre grupos, em gráfico com eixos de competência e sociabilidade, consideram o seu grupo com mais altos valores que os demais em diferentes progressões, sendo que a partir disto determinam por estereótipos, a estrutura social.
Em um mundo cada vez mais desigual, forçada estereotipia tem relação com as minorias, sejam elas de negros, índios, mulheres, LGBT entre tantos outros grupos. Escrever ou falar sobre a dor do outro é usar de palavras sem sofrer, portanto, falta legitimidade. Ainda assim, faremos aqui um breve exercício.
As mulheres submetidas a jornadas triplas ainda sofrem o efeito de nomenclatura inglesa (que pouco nos agrada, mas é o termo técnico) de glassceiling, ou seja, salários menores, oportunidades que tem limites e são condicionadas a determinadas áreas, consideradas menores dentro das corporações ou trabalhos mais limitantes. Com ônus da família, da casa, do emprego (se ele existir), a grande maioria passa por violências dos mais variados espectros: sexuais, físicas, morais, psicológicas, quando não são mortas dentro do relacionamento amoroso.
Escrever sobre mulheres é, dentro dos direitos humanos, revistar um grupo historicamente oprimido, ainda que tenhamos sido empoderadas por Cristo nos mais diferentes episódios do Evangelho: da mulher adúltera (muitos dizem que este episódio não existiu) à Maria de Magdala, curando a mulher com sangramento no meio da multidão ou permitindo que lavassem seus pés, Jesus sempre soube da importância feminina no mundo. Até porque a reencarnação só é possível até o momento pelo corpo da mulher, que se transforma em mãe.
Parece estranho, todavia que em um mundo onde existem tantos cristãos e a igualdade esteja em “O livro dos espíritos” de forma muito clara, ainda precisemos lutar desde o nascimento em condições de inferioridade e opressão, justamente porque existe um estereotipo do sexo frágil, daquela que nasceu da costela para servir, que deve obedecer e nunca contestar.
Em algumas culturas, mulheres são mutiladas no corpo para inibição da sexualidade, outras são vendidas como escravas, existem as que não têm direitos alguns de alguns países orientais, enquanto nos ocidentais parecem gozar de liberdade, mas precisam fazer um bom casamento por indicação na família para garantia de um futuro melhor.
O mundo da mulher pobre e muito hostil, nas comunidades, enterrando companheiros e lutando pela vida dos filhos, aliciados muitas vezes pelo tráfico como forma de dignidade. Nas visitas que fazem aos presídios, o amor aos filhos, é incondicional, mostrando o quão capacitadas estão para a máxima evangélica de amar ao próximo como a si mesmo. No extremo oposto, nas grandes corporações, a agressão a mulher é velada também, tem desde a mulher que tem que ganhar menos porque engravida, segundo lideranças políticas do país, até ao congelamento de carreira em cargos considerados para mulheres dentro de áreas específicas. As poucas que chegam a liderança de empresas grandes, são remuneradas regiamente, mas será que se pautam pela defesa das minorias que ficaram estagnadas por mecanismos sociais opressores associados ao estereótipos de gênero?
Em toda parte, a forca da estereotipia se faz muito presente. O codificador da doutrina espírita, Allan Kardec, era casado com uma mulher culta e professora, Amelie, dez anos mais velhas e herdeira de riquezas, em clara mensagem de igualdade.
Uma visita rápida pela “Revista Espírita” de janeiro de 1866, nos permite ver que ainda se discutia se a mulher tinha alma, a partir da deliberação em um concilio no século anterior. Fazia pouco se debatia na França de Kardec se poderiam dar diploma de bacharel a uma mulher, inclusive. Neste artigo que citamos, se defende a igualdade social entre ambos, fundamentando que Deus não criou almas masculinas e fez as femininas inferiores. Se pensarmos rapidamente, veremos que um Deus infinitamente justo e bom, como está entre seus atributos no livro dos espíritos, não faz privilegiados e menos ainda nas condições de gênero.
Sabendo da alternância de gêneros nas experiências evolutivas para aprendizado, fundamentada no Livro dos Espíritos e no acolhimento que Jesus deu as mulheres durante a sua trajetória terrena, convidamos a todos neste artigo especial para Abrepaz a pensarem como construir um mundo inclusivo e participativo para as minorias, dentro do respeito aos direitos humanos e promovendo a cultura da paz para galgarmos novos degraus evolutivos coletivamente.
Se almas não tem sexo e encarnam temporariamente em diferentes corpos com alternância de sexo, os órgãos que diferenciam homens e mulheres, existem no corpo somente, sendo necessários a reprodução mas os Espíritos são criados simples e ignorantes e tudo se aniquila com a morte do corpo, qual a desculpa que ainda temos em pleno século 21 para justificar a desigualdade que vivemos como mulheres? A igualdade da mulher para a Doutrina Espírita é lei da natureza!
* Texto produzido para a Associação Brasileira Espírita de Direitos Humanos e Cultura da Paz (Abrepaz).
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