A laicidade em Jaci Regis

Nelson Santos, do ECK

Defensor aguerrido dos princípios espíritas, sua posição não-religiosa, o levou a repensar o próprio Espiritismo para adotar, definitivamente, uma proposta laica e livre pensadora.

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Defensor aguerrido dos princípios espíritas, Jaci Régis criticava a hegemonia não-racional do meio espírita brasileiro, marcantemente roustainguista e evangélico-cristão, citando, peremptoriamente, que os espíritas precisariam de “Espiritização”. Sua posição não-religiosa, o levou a repensar o próprio Espiritismo, para adotar, definitivamente, uma proposta laica e livre pensadora.
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Conheci o saudoso Jaci Régis em um fórum sobre religião espírita nos idos de 1984, na Federação Espírita do Estado de São Paulo. Sua dialética provocou em mim o encanto, provavelmente pelas similitudes interpretativas do pensamento kardeciano entre as suas manifestações e as minhas ideias. A partir de então, nunca me cansei de resgatar seus ensaios, crônicas, obras literatas e artigos [1]. Jaci era um homem de personalidade marcante, polêmico, crítico, ácido por vezes, porém indubitavelmente fundamentado.

Nesse mês de dezembro de 2022, onde se completam os doze anos de seu retorno à pátria espiritual, atrevo-me a traçar algumas linhas em uma singela crônica acerca de seu legado, ancorado, sobretudo, em três pilares fundamentais que definem seu pensamento: 1) a sua formação psicanalítica e a descoberta de Freud; 2) o aprofundamento e a contextualização do pensamento kardeciano, através da Revista Espírita; e, 3) a elaboração de uma proposta de releitura de Kardec, com uma reconceituação das atividades doutrinárias, de modo a adequá-las aos princípios e objetivos do Espiritismo, pois a principiologia Espírita não é estática, é progressiva e progressista, acompanhando a evolução moral e espiritual da sociedade humana através do tempo.

Defensor aguerrido dos princípios espíritas, Jaci Régis criticava a hegemonia não-racional do meio espírita brasileiro, marcantemente roustainguista e evangélico-cristão, citando, peremptoriamente, que os espíritas precisariam de “Espiritização”. Este, aliás, foi um movimento criado por ele e assim denominado, justamente para ampliar conceitos e análises no meio espírita. Como Herculano Pires e Deolindo Amorim, Jaci criticava o excesso de dogmatização e suas obras, conferências e tratados sempre abordavam a alienígena questão religiosa e sua inferência nos postulados Espíritas.

A culpa, o castigo, o sofrimento e a dor, com as punições divinas herdadas da cultura judaico-cristã, presentes na ambiência espírita, são para Jaci uma deformação, que consiste em transportar para a lei das vidas sucessivas a ideia do pecado original, e se apresentam tão contrárias ao pensamento espírita pós-cristão, uma vez que o ser no mundo encarna para a felicidade e o prazer.

Com isso, Régis defende a necessidade de um novo pensar sobre a atuação de Deus através das Leis Divinas ou Naturais em relação ao destino dos seres humanos na dinâmica existencial. Em em qualquer dos setores em que elas se manifestam, primam pela criação de ambientes de oportunidade, seleção e superação. De fato, o Universo gira em torno do amor, no sentido de prodigalizar meios e formas de oferecer ao Espírito (na forma humana, isto é, encarando) o acesso ao seu equilíbrio interno e também nas relações com o outro, isto é, a felicidade.

Aliás, um dos fundamentos de seu pensamento filosófico é a valorização do prazer e a adequada compreensão da sua necessidade na trajetória existencial, conduzindo à conquista de uma vida terrena relativamente feliz e exitosa. Esta visão estabelece um contraditório ao pensamento cristão e, também, ao pensamento espírita-cristão, que enaltecem o sofrimento como fator privilegiado de progresso e de crescimento espiritual. Em razão desta postura teórica, Jaci foi chamado de epicurista por alguns de seus opositores e, na obra “Novas Ideias”, ele os rebateu: “Revoltam-se alguns quando afirmo que o Universo está baseado no prazer e não na dor. Dedo em riste acusam-me de epicurista. Epicurista? Eu não sabia. Não tinha conhecimento da filosofia de Epicuro e fui saber quem era esse ilustre personagem, a quem fui ligado como um verdadeiro pecado”.

Sua posição não-religiosa, o levou a repensar o próprio Espiritismo, para adotar, definitivamente, uma proposta laica e livre pensadora, como podemos apreciar na obra “Introdução a Doutrina Kardecista” onde apreciamos:

“No espaço de 10 anos, de 1848 a 1858, o mundo foi abalado pelas propostas marxistas, pela intervenção darwinista e pela instalação do kardecismo.
Se Darwin punha por terra ancestrais conceitos religiosos sobre a criação e a posição do homem no quadro biológico, Marx propunha novos tipos de relacionamentos sociais e, por fim Kardec apresentava a natureza espiritual da criatura humana.
Essa extraordinária reconsideração sobre a natureza bio-sócio-espiritual do homem é a marca de uma era que se iniciava e que terá seguimento e contínua consolidação.
As mutações deste século XX mostram que, realmente, o que se supunha sólido escoou como areia pelos dedos da história.”

Questionador, contundente, consistente, contra hegemônico, polêmico… Assim era Jaci Régis. E é em suas próprias palavras, que temos a melhor definição de sua personalidade:

“Mas o que mais me satisfaz, em termos de doutrina espírita, é a liberdade de pensar fora do esquema religioso. Só quem libertou-se dos estritos caminhos do pensar religioso pode avaliar o que significa essa liberdade. Não é ser antirreligioso, maldizer as crenças. Nada disso. É ser livre para analisar os fatos sem preconceitos, aceitar ou rejeitar, duvidar e prosseguir. Um jogo fascinante na busca de um centro de referência e reflexão”. (Texto originário de 2010, publicado postumamente no jornal “Abertura”, número 375, de junho de 2021).

Nota do ECK:
[1] Nelson Santos, autor do presente artigo e membro do Conselho de Gestão do ECK e do Conselho Editorial da Revista Espírita Eletrônica Harmonia, tem costumeiramente resgatado os artigos e ensaios do saudoso escritor catarinense radicado em Santos (SP), no grupo “Espiritismo COM Kardec”.

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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