A mediunidade de animais em questão

 

Iso Jorge Teixeira

[…] Para admitirmos que uma comunicação mediúnica seja real é preciso que seja sancionada pelo crivo da razão e pelo critério da concordância universal dos ensinos dos Espíritos – não nos cansamos de repeti-lo, desta metodologia doutrinária não abrimos mão…

Pois bem, estudaremos aqui a difícil questão da mediunidade de animais e veremos como ALLAN KARDEC – o Codificador da Doutrina dos Espíritos – usou um método rigoroso em relação a esse tema; pois, um Espírito (ERASTO), cuja superioridade foi demonstrada inúmeras vezes, trouxe uma série de contribuições importantes sobre o assunto; no entanto, KARDEC preferiu esperar que a "psicologia experimental", no futuro, confirmasse ou não as suas assertivas, como veremos…

Médiuns e mediunidade

Os médiuns são, como sabemos, os intermediários entre os Espíritos e os homens (cf. O Livro dos Espíritos. ALLAN KARDEC. Introdução, item IV, início do último parágrafo), isto é, são pessoas aptas a sentirem a influência dos Espíritos e a transmitirem os pensamentos destes (cf. Obras Póstumas de ALLAN KARDEC, FEB, Rio de Janeiro, 13 ed., p. 57).

Enfim, para afirmar-se a ocorrência da mediunidade é preciso que haja captação da mensagem de um Espírito e que ela seja transmitida (ou retransmitida) aos homens. Então, as perguntas que se impõem em nosso tema são:

1) seriam os animais capazes de captar a mensagem de um Espírito? 
2) seriam os animais capazes de retransmitir o pensamento dos Espíritos?

Para que possamos afirmar que haja mediunidade de animais é preciso que respondamos sim a ambas as perguntas acima.

Captação (telepática) por um animal de mensagens de um Espírito

Rigorosas pesquisas científicas, com a catalogação de inúmeros fatos, provam que inúmeros animais (pássaros, gatos, cavalos, cães, etc.) são capazes de captar a presença de um Espírito. Assim, em longa dissertação intitulada Os animais Médiuns, disse o Espírito ERASTO, em 1861, através da mediunidade do Sr. d \’AMBEL:

(…) Certamente os Espíritos podem tornar-se visíveis e tangíveis para os animais, muitas vezes tomados de súbito por esse pavor, que vos parece infundado e é causado pela vista de um ou vários desses Espíritos mal intencionados para com os indivíduos presentes ou para os donos desses animais. (Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos. Direção de ALLAN KARDEC. Ano IV, n.º 8, agosto/1861, EDICEL, São Paulo, p. 264 e O Livro dos Médiuns de ALLAN KARDEC. Cap. XXII, FEB, Rio de Janeiro, 30 ed., 1972, p. 294 – 295).

Posteriormente, através de estudos de Metapsíquica foi reunido grande número de fatos, provando a percepção de Espíritos por animais; assim, uma longa casuística é apresentada pelo ilustre pesquisador italiano ERNESTO BOZZANO (Os animais têm alma ? – Edit. Eco, Rio de Janeiro) e alguns casos pelo célebre astrônomo e pesquisador CAMILLE FLAMMARION (O Desconhecido e os Problemas Psíquicos. Vol. I. Edit. FEB, rio de Janeiro, 3 ed., 1979, p. 99, 109, 157 e 194).

Ora, para que os animais captem a presença de Espíritos (e isto é um fato) é necessário que eles possuam um perispíritoe, consequentemente, uma alma. Haveria um psiquismo animal? Tal psiquismo teria diferenciação para retransmitir o pensamento que percebem?

Inteligência – Inteligência humana e animal

A melhor definição de inteligência foi dada pelo psicólogo W. STERN na segunda década do século XX. Disse ele:Inteligência é a capacidade de se adaptar a situações novas mediante o consciente emprego de meios ideativos. Neste sentido, várias pesquisas demonstraram a inteligência em animais, embora rudimentar e isto já fôra anunciado pelo espíritos à época de KARDEC.

Uma das mais importantes pesquisas científicas neste setor foi realizada por W. KÖEHLER, um dos fundamentadores da Psicologia da Gestalt (GestaltPsychologie).

 

W. KÖEHLER publicou o livro A Inteligência dos Símios Superiores, em 1917, no qual relata sua experiência em chimpanzés que aqui resumimos: os chimpanzés foram colocados, com fome, numa área em que se deixava pender cachos de banana, inalcançáveis para a estatura deles. Foram colocados no chão, espalhados, alguns caixotes e varas. Depois de algum tempo, mais ou menos longo, para cada experiência, após várias tentativas de insucesso, conseguiram os chimpanzés ter "ideias", isto é, vislumbravam a solução do novo problema a eles apresentado, empilhando caixotes para alcançarem as bananas e/ou utilizando as varas para derrubarem as bananas… Enfim, provou o pesquisador que houve ali atos inteligentes dos chimpanzés, no entanto, simplesmente para atender suas necessidades materiais, imediatas, sem abstração e generalização. A esse respeito, ensinava o nosso mestre da Psiquiatria brasileira NOBRE DE MELO:
(…) Eis aí por que se pode dizer, sem exagero, que a vida psíquica do Homem é sempre e em tudo diferente da do animal. Este, incapaz de abstrair, terá limitada a sua inteligência aos imperativos das necessidades vitais imediatas. Por isso, seu raciocínio jamais poderá passar daquela inferência concreta e prática entre fatos particulares.(A. L. NOBRE DE MELO.Psiquiatria. Vol. I. Civilização Brasileira / MEC, Rio de Janeiro, 1979, p. 282 – 283).

Enfim, o psiquismo animal existe, mas de forma rudimentar; o animal é incapaz de evoluir por si mesmo, nem através da ajuda dos de sua espécie, embora sejam capazes de atos que nos tocam o coração, porém, instintivos. São exemplos disso os casos relatados no prefácio à edição brasileira do livro de BOZZANO (op. cit.) por FRANCISCO KLORS WERNECK, embora não indique a fonte… Diz ele:

Existem casos surpreendentes com os animais, principalmente com os cães, que parecem ser os mais evoluídos na escala animal. Um, por exemplo, daquele cão feroz que avançou resolutamente contra um de sua espécie, que se quedava tranquilamente na beira da calçada, e estacou, trêmulo e aterrado, ao aproximar-se do outro, que não percebeu o menor sinal de sua aproximação. Tratava-se de um animal cego. Outro, o do conhecido cirurgião que encontrou na rua um cão com a pata esmagada e tratou dele na sua própria casa. Doze meses se passaram até que estranhos arranhões na porta de sua residência o levaram a ver do que se tratava. Era o mesmo cão que levava um seu semelhante, nas mesmas condições em que se achara, para o médico o tratar. Finalmente, conta KLORS WERNECK, um caso que teria ocorrido com ratos:

(…) Um tropeiro passava por uma estrada quando os seus olhos descobriram dois ratos que caminhavam um ao lado do outro, levando ambos uma palhinha, segurando um uma ponta e o outro a outra. Teve a ideia de matá-los com o porrete que levava na mão. O primeiro, atingido pela pancada, fugiu, sem dar antes sinais de desespero, e o outro para um tanto perplexo de que o outro se tenha posto em fuga. Verifica então ele que a sua imobilidade se devia ao fato de ser cego. O outro lhe servia de guia nas trevas da cegueira. (op. cit., p. 7 – 8).

É indubitável o psiquismo animal, contudo, esclarecia o Espírito ERASTO:

(…) O cão que, pela sua inteligência superior entre os animais, se tornou o amigo e o comensal do homem, será perfectível por si mesmo, por sua iniciativa pessoal? Ninguém ousaria afirmá-lo, porquanto o cão não faz progredir o cão. O que, dentre eles, se mostra mais bem educado, sempre o foi pelo seu dono. Argumenta, então, ERASTO:

(…) Desde que o mundo é mundo, a lontra sempre construiu sua choça em cima d \’água, seguindo as mesmas proporções e uma regra invariável; os rouxinóis e as andorinhas jamais construíram os respectivos ninhos senão do mesmo modo que seus pais o fizeram; um ninho de pardais dos tempos modernos é sempre um ninho de pardais, edificado nas mesmas condições e com o mesmo sistema de entrelaçamento das palhinhas e dos fragmentos apanhados na época dos amores. As abelhas e as formigas, que formam pequeninas repúblicas bem administradas, jamais mudaram seus hábitos de abastecimento, sua maneira de proceder, seus costumes, suas produções. A aranha, finalmente, tece a sua teia sempre do mesmo modo. E arremata:

(…) Por outro lado, se procurardes as cabanas de folhagens e as tendas das primeiras idades do mundo, encontrareis, em lugar de umas e outras, os palácios e os castelos da civilização moderna. Às vestes de pele brutas sucederam os tecidos de ouro e seda. Enfim, a cada passo, achais a prova da marcha incessante da humanidade pela senda do progresso. (O Livro dos Médiuns. ALLAN KARDEC, op. cit., p. 293. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos, op. cit., p. 262-263).

Aí estão palavras sensatas, que o tempo não destruiu…

Mediunidade de animais?

O Espírito ERASTO pronunciou-se sobre a questão da mediunidade de animais de forma peremptoriamente contra. Disse ele:

(…) Os homens estão sempre dispostos a exagerar tudo. Uns – e não falo aqui dos materialistas – recusam uma alma aos animais e outros querem lhes conceder uma, por assim dizer, semelhante à nossa. Por que querer assim confundir o perfectível com o imperfectível? Não, não, convencei-vos; o fogo que anima os animais, o sopro que os faz agir, mover-se e falar sua linguagem não tem, até o presente, nenhuma aptidão para se misturar, se unir, fundir-se com o sopro divino, a alma etérea, o Espírito, numa palavra, que anima o ser essencialmente perfectível, o homem, esse rei da criação. (O Livro dos Médiuns. ALLAN KARDEC, op. cit., p. 292. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos, op. cit., p. 262).

Além do argumento acima, devemos estar atentos para o fato de que a evolução na escala animal provavelmente ocorra através do processo reencarnacionista, pois a individualidade do psiquismo animal é demonstrada em casos desuicídio de animais (cf. KARDEC. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos, fevereiro/1867, op. cit., p. 52) e através da constatação de que não há animais na erraticidade (cf. KARDEC. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos, 1865, p. 127), pois sua reencarnação é muita rápida (O Livro dos Médiuns. ALLAN KARDEC, op. cit., p. 359-360).

CONCLUSÕES

KARDEC foi prudente e não colocou como um dado doutrinário indubitável a questão do "espírito" dos animais. Em 1865, na Revue Spirite disse: (…) Quando tivermos reunido documentos bastantes, resumi-lo-emos num corpo de doutrina metódica, que será submetida ao controle universal (o grifo é nosso). Até lá são apenas balizas postas no caminho para o esclarecer. (cf. KARDEC. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos, maio/1865, op. cit., p. 127). Este comentário KARDEC o fez a propósito de uma mensagem recebida pelo médium E. VÉZY, em 21/04/1865, que dentre outras coisas dizia:

(…) o animal, seja qual for,não pode traduzir seu pensamento pela linguagem humana, suas ideias são apenas rudimentares; para ter a possibilidade de exprimir-se, como o faria o Espírito de um homem, ele necessitaria de ideias, conhecimentos e um desenvolvimento que não tem, nem pode ter. Tende, pois como certo que nem o cão, o gato, o burro, o cavalo ou o elefante, podem manifestar-se por via mediúnica.(cf. KARDEC. Revista Espírita – Jornal de estudos psicológicos, maio/1865, op. cit., p. 129).

Hoje, após 137 anos, ante a comunicação acima, diante das pesquisas científicas acumuladas sobre o assunto, ante o ensino do Espírito ERASTO (em 1861) e considerando as ideias de KARDEC, acreditamos que podemos afirmar que NÃO HÁ MEDIUNIDADE NO ANIMAL, ou melhor, O ÚNICO ANIMAL QUE POSSUI MEDIUNIDADE É O HOMEM, MAS ESTE É O "REI DA CRIAÇÃO".

Iso Jorge Teixeira
CREMERJ:52-14472-7
Psiquiatra. Livre-Docente de Psicopatologia e Psiquiatria da Faculdade de
Ciências Médicas (FCM) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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