A vida é mais do que ser feliz

Emily Esfahani Smith | Qual a diferença entre ser feliz e ter uma vida com sentido? (vídeo de 12 minutos + texto)

 

Translated by Raissa Mendes
Reviewed by Claudia Sander

Eu costumava pensar que o único objetivo da vida era sair em busca da felicidade. Todo mundo dizia que o caminho para a felicidade era o sucesso, então passei a procurar o emprego ideal, o namorado perfeito, o apartamento lindo. Mas, em vez de me sentir realizada, me sentia ansiosa e perdida. E não era só eu, meus amigos também se sentiam assim.

Acabei entrando na pós-graduação de psicologia positiva para aprender o que realmente faz as pessoas felizes. Mas o que descobri lá mudou minha vida. Dados mostravam que perseguir a felicidade pode tornar as pessoas infelizes. E o que me surpreendeu foi que a taxa de suicídio vem subindo no mundo, tendo chegado recentemente, nos EUA, ao ponto mais alto em 30 anos. Apesar de a vida estar ficando melhor do ponto de vista de quase todos padrões imagináveis, mais pessoas se sentem desesperançosas, deprimidas e solitárias. Existe um vazio corroendo as pessoas, e não é preciso estar clinicamente deprimido para se sentir assim. Mais cedo ou mais tarde, acho que todos se perguntam: “Então a vida se resume a isso?” Segundo a pesquisa, o que prediz tal desespero não é a falta de felicidade. É a falta de algo mais, a falta de um sentido para a vida.

Mas isso me fez levantar algumas questões. Será que há algo mais na vida além da busca pela felicidade? E qual a diferença entre ser feliz e ter uma vida com sentido? Muitos psicólogos definem felicidade como um estado de conforto e relaxamento, de se sentir bem no momento. O sentido, no entanto, é algo mais profundo. O renomado psicólogo Martin Seligman afirma que a origem do sentido está em pertencer e servir algo além de si mesmo e desenvolver o melhor de si. Nossa cultura é obcecada pela felicidade, mas vejo que buscar um sentido é o caminho mais gratificante. E os estudos mostram que pessoas que encontram um sentido na vida são mais resilientes, se saem melhor na escola e no trabalho, chegam até a viver mais.

Então, isso me fez perguntar: “Como podemos ter uma vida com mais sentido?” Para descobrir, passei cinco anos entrevistando centenas de pessoas e lendo milhares de páginas de psicologia, neurociência e filosofia. Juntando tudo isso, descobri o que chamo de os quatro pilares de uma vida com sentido. E cada um de nós pode construir uma vida assim, erguendo alguns ou todos esses pilares em sua vida.

O primeiro pilar é o pertencimento. Pertencimento vem com relacionamentos em que somos valorizados pelo que somos intrinsecamente e em que valorizamos os outros também. Mas alguns grupos e relacionamentos geram uma forma barata de pertencimento: somos valorizados pelo que acreditamos, por quem odiamos, e não por quem somos. O verdadeiro pertencimento brota do amor. Ele floresce em momentos entre indivíduos, e é uma escolha, podemos escolher cultivar pertencimento com outras pessoas.

Eis aqui um exemplo. Toda manhã, meu amigo Jonathan compra jornal do mesmo jornaleiro em Nova Iorque. No entanto, eles não fazem simplesmente uma transação. Eles aproveitam para parar, conversar e tratar um ao outro como seres humanos. Mas, uma vez, Jonathan não tinha dinheiro trocado, e o jornaleiro disse: “Não se preocupe”. Mas Jonathan insistiu em pagar, então foi a uma loja e comprou algo de que não precisava para trocar o dinheiro. Mas, quando deu o dinheiro para o dono da banca, este se afastou. Ele ficou ofendido. Ele estava tentando fazer algo gentil, mas Jonathan o tinha rejeitado.

Acho que todos rejeitamos pessoas de maneiras sutis sem nem perceber. Eu mesma faço isso. Passo perto de alguém conhecido e mal cumprimento. Fico checando meu telefone enquanto alguém conversa comigo. Tais gestos desvalorizam os outros, fazem com que as pessoas se sintam invisíveis e sem valor. Mas, quando agimos com amor, criamos um laço que faz bem para todos.

Para muitas pessoas, pertencimento é a fonte mais essencial do sentido, os laços com a família e os amigos. Para outros, o segredo para o sentido é o segundo pilar: propósito. Bem, descobrir nosso propósito não é a mesma coisa que encontrar um emprego que nos faça felizes. Propósito tem mais a ver com o que damos do que com o que queremos. Um faxineiro de hospital me disse que seu propósito era curar pessoas doentes. Muitos pais me dizem: “Meu propósito é criar meus filhos”. O segredo do propósito é usar os pontos fortes para servir os outros. Obviamente, para muitos de nós isso acontece através do trabalho. É como contribuímos e nos sentimos úteis. Mas também significa que questões como desmotivação no trabalho, desemprego e baixa participação na força de trabalho não são problemas meramente econômicos, mas existenciais também. Sem algo que valha a pena fazer, as pessoas ficam perdidas. Obviamente não temos de achar propósito no trabalho, mas o propósito nos dá algo pelo que viver, alguns “porquês” que nos impulsionam.

 

O terceiro pilar do sentido também tem a ver com ir além de si mesmo, mas de um jeito bem diferente: transcendência. Estados transcendentes são aqueles raros momentos em que pairamos acima da correria do dia a dia, e nosso senso de “eu” se dissipa, e nos sentimos conectados a uma realidade maior. Conversei com uma pessoa para quem a transcendência veio ao apreciar arte. Para outra, foi numa igreja. Para mim, que sou escritora, veio por meio da escrita. Às vezes entro num estado em que perco toda a noção de tempo e lugar. Essas experiências transcendentes podem nos transformar. Num estudo, pediu-se a estudantes que olhassem para eucaliptos de 60m de altura por um minuto. Resultado: eles se sentiram menos egoístas e até se comportaram de forma mais generosa quando tiveram a chance de ajudar alguém.

Pertencimento, propósito, transcendência. Bem, o quarto pilar do sentido da vida que descobri costuma surpreender as pessoas. Trata-se da contação de histórias, a história que contamos a nós mesmos sobre nós mesmos. Criar uma narrativa com os eventos da nossa vida traz clareza. Isso nos ajuda a entender como nos tornamos quem somos. Mas nem sempre percebemos que somos o autor da nossa história e que podemos mudar a forma como a contamos. Nossa vida não é apenas uma lista de eventos. Podemos editar, interpretar e recontar nossas histórias, mesmo estando limitados pelos fatos.

Conheci um jovem chamado Emeka, que ficou paralisado jogando futebol. Depois dessa lesão, Emeka disse a si mesmo: “Tive uma vida ótima jogando futebol, mas, agora, olhem só pra mim”. Pessoas que contam histórias assim, “Minha vida era boa. Agora está ruim”, tendem a ser mais ansiosas e deprimidas. E Emeka foi assim por um período. Mas, com o tempo, ele começou a construir uma história diferente. Sua nova história ficou assim: “Antes da minha lesão, minha vida era sem sentido. Eu era um cara baladeiro e muito egoísta. Mas a lesão me fez perceber que eu poderia ser um homem melhor”. Essa edição de sua história mudou a vida de Emeka. Depois de contar a si mesmo essa nova história, Emeka começou a orientar crianças e descobriu qual era seu propósito: servir os outros. O psicólogo Dan McAdams chama isso de “história redentora”, em que o mal é redimido pelo bem. Ele descobriu que pessoas cuja vida tem sentido tendem a contar histórias sobre sua vida definidas por redenção, crescimento e amor.

 

Mas como as pessoas podem mudar suas histórias? Algumas buscam a ajuda de um terapeuta, mas também podemos fazer isso sozinhos, refletindo profundamente sobre nossa vida, como as experiências marcantes nos moldaram, o que perdemos, o que ganhamos. E foi isso o que Emeka fez. Ninguém muda sua história da noite para o dia; isso pode levar anos e ser doloroso. Afinal, todos sofremos e todos lutamos. Mas abraçar essas memórias dolorosas pode levar a insights e sabedoria, a encontrar o bem que nos sustenta.

Pertencimento, propósito, transcendência, contação de histórias: esses são os quatro pilares do sentido. Quando criança, tive a sorte de viver cercada por esses quatro pilares. Meus pais realizavam reuniões sufis na nossa casa em Montreal. O sufismo é uma prática espiritual associada aos dervixes rodopiantes e ao poeta Rumi. Duas vezes por semana, os sufis vinham a nossa casa para meditar, beber chá persa e compartilhar histórias. Suas práticas envolviam também servir toda a criação por meio de pequenos gestos de amor, o que significa ser bom, mesmo quando as pessoas nos decepcionam. Mas isso deu a eles um propósito: tomar as rédeas do ego.

Acabei saindo de casa para cursar a faculdade e, sem o apoio diário do sufismo na minha vida, me senti desamparada. E comecei a buscar coisas que fizessem a vida valer a pena. E foi isso que me colocou nesta jornada. Olhando pra trás, agora percebo que a casa sufi tinha uma verdadeira cultura do sentido. Os pilares eram parte de sua arquitetura, e a presença desses pilares ajudou todos nós a vivermos mais profundamente.

Claro, o mesmo princípio se aplica a outras comunidades poderosas também, boas e ruins. Gangues e cultos são culturas do sentido, que usam esses pilares e dão às pessoas algo pelo qual viver e morrer. Mas é exatamente por isso que nós, como sociedade, temos de oferecer alternativas melhores. Precisamos construir esses pilares dentro de nossas famílias e instituições para ajudar as pessoas a se tornarem seus melhores “eus”. Mas uma vida com sentido demanda trabalho. É um processo contínuo. E todos os dias estamos constantemente criando nossas vidas, adicionando algo à nossa história. E às vezes podemos sair dos trilhos.

Quando isso me acontece, me lembro de uma experiência poderosa que tive com meu pai. Meses após eu me formar na faculdade, meu pai teve um ataque cardíaco que poderia tê-lo matado. Ele sobreviveu e, quando perguntei o que passou pela sua cabeça ao ficar cara a cara com a morte, ele disse que só conseguia pensar que precisava viver para cuidar de mim e do meu irmão, e isso lhe deu força para lutar pela vida. Enquanto recebia a anestesia para uma cirurgia de emergência, em vez de contar de um até dez de trás pra frente, ele repetia nossos nomes como um mantra. Ele queria que nossos nomes fossem as últimas palavras que ele diria caso morresse.

 

Meu pai é um carpinteiro e um sufi. É uma vida humilde, mas boa. Deitado ali, de frente com a morte, ele tinha uma razão para viver: o amor. Seu senso de pertencimento a sua família, seu propósito como pai, sua meditação transcendental repetindo nossos nomes, essas, ele disse, foram as razões por que ele sobreviveu. É a história que ele conta a si mesmo.

Esse é o poder do sentido. A felicidade vai e vem, mas, quando a vida é realmente boa ou quando as coisas estão muito ruins, ter sentido na vida nos dá algo em que nos apoiarmos.

Obrigada.

Emily Esfahani Smith, Jornalista, Escritora. Em seu livro “The Power of Meaning”, Emily Esfahani Smith reúne as pesquisas mais recentes e as histórias de pessoas fascinantes que ela entrevistou para argumentar que a busca pelo significado é muito mais gratificante do que a busca pela felicidade pessoal.

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.

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