Algumas reflexões sobre a Educação Espírita

Humberto Mariotti (1)

A Educação baseada no desenvolvimento espiritual do Ser

A psicologia universitária da educação se fundamenta na concepção de uma única existência do Ser. Os mestres e professores continuam acreditando que podem dar formas ao espírito, isto é, delimitá-lo, de acordo com os princípios filosóficos e religiosos que sustentam. Porém, a universidade deverá admitir, de uma vez por todas, que o Ser não é resultado da fecundação sexual, mas, sim, uma entidade espiritual que volta à Terra, com todas as suas experiências do passado. Deverá reconhecer que o Ser é alguém que volta a penetrar, através da reencarnação, nos vários estratos do processo social e histórico. Baseado neste conceito do Ser, altera-se a imagem da História e descobre-se que todo o período histórico não é um fato isolado dos séculos passados, atuais e futuros. O filósofo da educação deverá reconhecer que a criança não é um fenômeno existencial recente e sim que todo seu ser, como criança, é apenas aparencial e não real.

Calcado nesse conceito do Espírito, a Ciência da Educação não pode apresentar princípios rígidos para determinar um tipo humano específico. Seu trabalho consistirá somente em proporcionar à criança ambientes favoráveis para o despertar de sua consciência, tendo em vista o que ela significa como uma síntese espiritual, na sua presente existência. Isto porque a criança não é uma realidade definitiva, mas aparente, visto que o período da infância é apenas transitório.

O educador só verá na criança uma parte de seu desenvolvimento corporal e não seu ser integral e espiritual. A Psicologia da Educação deverá assentar-se sobre a base do que o Espírito representa como Ser que reencarna e, conseqüentemente, sua origem, devido ao fator palingenético (2), isto é, a reunião total de todo o processo evolutivo alcançado pelo Ser (a síntese do indivíduo).

Se a Ciência da Educação continuar ignorando a criança como um Espírito reencarnante, não poderá compreender porque há crianças prodígios e seres que reconhecem lugares, povos ou caminhos sem os terem jamais visto e nos quais estiveram e atuaram em outros períodos do tempo eterno, que está contido e registrado na chamada memória das eras.

Paidéia espírita

Partido (Grego) – Tipo ideal de educação (N.T.)

À luz do conceito espírita do Ser, a criança é uma página escrita e não uma página em branco, como sustenta a doutrina da criação. Assim, a criança não é um sujeito com o qual se pode formar um tipo de mente. De acordo com o que chamamos de Paidéia espírita, a criança não é uma criação, mas uma evolução. A criação dos seres, segundo o ponto-de-vista tradicional, não responde aos avanços da Filosofia nem da Ciência. Atualmente, considera-se que tudo é o resultado de um desenvolvimento gradual, uma vez que tudo está em constante crescimento e evolução.

A criança é uma sucessão de estados psíquico-morais elaborados em vidas anteriores, que estão arraigados nas profundidades do seu subconsciente. A Ciência da Educação deverá reconhecer como uma realidade ontológica este estado préontico do Ser. É deste modo que se poderá conhecer a criança como um Ser em permanente manifestação e admitir que ela poderia chegar a ser mestre de seu próprio mestre.

Educar a criança não é formá-la, com o pensam os sociólogos: educar a criança ou o que assim se considera, é ir-se descobrindo o que é o ser reencarnado. É uma penetração no seu mundo subconsciente, com o futuro de nele descobrir o futuro existencial do homem. Por isso, nenhuma ciência pedagógica poderá aspirar à conformação de uma criança a um tipo de mentalidade ideológica ou religiosa. O conceito espírita do Ser obriga a respeitar a criança tal como ela se manifesta nas esferas familiares e sociais. O caráter do Ser já está delineado pelo processo palingenético a que o Espírito está submetido e é o educador que deverá descobri-lo, se não quiser alterar a pureza moral e existencial de sua futura idiossincrasia.

A verdadeira Ciência da Educação objetiva conscientizar a criança ou o educando quanto à sua natureza espiritual reencarnada. Quando seu raciocínio alcança os níveis intelectuais propícios para julgar-se a si própria e se auto-conhecer, sentir-se um ser infinito em relação a tudo que a rodeia e compreenderá que sua verdadeira formação moral depende dos próprios esforços que realizar.

A verdadeira educação do homem consiste em fazê-lo saber de onde vem, o que faz na Terra e para onde vai. Assim, portanto, a educação possui um objetivo importantíssimo: ensinar à criança qual é o verdadeiro sentido da vida, isto é, que o ensino seja um ato divino que o educador realizará com o propósito de despertar no Ser a consciência palingenética, que existe em seu subconsciente em estado latente. Porque, sendo a criança um Ser preexistente, o melhor método educacional é torna-la consciente dessa realidade espiritual. Não nos esqueçamos de que o Ser avança palingenesicamente do inconsciente para o consciente, segundo a tese de Gustavo Geley.

O Estado e a Educação Espírita

Os reais inconvenientes do desenvolvimento da Educação Espírita encontram-se nas concepções materialistas sustentadas pelo Estado. Em todos os lugares, o governo se opõe à aplicação de um ensino escolar e universitário baseado na Filosofia Espírita. Existe uma relutância em aceitar um tipo de homem com uma visão espiritualista da vida; porém esta atitude, incompreensível para a lógica, é a que permite o desenvolvimento e o avanço do niilismo, (3) e do agnosticismo em todas as esferas da vida social. Para a Educação Espírita, que poderia contestar com êxito esta decadência moral dos povos, as portas das escolas e das universidades estão hermeticamente fechadas.

Isto ocorre porque as “formas” de vida social que interessam ao Estado estão baseadas na força e no poderio econômico-financeiro. O governo prefere um homem forte ao invés de um homem espiritualizado; assim, pois, a educação nas nações modernas baseia-se na concepção materialista e não nas virtudes pacifistas do Cristianismo.

A ideologia que prevalece nos programas de estudo das universidades e escolas do Estado moderno está baseada na força como fator de poder, o que faz com que a Filosofia Espírita da Educação não ocupe lugar em nenhum departamento oficial de ensino. Considera-se que, atualmente, o conceito espírita da vida enfraquece o caráter, restando ao Estado as forças físicas necessárias para o ataque e a defesa frente às demais nações.

Um distinto pedagogo argentino, Pablo Pizzurno, considerando os Estados modernos, escreveu o seguinte: O Estado tem a sua ciência e nenhum outro conhecimento científico é válido para ele. Esta opinião nos leva a crer que o Movimento Espírita do mundo inteiro deverá criar a sua própria universidade, a sua própria escola e as suas próprias academias, com o objetivo de ministrar seus nobres ensinos, baseados no conceito espiritista da vida. Só assim poder-se-á falar de uma educação que ensine a amar, a afastar de si o orgulho e o egoísmo e a reconhecer que somente pelo amor poder-se-á transmutar as baixas tendências palingenésicas em estados éticos superiores.

O dr. Albert Schweitzer lutava por um tipo espiritual e social de educação, baseado no respeito à vida, mas, como é lógico, esta concepção filosófica e pedagógica não está de acordo com as teorias bélicas e destruidoras dos Estados modernos. Uma civilização que trata os animais sem piedade e onde utiliza-se nos laboratórios e aulas a vivissecção com a finalidade de penetrar nos segredos da fisiologia e da biologia, não oferece campo para as idéias espíritas da vida e a possibilidade de enquadrá-las como ensinos nos meios educacionais.

Objetivos da Educação segundo Allan Kardec

Se o Espiritismo possui um caráter eminentemente pedagógico em seus aspectos expositivos, isto se deve ao talento que Allan Kardec possuía em matérias educacionais. Não nos esqueçamos de que, discípulo de Pestalozzi, Kardec herdou de tal professor os mais claros delineamentos sobre a arte de expor as mais profundas idéias filosóficas e religiosas. Daí, o motivo pelo qual a Pedagogia Espírita é um método de ensino que apazigua os Espíritos, afastando-os do ódio e da guerra.

Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, assim se expressou: Só a Educação pode reformar os homens. E tinha razão o grande pensador francês, pois a única forma de modificar a ética individual e social será uma força espiritual que provém do interior do Ser. Por isso baseava ele todas as suas esperanças de reformas morais e sociais na Educação.

A respeito do bem comum e da educação, escreveu, na obra citada: A desordem e a imprevidência são duas chagas que somente uma educação bem compreendida pode curar. Nisso está o ponto de partida, o elemento real de bem-estar, a garantia da segurança de todos” (parág. 685-a). E acrescentava: Somente a educação pode reformar homens, que assim não terão necessidade de leis tão rigorosas (parág. 796).

Consideramos que estes dois lemas de kardec: Fora da caridade não há salvação e Trabalho, solidariedade, tolerância deveriam fazer parte de todas as aulas em todas as escolas e universidades do mundo. Mas ao Estado moderno não convém estas idéias pacifistas para se defrontar com o mundo circundante onde só a força se levanta soberana em lei. É por isso que o Movimento Espírita deveria organizar suas próprias escolas e universidades, a fim de demonstrar que é pela pacificação dos Espíritos que se chegará à verdade pura do conhecimento.

Não foi em vão que Camille Flammarion chamou Kardec de o bom-senso encarnado, porque viu nele o verdadeiro intérprete espiritual do homem e de todo o sentido evolutivo da natureza e do universo.

Os Direitos da Inteligência à luz da Educação Espírita

A Educação Espírita torna o homem consciente quanto à sua natureza espiritual e transcendente, outorgando à inteligência uma série de direitos filosóficos no que diz respeito ao seu próprio Ser e existir. Pois, ao atingir consciência de que ele representa na Terra, com o indivíduo que raciocina sobre si mesmo, outorga-lhe não apenas a chamado exercício dos direitos humanos, mas também o direito existencial de ser um espírito imortal e em evolução, dentro de um grande plano do universo. Com efeito, a Educação Espírita estabelece, de forma objetiva e evidente, os direitos da inteligência ao fazer com que o homem reconheça a si mesmo como um Ser que reencarna e desencarna dentro do incessante desenvolvimento da sociedade e da história. Pretendemos sintetizar estes direitos da inteligência nas seguintes razões:

    1. O direito de admitir que Deus existe como uma realidade espiritual em comunhão com a consciência do Ser.

 

      • O direito de não aceitar o nada, tampouco a morte, como únicas metas do Espírito, por considerá-las concepções negativas para o Ser e por já estarem superadas pelo realismo mediúnico do Espiritismo.

      • O direito de aceitar a lei palingenésica, isto é, um novo sentido existencial do homem, baseado nas vidas sucessivas do Espírito.

      • O direito de proclamar que os mundos do universo são habitados e que são futuras moradas do Ser.

      • O direito de receber comunicações espirituais dos seres queridos desencarnados e dos espíritos superiores da humanidade.

      • O direito de conhecer a Verdade e a Beleza, como uma conseqüência da Lei do Progresso.

      • O direito de evoluir espiritualmente, sem entraves ou imposições, mediante a Lei de Liberdade, baseada no amor e na caridade.

      • O direito de reconhecer e admitir a evolução do mineral, do vegetal e do animal, como partes integrantes da vida infinita.

      • O direito de saber de onde vem o Espírito, o que faz na Terra e para onde vai.

      • O direito de aceitar a Lei de Sociedade como uma associação de Espíritos reencarnados, regida por uma verdadeira lei de causas e efeitos, assentada sobre uma verdadeira legislação cristã.

      • O direito de viver a Lei de Adoração de acordo com a evolução interior da consciência.

      • O direito de proclamar a Lei de Igualdade mediante o cumprimento da Lei do Trabalho.

      • O direito de exercer a Lei de Liberdade sobre as bases morais de uma vontade social, iluminada pela Lei de Justiça, Amor e Caridade.

      • O direito de proclamar um novo espiritualismo à luz dos princípios filosóficos e religiosos que sustentam a Doutrina Espírita.

      • O direito de ensinar que o Espiritismo é autêntica expressão do Cristianismo, dirigido e inspirado pelo Espírito da Verdade, anunciado por Jesus.

 

Conclusões

Quando os Centros Espíritas se converterem em escolas, os direitos espirituais da inteligência serão exercidos ao amparo da liberdade, mesmo que as forças anti-progressistas se lhes oponham obstinadamente. O Movimento Espírita deverá, pois, fundar a sua CÁTEDRA e sua UNIVERSIDADE, pois nada se pode esperar de um mundo entregue a velhas concepções ideológicas que nada oferecem à evolução dos povos.

A EDUCAÇÃO ESPÍRITA será uma realidade pela união de todos os que pensam invocando as aspirações do Espírito da Verdade e por aqueles que se aprofundem na Obra Kardequiana, fonte inesgotável do verdadeiro saber científico, filosófico e religioso. Para este manancial inesgotável deverá caminhar a juventude, persequindo sempre a luminosa estrela da Verdade e da Beleza.

Humberto Mariotti
Buenos Aires, junho de 1980.

Notas:

(1) (1905-1982) Poeta, escritor, jornalista, conferencista e intelectual espírita portenho. Foi presidente da Confederação Espírita Argentina de 1935/1937 e 1963/1967, da Sociedad Victor Hugo por várias gestões e diretor da revista de cultura espírita “La Idea”. Esteve, junto com Manuel S. Porteiro, no Congresso Espírita Internacional de Barcelona (1934). Foi também vice-presidente da Confederação Espírita Pan-Americana (Cepa) em duas gestões. Escreveu vários livros e inúmeros artigos na imprensa espírita brasileira, portuguesa e argentina. Desencarna em 10/07/1982, em Buenos Aires. Obras: Dialéctica y Metapsíquica; Parapsicologia y Materialismo Histórico; El Alma de los Animales a Luz de la Filosofia Espirita; En Torno al Pensamiento Filosofico de J. Herculano Pires; Victor Hugo, el Poeta del Más Allá; Los Ideais Espiritas en la Sociedad Moderna; Vida y Pensamiento de Manuel Porteiro. (Fonte: www.feparana.com.br ) Volta

(2) Relativo a palingênese ou eterno retorno, doutrina das vidas sucessivas, reencarnação. Volta

(3) Do latim nihil = nada. Volta

A tradução acima, feita por Ciro Pirondi, foi publicada no jornal Abertura, em outubro de 1988.

Publicado também em: http://www.edicoesgil.com.br

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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