As Manifestações Sociais e o Homem de Bem

Marcelo Henrique Pereira, doutorando em Direito. Assessor administrativo da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE), membro do colegiado executivo da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA) e assistente da vice presidência de Cultura e Ciência Espírita da Federação Espírita Catarinense (FEC)

A segunda metade do mês de junho de 2013 é, sem dúvida, um momento ímpar que será lembrado durante muito tempo pela Sociedade brasileira. Como começaram no final de uma estação e estão se prolongando por outra, talvez possamos alcunhá-lo de “Inverno do Despertar Verde-Amarelo”.

Milhares de brasileiros ou já milhões se somarmos as diversas manifestações em distintos lugares – mais de quinhentas cidades –, em sua grande maioria, jovens (não obstante uma minoria de vândalos e marginais – cujas ações danosas também ocorreram e ocorrem em outras partes do mundo, em face da presença localizada de agentes misturados ao povo, que “empurram as massas para o comportamento irracional”, a anarquia generalizada e os crimes, os “black blocs”, que devem ser rechaçados e exemplarmente punidos) entabularam protestos sucessivos, incialmente motivados por aumentos nas tarifas de ônibus urbanos, para alcançar a mais profunda e generalizada INSATISFAÇÃO com a sucessão de atos ilícitos ou de incompetência administrativa e política, desde a revolta contra a excessiva e gananciosa carga tributária, os gastos públicos abusivos e de péssima (ou discutível) qualidade (e, até, utilidade), a corrupção escancarada e a impunidade em relação aos criminosos desses ilícitos, a criminalidade desenfreada e a repressão policial agressiva aos próprios movimentos sociais, e os péssimos serviços de educação, saúde e transporte público. Isso sem falar na recorrente inflação que corrói, novamente, as economias no Brasil de junho/julho de 2013, fazendo-nos relembrar momentos delicados e que mereciam estar esquecidos, posto que sepultados, mas que estão mais vivos do que nunca. Referida insatisfação é, assim, muito mais do que qualquer um poderia prever e não está localizada em dados nichos ou quadrantes populacionais, mas está presente no todo. O povo está cansado de promessas e de hipocrisia. A decantada paciência, calma e tolerância do “brasileiro bonzinho” chegaram AO LIMITE.
Se é fato que a vida de um considerável número de brasileiros melhorou muito – sem sombra de dúvidas – da “porta para dentro das casas”, não foi possível realizar sensíveis melhoras (e, antes, até pioras ocorreram) na qualidade de vida “do lado de fora”, pela insegurança, pela violência, pela corrupção e seus efeitos nos mais distintos serviços públicos postos à disposição e efetivamente utilizados pela grande maioria dos cidadãos brasileiros, sobretudo aqueles que não podem recorrer aos similares serviços privados.

O furor que tomou (e ainda toma) conta das ruas do país é sinal evidente de que o mundo vive não só uma crise econômico-financeira de graves proporções, mas também, uma crise de representatividade política. E é papel do governo e do parlamento, juntos, não permitir que os efeitos e reflexos dessas crises cheguem às famílias e às empresas.
As décadas de aparente conformação com a sequência dos dias deram lugar a semanas que estão concentrando, em quantidade e qualidade, décadas de mudança. Parece paradoxal. O “país de chuteiras” vestiu sapatos – muitos dos quais velhos e gastos – para dizer ao Governo e às entidades promotoras dos caríssimos jogos da Copa de 2014, que a paixão pelo futebol não será maior do que o descontentamento com a ineficiência e a ineficácia das administrações públicas, bem como do vírus da corrupção que parece nunca poder ser debelado dentro dos ambientes governamentais e na própria Sociedade. Uma insatisfação represada: – Basta!

Mesmo a cultuada ação dos últimos governos em relação aos miseráveis e aos mais pobres, elevando suas condições de vida e franqueando-lhes o acesso à cidadania e à dignidade sucumbiu diante da exata aferição de que os protestos também incluem aqueles que, antes excluídos, agora acordaram para o fato político de que pagam impostos e que, por isso, merecem serviços públicos decentes e de qualidade.

A principal constatação é a de que as pessoas, os cidadãos, querem PARTICIPAR MAIS e serem OUVIDOS. Este é o grande diferencial do fenômeno social de massa que estamos vivendo, e que conduzirá (ao menos se espera isso) a mudanças políticas e de sistema profundas e amplas. É a maior movimentação popular desde o movimento “Diretas Já” e próxima ao que conduziu ao “impeachment” do presidente Collor de Mello. Só que desta vez, sem interferência direta e sem a condução dos partidos (e dos líderes políticos e sociais bem localizados), para ser um legítimo movimento DAS MASSAS. Importante, entretanto, pontuar que a civilidade em larga escala, só será decorrente, de modo direto, de uma educação de qualidade e da modificação das formas de acesso do cidadão aos sistemas político e administrativo, tarefa que, convenhamos, não é para meses, mas para décadas de amadurecimento.

É hora, então, de soltar o grito contido. Caetano Veloso com muita felicidade, afirmou que as manifestações estão “dando voz a sentimentos ainda inarticulados”, levando grande parte da classe dos formadores de opinião, artistas, literatos, acadêmicos estarem em “sintonia com essas pessoas”.

Neste grito, manifestamente, figura a quebra dos paradigmas convencionais da representação social assim como os conhecidos e tradicionais canais de comunicação de imensa porção da Sociedade brasileira com as instituições que deveriam representá-la (poderes, instituições públicas e partidos políticos), o que não pode, entretanto, conduzir as massas a um novo modelo político em que o poder possa ser exercido diretamente pelo povo, nas ruas, inviável e perigoso, capaz de levar a Sociedade ao caos e à miséria moral e econômica.

É preciso salientar, no entanto, que as meras manifestações destes chamados “espasmos populares” (como a movimentação que vivemos presentemente) em regra não acaba resultando em qualitativas mudanças, de caráter político e social, de mesma envergadura e extensão, se ações institucionais, políticas, em sistema, a partir de atores sociais qualificados, não somente aqueles que se encontram, hoje, detentores de mandatos executivos ou legislativos, mas vindo de representantes de entidades sociais, não-governamentais, de estatura e presença pública, como conselhos profissionais, entidades civis ligadas ao combate à corrupção e associações e sindicatos, unidos, possam ser promovidas em cadeia. É preciso organização e continuidade.

O sistema que aí está, calcado no inchaço da máquina administrativa do governo, na ausência de representatividade política dos parlamentares – cada vez mais distanciados daqueles a quem deveriam prestar contas na efetiva e diuturna atividade de legisladores – como a falta de critérios objetivos e de transparência nas ações de aferição da atuação destes mesmos representantes populares, em paralelo à eficiência da ação investigativa e punitiva dos abusos, sem proteções injustificadas, como o sigilo das votações e a indefinição do trâmite processual, mostra o caminho e a tendência das reformas que devem ser empreendidas, sob a liderança dos atores qualificados mencionados no parágrafo anterior.

Como o Espírita vê tudo isso? Como deve se posicionar? Que papel deve desempenhar dentro do cenário sóciopolítico nacional, na esteira dos ensinamentos e orientações contidos na Filosofia Espírita?

O mundo (espiritual e físico, por consequência) está em constante movimento e mutação. As transformações sociais, dizem os Espíritos, são obra da ação humana, e as condutas individuais quando repetidas, aqui ou alhures, permitem a concretização dos avanços. O progresso é, assim, na dicção dos Espíritos que colaboraram com Kardec, uma força viva cuja ação não pode ser anulada, mas retardada, por vezes, quando os homens se lhe opõem por algum tempo (“O livro dos espíritos”, item 781, a).
Em uma pontual orientação um pouco mais adiante (item 932), nessa mesma obra, o Espírito Verdade concita os homens de bem ao trabalho operante para a consolidação das mudanças qualitativas na direção da evolução terrena. Ele adverte, no entanto, ser necessário romper a timidez que caracteriza os bons, no sentido de tomarem a dianteira, em relação aos maus que, quase sempre, são audaciosos. Quando os bons se convencem de que são maioria e de que podem convencer uns aos outros para as tarefas que nos cabem no plano da matéria, as ações transformadoras passam a ser mais evidentes e arrastam (quase) todos no rumo do progresso.

De uma forma ou de outra, percebe-se relativa acomodação dos espíritas em geral. Parece que nós, espíritas, ficamos “à espera” dos Espíritos desencarnados como se estes fossem os responsáveis pelo alcance dos espaços de transformação e regeneração social. Não obstante a existência de numerosas mensagens no sentido do envolvimento de cada um, de per si, nas tarefas individuais, dentro das missões que competem a cada ser encarnado, e da garantia de que as boas intenções dos humanos são apadrinhadas, no sentido de consórcios espirituais, da sintonia que se estabelece entre os encarnados e os desencarnados por afinidade, para que as iniciativas recebam o apoio energético, psíquico, no sentido do encorajamento, ainda somos realmente muito tímidos.

Achamos que as “coisas do mundo” pertencem ao mundo. É por isso que, notadamente, ao contrário de tempos anteriores – como as décadas de 20, 30 até 70, em que alguns espíritas assumiram posições de destaque nos poderes públicos, executivo e legislativo, como Bezerra de Menezes, Freitas Nobre e Herculano Pires – não temos lideranças espíritas no plano político e, as mais das vezes, sequer confiamos naqueles companheiros que, militando nas hostes doutrinárias, qualificam-se e disponibilizam-se para os certames eleitorais, na perspectiva de poderem participar destes cenários, dando a efetiva contribuição dos espíritas para a consolidação de novos modelos sociais.

É hora, presentemente, de deixamos a mera “contemplação” dos fenômenos sociais e apoiarmos aqueles que estiverem dispostos a ceder horas de suas atividades e tempo para a representação dos interesses espíritas (que, ao contrário do que possa parecer ou representar, não são meramente proselitistas, na disseminação dos meros conceitos doutrinários e na propaganda da existência de instituições espíritas, mas representa, sim, a presença do ideal espírita, que é humanista, livre-pensador e plural, porquanto provêm dos Espíritos, na orientação precisa acerca das diversas situações da vida física e espiritual). Em outras palavras, a formação espiritual dos espíritas, com o conteúdo que a Doutrina Espírita propicia, pode permitir a elaboração de leis mais justas e espiritualizadas e a atuação em projetos sociais, promovidos pelos poderes e entes públicos, capaz de concretizar o ideário de disseminação da fraternidade e da igualdade, assim como da justiça social em nossa Sociedade brasileira.

Evidentemente, nestes momentos mais agudos da nossa existência, em que multidões vão às ruas em busca de melhores condições de vida e mudanças qualitativas nos sistemas políticos e governamentais, e que, lamentavelmente, alguns episódios de violência e vandalismo atentam contra os patrimônios públicos e privados – assim como contra a vida e a integridade física de inúmeros irmãos, a vibração espiritual –, fazemos coro aos que preconizam a oportunidade dos envios energéticos e da ação terapêutica da prece como úteis e importantes. Mas, além da prece e da concentração e produção das vibrações nos ambientes espiritistas, é fundamental aliar à boa intenção dos pensamentos, a ação efetiva na direção das grandes transformações sociais.

É para isso que concitamos os espíritas à mobilização ordeira e pacífica e à participação efetiva nos fóruns que devem ser promovidos para a discussão dos grandes temas de interesse nacional! Os espíritas precisam se fazer presentes, por meio de representação qualificada, nos debates que ocorrem no seio do legislativo brasileiro, principalmente em audiências públicas que discutem a pertinência de projetos que são apresentados pelos membros do Congresso Nacional ou de iniciativa popular.

A hora é agora e o futuro será o reflexo do elo condutor ao qual nos afiliarmos, consciente e laboriosamente, nos dias de hoje, aproveitando essa energia pura para a construção de instituições mais representativas dos anseios populares legítimos e de uma NOVA Sociedade. Avante!

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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