’Bezerra de Menezes’, o filme que surpreendeu o mercado
Matéria extraída do Blog de cinema de O Globo http://oglobo.globo.com/blogs/cinema/default.asp
Por esta, nem os mais otimistas analistas de mercado, nem os mais crentes religiosos e nem os mais esclarecidos espíritos poderiam esperar. “Bezerra de Menezes: Diário de um espírito” — um filme feito por encomenda, dirigido por cineastas sem projeção nacional e mal avaliado por boa parte da crítica — é a grande surpresa das bilheterias brasileiras deste segundo semestre, atraindo cerca de 150 mil espectadores para os cinemas com apenas duas semanas em cartaz.
Dirigido pelos cearenses Glauber Filho e Joe Pimentel, “Bezerra de Menezes” é uma cinebiografia do médico, também cearense, que foi um propagador da doutrina espírita no Brasil, no século XIX. No elenco, estão Carlos Vereza, Ana Rosa, Lúcio Mauro e Caio Blat, entre outros.
— Muita gente fala que o sucesso do filme se deve a um possível rótulo de “espírita”. Mas não tem ninguém na porta do cinema dizendo que os não-espíritas estão barrados. O filme fala de valores familiares e das relações que se tem com a morte e com o universo materialista. Talvez haja um cansaço do espectador com as histórias de violência — diz Glauber Filho, que garante não ser espírita e cujo pai, Glauber, é médico. — E ele é mais velho que o Glauber Rocha. É só uma coincidência. Mas, com essa história de fazer filme sobre espiritismo, daqui a pouco alguém pode acabar estabelecendo alguma relação.
Sem nunca terem dirigido um longa para o cinema antes, Glauber Filho e Pimentel entraram no projeto a convite da Associação Estação da Luz, uma instituição, de cunho espírita, que realiza projetos sociais no Ceará. A idéia original era fazer um documentário sobre Bezerra de Menezes, com pouco orçamento. Mas, ao longo da produção, viu-se que era possível mais.
— Até a finalização do filme, gastamos R$ 2,4 milhões. Conseguimos 1/4 do custo de produção com patrocínio via Lei Rouanet. O resto veio de recursos próprios da Estação da Luz. É o primeiro filme que fazemos — conta Sidney Girão, presidente da associação. — No Brasil, há cerca de dois milhões de seguidores do espiritismo com potencial para ir ao cinema. Mas eu não acho que o filme seja religioso. Acredito que ele esteja indo bem porque o público se identifica com a mensagem de paz e humanidade.
Independentemente dos motivos, o fato é que o filme tem conseguido atrair uma parcela da população que não costuma ir ao cinema. A média de público nas 56 salas em que ele está em cartaz foi a melhor do último fim de semana. Isso quer dizer que “Bezerra de Menezes” já pode se considerar com força para alcançar os 420 mil espectadores de “Sexo com amor?”, o terceiro filme nacional mais visto em 2008, já fora de cartaz; e até perseguir os mais de 430 mil de “Era uma vez…”, o segundo nacional mais bem colocado no ranking, que estreou há dois meses — o líder ainda é “Meu nome não é Johnny” e seus 2,1 milhões.
— Eu acho que ele está mesmo atrelado ao nicho religioso, principalmente em relação aos espíritas, que não são tão retratados em atividades culturais como outras religiões — diz Paulo Sérgio Almeida, diretor da empresa de análise de mercado Filme B. — Um dado curioso é que ele foi melhor na segunda-feira, que é o dia em que se fazem promoções, do que na sexta. Isso mostra que o filme está atingindo as classes C e D. Aí fica difícil prever onde ele vai chegar porque, com o boca a boca, ele está pegando um público que não costuma ir ao cinema. Mas, do jeito que está, mais de 500 mil o filme faz.
Na última terça-feira, no Cine Palácio — aquele cinema no Centro que foi vendido para um hotel e, em breve, pode se tornar tema de sessões espíritas —, “Bezerra de Menezes” atraiu um bom público para uma sessão noturna. A maioria, de espectadores espíritas:
— Ele é muito importante pelas mensagens que passou — disse o ator espírita Glei Pélias.
— Acho que existe um preconceito das pessoas em relação ao espiritismo que o filme pode quebrar — contou a terapeuta corporal e médium Ignez Cintra.
Mas, como não se fazem 150 mil espectadores em duas semanas com facilidade, vale dizer que o Brasil é mesmo um país de aceitação religiosa. Bezerra de Menezes, conhecido como o médico dos pobres, com certeza daria sua bênção a todos.
— Achei interessante o que li sobre ele e vim para conhecer melhor sua obra — declarou o chefe de cozinha, judeu, Celso Moshe.