Como é ser espírita, segundo Kardec?

Fala-se muito em Espiritismo, mas pouco se sabe a seu respeito. J. Herculano Pires

Rita Foelker

Espiritismo é uma doutrina filosófica, suas bases e princípios se encontram nos cinco volumes da chamada Codificação Espírita, obra resultante do trabalho conjunto de Espíritos Superiores e dos médiuns que transmitiram comunicações reunidas e coligidas por Allan Kardec, tendo ele submetido, tanto as mensagens, quanto as respostas dos Espíritos, ao escrutínio da razão e ao princípio da universalidade dos ensinos dos espíritos.

Como Kardec e os Espíritos realizaram isso?

Os fenômenos mediúnicos haviam se tornado muito populares na França do século XIX, por meio de grupos que provocavam manifestações diversas de efeitos físicos, com fins de entretenimento ou curiosidade. No ano de 1855, Kardec foi convidado por seu amigo, Sr. Carlotti, a comparecer a uma dessas reuniões, sobre a qual ele se mostrou bastante cético, a princípio. Tendo contudo, comparecido e observado os fatos com mentalidade científica, análise lógica e sem preconceitos, Kardec percebeu que ali havia um fenômeno real, o qual passou a estudar mais amiúde.

Enquanto outros participantes dirigiam aos Espíritos perguntas fúteis e visavam a diversão, Kardec elaborou questões sérias, para as quais começou a receber respostas coerentes e profundas, que iriam constituir a origem dos livros que ele publicou, entre 1857 e 1868, cujo conteúdo reúne os conceitos espíritas fundamentais.

Ele também escreveu logo na Introdução a O Livro dos Espíritos que

“Para designar coisas novas são necessárias palavras novas; assim exige a clareza de uma língua, para evitar a confusão que ocorre quando uma palavra tem múltiplo sentido. As palavras espiritualespiritualista, espiritualismo têm um significado bem definido, e acrescentar-lhes uma nova significação para aplicá-las à Doutrina dos Espíritos seria multiplicar os casos já tão numerosos de palavras com duplo sentido. […] Diremos que a Doutrina Espírita ou o Espiritismo tem por princípio a relação do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo espiritual. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas ou, se quiserem, os espiritistas.”

Ambos os termos – ‘Espiritismo’ (substantivo, doutrina codificada por Allan Kardec) e ‘espírita’ (substantivo e adjetivo que relacionam pessoas, locais, fatos, objetos e ideias ao Espiritismo) – foram explicitamente vinculados nesse trecho à Doutrina Espírita que é específica, com princípios e conceitos nela claramente definidos, como Deus, espírito, matéria, reencarnação, evolução, mediunidade, entre outros. E aos seus adeptos.

 

Mas fora dos centros e grupos de estudos esclarecidos a esse respeito, existe muita confusão.

Na internet, onde nos habituamos a lançar nossas pesquisas sobre os mais diversos assuntos, no site Guia do Estudante, por exemplo, o Espiritismo é considerado uma religião brasileira das massas, muito influenciada por Chico Xavier…

Wikipédia também não colabora, dizendo que é uma doutrina espiritualista, que pretende explicar a reencarnação e a evolução.

Outros usos comuns das mesmas palavras

Culturalmente, longe de sua conotação nos livros de Kardec, observamos o uso do termo ‘espírita’ para referir-se a cartomantes e benzedores, por sua aproximação com o contexto da mediunidade. Mas a atividade não se baseia necessariamente em conhecimento profundo (ou sequer raso) do Espiritismo segundo Kardec e, sim, no fato da pessoa ser (suposta ou verdadeiramente) médium ou sensitiva. No senso comum, se envolve algum tipo de mediunidade, clarividência ou relação com o mundo espiritual, é “espiritismo”.

Nesse ponto, cabe uma distinção importante:

1. Espiritismo, na definição de Kardec, é filosofia ou doutrina filosófica de conteúdo definido.

2. Mediunidade, por sua vez, é um dos termos amplamente abordados na Codificação e na Revista Espírita. Mas trata-se de uma faculdade humana, como a visão ou a inteligência, pertencente ao campo da sensibilidade e comunicação, presente em todos os encarnados em diferentes graus e tipos de manifestações. Nos livros de Kardec, aqueles que produzem efeitos ostensivos, de certa intensidade, são chamados de médiuns propriamente ditos, podendo ser ou não espíritas e, até mesmo, nunca ter ouvido falar em Espiritismo.

Portanto, ‘espírita’ e ‘mediúnico’ não são sinônimos.

Outras vezes, encontramos instituições religiosas que se autodenominam “espíritas” e, neste caso, a palavra ‘espírita’ significa que são realizadas atividades que pressupõem auxílio espiritual ou presença de Espíritos, por meio da prática mediúnica (faculdade humana inata) ou de aplicação do passe.

Assim como a mediunidade, o passe é atividade sem relação obrigatória com a doutrina codificada por Allan Kardec. O passe é uma prática milenar e Jesus a utilizava, assim como estudiosos e adeptos do Magnetismo Animal, muito antes de Kardec.

Por outro lado, os princípios e conceitos pertencentes à Filosofia Espírita, relacionados entre si pelo entendimento, vão além dessas práticas, porque estruturam toda uma visão de mundo com bases científicas e consequências morais, a qual precisa ser aprofundada pelo estudo e meditação, além de bem compreendida. Kardec escreveu, logo no início do capítulo III de O Livro dos Médiuns: “o Espiritismo é toda uma Ciência, toda uma Filosofia. Quem desejar conhecê-lo seriamente deve, pois, como primeira condição, submeter-se a um estudo sério e persuadir-se de que, mais do que qualquer outra ciência, não se pode aprendê-lo brincando”.

 

Essa compreensão é ainda mais relevante, quando pensamos na tarefa da divulgação espírita. Como divulgar consiste em levar a Doutrina a quem não a conhece, é de suma importância esclarecer bem seus conceitos originais, a fim de que aquele que se inicia agora nesse conhecimento possa penetrar de fato nas suas consequências existenciais e morais.

 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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