Controvérsias, contradições e polêmicas: um paralelo entre a Ciência e o Espiritismo

Por Alexandre Fontes da Fonseca

Os métodos que asseguram o desenvolvimento e a prática saudáveis do Espiritismo é bastante similar aos que as Ciências

Estamos vivendo um momento especial do progresso intelectual da Humanidade. Nos últimos dois séculos, a Ciência se desenvolveu bastante proporcionando mais saúde e bem estar para as pessoas. O progresso moral, apesar de estar ainda bem atrás do intelectual, não está sem rumo já que além das 1ª. e 2ª. revelações, centradas nas figuras de Moisés através dos Dez Mandamentos e Jesus através do Evangelho, respectivamente, a bondade divina nos enviou o Espiritismo que ensinando a fé raciocinada tem como finalidade maior “o melhoramento moral da Humanidade” (item 303 de O Livro dos Médiuns 1). Mas, em vista do fato do Espiritismo ter “… que sustentar grandes lutas, mais contra os interesses, do que contra a convicção …” (questão 798 de O Livro dos Espíritos 2), é nosso dever como espíritas a vigilância contra as controvérsias, contradições e polêmicas que podem nos afastar da finalidade maior do Espiritismo, acima mencionada.

Como empregar eficazmente essa vigilância? O que ensinaram Kardec e os bons Espíritos? O propósito desta matéria é traçar um paralelo entre os modos pelos quais a Ciência é vigilante contra controvérsias, contradições e polêmicas e o que a Doutrina Espírita ensina. Veremos que os métodos que asseguram o desenvolvimento e a prática saudáveis do Espiritismo é bastante similar aos que as Ciências empregam na sua prática e desenvolvimento. Vamos enumerar os pontos para deixar mais claras essas semelhanças.

1. Metodologia editorial:

A Ciência dispõe de uma metodologia editorial de divulgação de novidades e pesquisas que se baseia na chamada análise por pares (3). Essa análise consiste em enviar cada novo artigo ou monografia para pareceristas, ou árbitros, que nada mais são do que pesquisadores especialistas no assunto do artigo para que sejam avaliados os critérios de aceitação e validação que cada área do conhecimento, através de seus paradigmas, definem. Além da análise dos próprios editores, eles enviam o artigo para quantos pareceristas forem necessários para obter uma avaliação final segura do mesmo. Em geral, se analisa como o assunto é tratado, QUAIS e COMO os métodos foram empregados, as conclusões obtidas, que novidades apresentam, que contribuições trazem para o conhecimento, que discordâncias com o paradigma vigente apresentam, se ferem princípios básicos bem estabelecidos, etc. Se o assunto do artigo for controverso, contraditório ou polêmico, será necessário avaliar com atenção redobrada e critérios mais rígidos, para evitar o risco de divulgar como verdadeiro algo que não o seja.

O Espiritismo, em comparação com as Ciências, também possui critérios para concordância ou não de tudo o que se escreve a seu respeito, seja o que chega através da mediunidade, seja o que é fruto da mente encarnada. No caso das publicações, as editoras de livros e periódicos espíritas, em geral, adotam metodologias semelhantes ao método de análise por pares ao fazerem os textos destinados à publicação passarem pela leitura de companheiros mais experientes do Movimento Espírita e conhecedores do assunto a ser publicado.

 

2. Rejeição de novidades:

A Ciência não divulga formalmente, em seu nome, novidades que não tenham satisfeito um número mínimo de critérios de validade. Cabe aos pesquisadores interessados no assunto o trabalho minucioso de demonstração e prova. Às vezes, os cientistas falam de suas opiniões próprios sobre vários assuntos, opiniões estas que não tem peso de ciência, enquanto não passarem por um processo de pesquisa e demonstração de acordo com os critérios de cada área do conhecimento.

O Espiritismo tem como um lema que “É melhor repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea” (Erasto, no item 230 de O Livro dos Médiuns 1). Às vezes, indivíduos (encarnados ou desencarnados) expõem opiniões isoladas a respeito de diversos assuntos relacionando-os ao Espiritismo, ou recebem mensagens que atribuem a personalidades maiores do mundo espiritual sem, contudo, terem realizado um trabalho de pesquisa, observação e demonstração que possam assegurar sua veracidade de acordo com os critérios espíritas. É importante que o Movimento Espírita saiba distinguir a diferença entre uma afirmativa isolada de um resultado obtido a partir do estudo sério e aprofundado.

3. Necessidade de um projeto de pesquisa continuado:

Em todas as áreas do conhecimento, o processo de desenvolvimento ocorre de maneira planejada. Em Ciência, a esse planejamento dá-se o nome de projeto de pesquisa (4). O projeto serve para guiar a atividade de pesquisa para que sejam satisfeitos os critérios que posteriormente serão aplicados na análise dos resultados obtidos. Um dos itens de um projeto de pesquisa é o seu cronograma ou plano de atividades. A seriedade e validade dos resultados a que se pretende chegar depende de um trabalho paciente de observação, medida, reflexão, análise, cálculos, que não podem ser realizados de uma hora para a outra. Na hora de divulgar tais resultados da pesquisa, os seus autores devem explicar todo o processo desde as motivações iniciais, a importância relativa do assunto, os problemas que o presente trabalho pretende resolver, os métodos e teorias empregados, cálculos se houverem, etc. Os pareceristas irão avaliar se não faltou nada, se realmente as conclusões estão bem sustentadas pelo trabalho de pesquisa, etc.

No Cap. XXVII da 2ª parte do Livro dos Médiuns (1), intitulado Contradições e Mistificações, no ítem 301 quando perguntados sobre “Que controle podemos empregar para conhecer a verdade?”, os Espíritos assim responderam a Kardec: “Para se discernir o erro da verdade, é preciso que as respostas sejam aprofundadas e meditadas por longo tempo e com seriedade. É um estudo completo a fazer-se. Para isso é preciso TEMPO, como para estudar todas as coisas. Estudai, comparai, aprofundai. Temos dito incessantemente que o conhecimento da verdade só se obtém a esse preço” (destaque em maiúsculas, nossos). Vê-se daí que para todo e qualquer assunto novo dentro do Movimento Espírita há que aprofundemos no seu estudo para não haver o risco de aceitarmos uma falsidade como disse Erasto. No caso, então, de controvérsias, contradições e polêmicas, a necessidade de aprofundamento é ainda maior!

 

4. Falhas e o caráter progressivo:

Como a Ciência é uma atividade humana, falhas ocorrem e de vez em quando a mídia divulga casos de fraudes científicas. Mas, o próprio método de divulgação dos trabalhos de pesquisa permite que erros anteriores sejam corrigidos. Para isso, os pesquisadores procedem à realização de novos estudos demonstrando os erros ou confirmando acertos de resultados anteriores ou, ainda, propondo novas idéias e teorias que complementam de maneira adequada os conhecimentos anteriores, promovendo assim o progresso da respectiva área.

O Espiritismo também é progressista. Kardec (ítem 55 de A Gênese 5) diz “Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe DEMONSTRASSEM estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará.” (grifos em maiúsculas, nossos). Destacamos a palavra “demonstrassem” para enfatizar aos leitores que não existe maneira de demonstrar uma coisa sem realizar um estudo aprofundado!

 

Como o Movimento Espírita é uma atividade humana, assim como a Ciência, ele é passível de erros e às vezes vemos artigos, mensagens, publicações e outros assuntos que causam controvérsias, contradições ou polêmicas junto aos espíritas. Mas, assim como a Ciência tem seus mecanismos de correção, o Espiritismo oferece-nos maneiras de buscarmos a verdade perante assuntos duvidosos.

Exemplos de assuntos controversos são encontrados dentro da relação Ciência e Espiritismo como, por exemplo, propostas de atualização do Espiritismo de acordo com a Ciência ou se a Física Quântica está de fato contribuindo para o entendimento de verdades espíritas; o emprego ou não de atividades de medicina alternativa nas casas espíritas; a identidade de personalidades conhecidas em mensagens mediúnicas, etc. O que o Espiritismo nos ensina é que antes de lançarmos anátema ou aceitarmos sem questionar, devemos nos aprofundar no assunto, meditar e observar por longo tempo esses pontos controversos para não corrermos o risco daquilo que Erasto previu a 153 anos atrás: o de aceitarmos falsidades ou teorias errôneas.

Por fim, como o Espiritismo é a doutrina que recomenda a fé raciocinada, concluímos esse estudo lembrando de Jesus ao dizer “E conhecereis a verdade e ela vos libertará” 6 e que além do “amai-vos” nós espíritas temos como mandamento o “instruí-vos” (Espírito de Verdade no ítem 5 do cap. VI de O Evangelho Segundo o Espiritismo 7). O segundo mandamento não pode ocorrer sem seriedade, método e aprofundamento.

Referências

1. A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Ed. FEB, 1ª Edição, Rio de Janeiro (2008).

2. A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Ed. FEB, 1ª Edição, Rio de Janeiro (2006).

3. A. F. da Fonseca, Aula 4: Tópicos de pesquisa multidisciplinar entre algumas Ciências e o Espiritismo. O método de análise por pares, Boletim do GEAE 486 (2004).

Homepage: http://www.geae.inf.br/pt/boletins/geae486.html

4. A. F. da Fonseca, Aula 14:O que é um Projeto de Pesquisa?, Boletim do GEAE 496 (2005).

Homepage: http://www.geae.inf.br/pt/boletins/geae496.html

5. A. Kardec, A Gênese, Ed. FEB, 34ª Edição, Rio de Janeiro (1991).

6. João 8:32.

7. A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Ed. FEB, 112ª Edição, Rio de Janeiro (1996).

Artigo Publicado no Reformador N. 2180 de Novembro de 2010, pp. 18-20.

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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