Deus e a Ciência, a Ciência e Deus: um diálogo possível

O Espiritismo precisa dialogar com as Ciências e com os demais ramos do conhecimento humano, sob pena de se tornar obsoleto, ultrapassado.

Por Marcelo Henrique

Volta e meia revisito textos. Não os meus, especificamente, mas aqueles que foram publicados principalmente na imprensa leiga e que guardem alguma correlação com a Filosofia Espírita. Cursando, atualmente, o Doutorado em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), todos os dias, em múltiplas atividades, se reafirmam os conceitos de transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade.

A transdisciplinaridade consiste no conhecimento plural em que diferentes áreas ou disciplinas colaboram entre si, de forma interligada, em um projeto comum, mas com atividades separadas e independentes. Como exemplo, temos uma criança que possua um transtorno do espectro autista (TEA), que receberá apoio, atendimento e cuidados de distintos profissionais, como médico, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, terapeuta aplicador, assistente social, os quais, cada um dentro de sua especialidade, irão fornecer ao paciente terapias e a atenção específica resultando, no somatório, numa melhor qualidade de vida para aquele.

Interdisciplinaridade, por sua vez, compreende a existência de pontos comuns entre segmentos do conhecimento, permitindo a “conversa” entre eles, na ampliação do entendimento sobre ele. Quando se busca entender a conexão entre as emoções e a saúde humana, disciplinas como filosofia, arte, biologia, pedagogia e psicologia, juntas, permitem uma melhor delimitação da influência das primeiras sobre a última.

Por fim, a multidisciplinaridade pressupõe que as diferentes áreas ou disciplinas compartilhem suas semelhanças e diferenças, reunindo informações necessárias a atingir um determinado objetivo central, com cada uma trabalhando isoladamente e depois reunindo os resultados. Exemplificando, para analisar a questão do desmatamento na Amazônia, a Geografia pode delimitar os aspectos relacionados ao solo e à vegetação, a História pode informar acerca dos povos originários e das comunidades que se sustentam economicamente com o extrativismo, a Matemática pode elencar estatisticamente os dados dos desmatamentos e os esforços de preservação, o Direito pode destacar a defesa dos direitos envolvidos e a criminalização daqueles que desrespeitam.

Temos praticado, no contexto do grupo “Espiritismo COM Kardec”, na rede social Facebook [1] e em nosso portal na web, o COM Kardec [2], estas três vertentes. Em especial, nas nossas lives ordinárias, que acontecem quinzenalmente, e no Fórum do Livre Pensar Espírita (LiPE), que irá para a quinta edição no próximo mês de dezembro [3], é possível acompanhar o diálogo do pensamento espírita com outras correntes filosóficas, científicas e religiosas, permitindo que os variados saberes se articulem e que o indivíduo, Espírito encarnado adquira outros conhecimentos e progrida.

Voltando à ideia inicial, de compulsar matérias jornalísticas que tenham correlação com o Espiritismo, temos a revista “Veja”, número 1992, de 24 de janeiro de 2007 [4], com uma entrevista com um dos mais notáveis cientistas do século XXI, Francis Collins, o biólogo que desvendou o genoma humano (compreendendo a estrutura genética dos seres humanos, a partir do mapeamento do DNA, em 2001), à jornalista Gabriela Carelli.

Collins é o representante de um segmento científico que, a partir de pesquisas, experimentos, ensaios, deduções lógicas e teses, chega à conclusão da existência de “questões filosóficas que transcendem a ciência, [e] que fazem parte da existência humana”, conforme afirmou na entrevista. Em seu livro “A linguagem de Deus”, ele demonstra a sua metamorfose íntima, de um “ateu insolente” para um adepto das ideias do Cristianismo. E isto, no meio científico, é algo raro e surpreendente. Não em termos das convicções íntimas, que todos podem ter, mas em expressar isso perante a comunidade científica. A obra foi lançada em solo americano em 2006 e recebeu tradução para o português, pela Editora Gente, em 2007.

A obra converge para um conceito bastante comum em algumas ciências e filosofias, o da transcendência, permitindo a investigação acerca da existência de uma ordem cósmica, representada por uma força inteligente no Universo, que se rege por leis físicas e metafísicas – o que converge, em termos de multidisciplinaridade, com os apontamentos contidos nas obras de Allan Kardec, especialmente em “O livro dos Espíritos” e em “A Gênese”.

Collins é visto como um cientista pragmático e consciente, que concilia, multidisciplinarmente, as distintas teorias de Darwin (que demonstram o evolucionismo das espécies) e os princípios filosóficos de doutrinas que vislumbram uma Força Única – cujas denominações podem variar, mas que, em muitas doutrinas apontam para uma Divindade – que por meio de Leis Imutáveis permite a dinâmica evolucionista darwiniana e, em paralelo, o progresso espiritual.

Ele, inclusive, na citada entrevista, pontua que aqueles “cientistas que se dizem ateus têm uma visão empobrecida” acerca dos questionamentos humanos mais comuns, como: “O que acontece depois da morte?” ou “Qual é o motivo de eu estar aqui?”. Nas investigações multidisciplinares é permitido aos seres humanos “o direito de acreditar que a vida não é um simples episódio da natureza, explicado cientificamente e sem um sentido maior”, como ele assevera.

Neste sentido, outro notável cientista do século XX, Albert Einstein teria afirmado: “A Ciência sem a Religião é capenga. A Religião sem a Ciência é cega”. Novamente a multidisciplinaridade inspiradora…

O cientista ainda avança para uma importante relação entre Ciência e Ética – que é a baliza que norteia os experimentos nos países democráticos da atualidade – no sentido não só de validar as pesquisas e direcioná-las, como, também, em relação a situações do cotidiano das pessoas, sobretudo no que concerne à Saúde. Em suas palavras, “interromper as pesquisas ou impedir que uma pessoa com uma doença terrível tenha uma vida melhor só porque a religião não aceita determinado tratamento, são atitudes antiéticas”.

 

Voltando às ideias espíritas, Kardec, em “A Gênese”, reforça o caráter do esforço individual e coletivo de pesquisadores e cientistas, que é resultado do atributo vontade (livre-arbítrio) no envolvimento de atividades que irão resultar da melhoria da vida planetária para indivíduos e coletividades e, em muitos casos, de toda a Humanidade. O Professor francês destaca que as descobertas científicas concorrem para o engrandecimento das Leis Universais, porque, semanticamente, dentro da ideia de crença em Deus, os resultados acadêmicos “glorificam a grandeza de Deus, porque concorrem para, ao constatarem a plenitude e a perfeição do Universo, assim como a magnitude das Leis Universais”. Estas leis, inclusive, foram detalhadas a partir dos depoimentos das Inteligências Invisíveis, por meio da mediunidade, conforme a perspectiva de entendimento dos homens do Século XIX, mas permanecem atuais porquanto superam os falsos conceitos que os próprios indivíduos hão feito de Deus, calcados em acanhadas ideias humanas, grande parte delas ligadas aos sincretismo e às dogmáticas religiosas.

Afinal, voltando à necessária multidisciplinaridade, o Espiritismo precisa dialogar com as Ciências e com os demais ramos do conhecimento humano, sob pena de se tornar obsoleto, ultrapassado, ou limitado a figurar como uma “boa proposta” para a Humanidade, mas que não se converteu em práticas transformadoras das consciências humanas, no sentido de melhor entendimento interpessoal. Kardec, brilhantemente, consagra o princípio progressista e de progressividade das ideias espíritas: “O Espiritismo avançando com a Ciência jamais será ultrapassado”.

 

Neste itinerário de continuar consultando as Inteligências Invisíveis sobre os temas da atualidade, ao mesmo tempo em que acompanhe as iniciativas e dialogue com as Ciências, o Espiritismo permanecerá atual. Do contrário, figurará como uma doutrina ultrapassada, repleta de dogmas religiosos e de verdades definitivas.

Nós estamos do “lado” daqueles que continuam a consultar os Espíritos, comparando as respostas obtidas, desenvolvendo pesquisas e teses no intercâmbio entre encarnados e desencarnados, e no diálogo multidisciplinar com filosofias e ciências, permanentemente. E você, prefere estar do “lado” do que “acham” que o Espiritismo está “acima” de tudo e de todos?

Notas do Autor:
[1] O grupo é praticamente uma sala de estudos permanente, podendo ser acessada 24 (vinte e quatro horas por dia), propiciando a troca de ideias e o conhecimento de artigos e documentos sobre o Espiritismo (https://www.facebook.com/groups/Espiritismo.COM.Kardec).
[2] Visite-nos e acesse textos, documentos, livros e outros materiais (https://www.comkardec.net.br).
[3] Nosso canal no YouTube registra todas as Lives realizadas pelo ECK, além de outras palestras, conferências e sessões de debates (https://www.youtube.com/@EspiritismoComKardec).
[4] A entrevista pode ser lida no endereço do Professor Helio Evangelista, da Universidade Federal fluminense (http://www.feth.ggf.br/Prova.htm).

Imagem free de pizar almaulidina por Pixabay

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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