Distúrbios psicológicos e mediunidade

Por Izildinha Ramos Accetta |

No episódio da transfiguração (Mateus, 17, 1-13), Jesus, acompanhado dos apóstolos Pedro, Tiago e João, conversa com os Espíritos dos profetas Moisés e Elias, demonstrando a existência do Espírito, da vida espiritual, a possibilidade de comunicação entre os dois mundos.

A comunicabilidade dos espíritos com os encarnados não é um fato recente, mas antiqüíssimo, com a única diferença que no passado era atributo dos chamados iniciados e na atualidade, com o advento do Espiritismo, tornou-se fenômeno generalizado a todas as camadas sociais.

O número de adeptos à Doutrina Espírita tem crescido espantosamente. Allan Kardec já previa que o espiritismo se alastraria por todo o nosso planeta. É um processo natural, mas não podemos deixar de notar que telenovelas, filmes e até mesmo algumas propagandas têm tratado de questões pertinentes à comunicação com Espíritos desencarnados, reencarnação, fenômenos mediúnicos, etc., fazendo, às vezes, alusão explícita à mensagem da Doutrina dos Espíritos. E isso tem despertado a atenção de muitos, que, sensibilizados pelo tema, vão bater às portas dos Centros Espíritas em busca de respostas às suas indagações, à procura de remédio para suas crises e consolo para suas dores. Muitos vem solicitar esclarecimentos a respeito de problemas em sua vida, a respeito do passado, do futuro, da razão das contradições conjunturais que estejam enfrentando. E nós Espíritas não podemos enganar nem ser levianos, não devemos dar resoluções imediatistas e simplórias, montadas de improviso para atender esse povo vitimado pela comunicação de massa.

Devemos, com certeza, facilitar o acesso à mensagem dos Espíritos e isso não significa simplificar a ponto de comprometer o seu conteúdo. O Espiritismo é uma doutrina que requer muita leitura, estudo, reflexão, requisitos insubstituíveis e inevitáveis à sua compreensão.

Dai a nossa tarefa como colaboradores. Num serviço voluntário, nós que estamos há mais tempo no espiritismo, temos de prestar auxílio aos recém-chegados, muitas vezes estabelecendo um verdadeiro processo de alfabetização.

Por sermos um espírito encarnado somos dotados de dois tipos de sentidos: os físicos e os espirituais. Pelos sentidos físicos (visão, olfato, audição etc.) nos comunicamos com nossos semelhantes no planeta, – é a vida de relação. Através dos sentidos espirituais, extrapolamos o nosso universo matemático e nos projetamos em outra dimensão espaço-temporal mais sutil e contatamos os seres incorpóreos que povoam o campo da energia livre do espírito.

Sabidamente, a complexidade humana de uma maneira em geral, está convenientemente aparelhada a captar e registrar as irradiações psíquicas dos desencarnados tanto que, a esta predisposição psico-biofísica, mais bem caracterizada em uns do que em outros, nós espíritas a denominamos mediunidade.

Todavia, nós brasileiros, ainda temos uma realidade social muito voltada para a cultura oral do “ouvi dizer”, e, de um modo geral, a mediunidade é praticada de forma empírica, ou seja, por experiência e não por princípios racionais e científicos, ou seja, com metodologia.

Há um clichê disseminado por aí que perversamente associa mediunidade com um quadro patológico. São inúmeras as pessoas que vão aos centros espíritas devido a um “problema de mediunidade”. Porque o vizinho, um parente, alguém na rua, lhes disseram que aquela dor-de-cabeça, aquela insônia, aquela irritabilidade constante, seriam provenientes da influência de um Espírito desencarnado. Este Espírito, desequilibrado, se aproximaria, se encostaria (daí a vulgarização do termo encosto) nas pessoas, provocando-lhes inúmeras mazelas.

 

É impressionante como existem centros – que se dizem – espíritas fazendo uso dessa maneira leviana de interpretar o fenômeno mediúnico.

Sabemos, pela Questão 459 de O Livro dos Espíritos, que todos somos passíveis de receber a influência dos Espíritos, ainda que sob a forma sutil de intuição. Cometeríamos um grave equívoco se concluirmos daí que todos somos mais ou menos médiuns no sentido restrito e usual da palavra, ou seja, se julgarmos que todos podemos produzir manifestações ostensivas, tais como a psicofonia, a psicografia, os efeitos físicos etc.

A mediunidade é a faculdade especial que certas pessoas possuem para servir de intermediárias entre os Espíritos e os homens. Ela tem origem orgânica, portanto nossas células estão preparadas para essa atividade e independe:

– da condição moral do médium;

– de suas crenças;

– de seu desenvolvimento intelectual.

O cidadão aparece no centro espírita pela primeira vez; ninguém o conhece, ninguém sabe da sua história de vida, ninguém sabe do seu cotidiano, dos seus hábitos; ninguém sabe se ele tem, ou não, família, muito menos se essa família seria equilibrada e feliz; ninguém sabe a profissão dele, se ela é vocacionada ou apenas suportada por uma questão de sobrevivência ou de comodismo; ninguém sabe se o cidadão se alimenta corretamente, se dorme bem, se pratica, ou não, algum tipo de esportes. Todavia, mesmo não se sabendo coisa alguma a respeito de tal pessoa, há dirigentes de casas espíritas que se atrevem a afirmar, “categoricamente” que o problema da pessoa é “de mediunidade”, e que ele precisa “desenvolvê-la”.

Isso quando não diagnosticam, desde logo, um quadro de “obsessão”, encaminhando o referido cidadão para trabalhos de desobsessão, fazendo com que se manifeste o espírito que o está incomodando, a fim de ser doutrinado.

Ora, a Doutrina dos Espíritos dá conta da existência, sim, dessa influência dos espíritos desencarnados sobre os encarnados. Mas não desse jeito! “Diagnosticar” todo e qualquer problema – seja de ordem física, moral e financeira – como um “problema de mediunidade”, assim, de primeira vista, sem um estudo de caso, é mostrar um desconhecimento absoluto da Doutrina Espírita. Dessa forma, muitos centros espíritas têm insistido nessa leviandade. Acomodam-se numa visão absolutamente passiva do fenômeno mediúnico, como se nós, os encarnados, fôssemos vítimas perpétuas e indefesas de desencarnados desavisados e inferiores.

Se fizermos uma simples interpretação gramatical do Livro dos Espíritos já comprovaremos que nós, os seres humanos encarnados, não somos sujeitos passivos no processo da influência mediúnica.

Explicando a Allan Kardec o porquê de haver espíritos capazes de incitar os encarnados ao mal, os Espíritos disseram: “Nossa missão é a de te por no bom caminho, e quando más influências agem sobre ti, és tu que as chamas, pelo desejo do mal, porque os Espíritos inferiores vêm em teu auxílio no mal, quando tens a vontade de o cometer; eles não podem ajudar-te no mal, senão quando tu desejas o mal”. (LE ).

E à indagação sobre se era possível afastar a influência desses Espíritos inferiores, eles responderam: “Sim, porque eles só se ligam aos que os solicitam por seus desejos ou os atraem por seus pensamentos”. (LE).

Por mais superficial que seja a leitura desse texto, compreendemos que é a vontade do encarnado que estabelece seus vínculos espirituais. Portanto, no processo da influenciação mediúnica o ser humano é totalmente ativo, totalmente agente. Se assim não fosse, qual seria o significado do livre-arbítrio?
A maioria desses “problemas de mediunidade” são problemas de caráter pessoal, são problemas de falta de educação. Daí ser preferível falar em mediunidade deseducada, ao invés de problema de mediunidade.

Mediunidade não é, nunca foi e jamais será o problema. A mediunidade em si é uma faculdade neutra, que não tem qualquer conexão com os desajustes físicos, mentais e espirituais da criatura. Estes surgem por motivos específicos, e requerem o tratamento médico, psicológico ou espírita adequado a cada caso.

A faculdade mediúnica não indica uma anormalidade nas pessoas. A confusão que alguns médicos fazem entre mediunidade e enfermidade mental é proveniente das situações em que as enfermidades mentais são provocadas por Espíritos, ou seja, onde estão presentes as obsessões. Desde os tempos mais remotos, sabe-se que as “forças sobrenaturais” tinham o estranho poder de causar doenças psíquicas e físicas em alguns indivíduos. O Espiritismo veio explicar racionalmente como isso acontece.

 

As obsessões se manifestam pelo canal mediúnico que todos possuem, mas não é a mediunidade que causa a enfermidade ou loucura. É um Espírito obsessor que dela se utiliza para instalar na mente de sua vítima a enfermidade mental. Atribuir à mediunidade a responsabilidade por esses distúrbios seria o mesmo que culpar a porta de uma casa pela entrada do ladrão. A porta foi somente o meio ou a via de acesso utilizada para a realização do furto.

De nada adianta, então, submeter uma pessoa a sessões de desobsessão, se essa pessoa não for sensibilizada a modificar seus comportamentos, se ela não se auto-educar, se ela não se autoconhecer.

É importante saber que o caráter espontâneo da faculdade mediúnica, destacado no parágrafo 208 de O Livro dos Médiuns, mostra que “se os rudimentos da faculdade [mediúnica] não existem, nada fará que apareçam […]”, portanto, afirmar que para resolver os problemas basta “desenvolver a mediunidade” é não conhecer os mecanismos da mediunidade.

A influência negativa e passageira, a qual todos nós estamos sujeitos, é diferente da obsessão propriamente dita e é primordial que saibamos essa diferença. A obsessão é um assédio persistente de um ou vários Espíritos, com intenções de prejudicar a vítima por alguma razão. Ela é resultado de uma simbiose espiritual, podendo converter-se em verdadeira parasitose mental. É uma situação que sofre oscilações, indo e vindo, com períodos de maior ou menor intensidade e gravidade.

Mas, alguém só cai sob o domínio dos Espíritos inferiores quando possui fraquezas morais, que se constituem, fundamentalmente, nas portas pelas quais os Espíritos perturbadores têm acesso ao obsedado para levá-lo ao desequilíbrio. Uma vez corrigidas as imperfeições morais mais grosseiras, o processo de obsessão tende a desaparecer.

Nos casos obsessivos graves, incorre-se em alto risco quando se põe o paciente no exercício da mediunidade. A relação mediúnica com o obsessor aumenta seu campo de ação psíquica, alargando canais e facilitando o agravamento da obsessão e das fixações mentais impostas pela entidade maléfica.

A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens patológicas e reclama por tratamento simultâneo ou consecutivo, quer magnético, quer médico, para restabelecer a saúde do organismo. Destruída a causa, resta combater os efeitos.
A solução, pois, não reside no exercício da faculdade mediúnica e sim na moralização do obsedado e do Espírito obsessor. Tudo pode ser feito pelo caminho racional, instruindo aqueles que estão enfermos, ofertando-lhes a Doutrina Espírita, mas sem a pretensão de transformá-los em médiuns ou até mesmo em espíritas. As pessoas que têm mediunato possuem uma natural aptidão para a vivência espírita, sendo desnecessário forçar ou apressar a mediunidade. Quando ela é para o bem, espera com tranqüilidade.

Sueli Caldas Schubert, em seu livro “Mediunidade, um caminho para ser feliz”, sugere para os variados casos de influência espiritual:

a) manter-se em prece e ter a certeza que recebe a ajuda de amigos espirituais;

b) mentalizar que, sendo dono de seu corpo, exercerá o comando sobre este;

c) orar em favor dos espíritos, pois nestes casos não são guias e nem amigos e, via de regra, não têm boas intenções.

As tais “alucinações” associadas aos “distúrbios comportamentais”, recebem o diagnóstico de “espiritopatias” enquadradas nos limites da mediunidade em fase de eclosão, a justificar as ocorrências de incorporações descontroladas e, sobretudo, as manifestações puramente psíquicas de vidência e audiência mediúnicas.

A aquisição de tais conhecimentos certamente modificaria o panorama da atual Psiquiatria. Daí o importante trabalho que vem sendo desenvolvido pelas associações médico-espíritas que se multiplicam no Brasil. A preocupação tem sido a divulgação da proposta espiritista no meio acadêmico, de forma a despertar a atenção dos profissionais da saúde, para os acontecimentos de ordem mediúnica e obsessiva, tão freqüentes em meio à população.

 

Podemos concluir dizendo que devemos ver no fenômeno mediúnico a mais alta expressão psicológica do psiquismo e, como tal, somente exercitada após estudo, conhecimento e boa orientação. Conhecida, compreendida e disciplinada, a mediunidade é um importante fator de aperfeiçoamento da leitura do mundo às pessoas. Pode ser tida como instrumento hábil de serviço que permite o crescimento interior que será refletido em exemplos salutares de elevação de princípios, tanto quanto de conduta assinalada pelo amor, pela solidariedade humana, pela dedicação aos postulados do Bem.

Comprovando essa afirmação, um estudo realizado pelo psiquiatra Alexander Moreira de Almeida com médiuns espíritas da cidade de São Paulo mostrou que “Os médiuns não apresentaram a existência de nenhuma doença mental”, e “Além disso, eles também apresentaram uma boa adequação social e demonstraram ter uma saúde mental melhor que a da população em geral”. Alexander ressalva que os resultados da pesquisa se referem especificamente a médiuns em atividades regulares em centros espíritas. “Para eles trabalharem nos centros são necessários dois anos de cursos, além da participação semanal nas reuniões mediúnicas”.

Assim deve ser em todas as Casas Espíritas e nós, da Sociedade Espírita Nova Era, confirmamos nossa convicção nessa forma de receber os que chegam à casa solicitando ajuda para a compreensão do processo mediúnico.

Referências

CHIBENI, Silvio Seno; CHIBENI, Clarice Seno. Estudo sobre a mediunidade. Disponível em: < http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geeu/estudo-mediunidade.html  >. Acesso em: 02 jul. 2005.

DIAS, Valéria. Médiuns têm perfil diferente daquele apresentado na literatura científica. Agência USP de notícias, São Psulo, 11 maio 2005. Disponível em: < http://www.usp.br/agen/repgs/2005/pags/090.htm  >. Acesso em 06 jul. 2005.

GRUPO ESPÍRITA BEZERRA DE MENEZES. Os perigos da mediunidade. Disponível em: < http://www.novavoz.org.br/mediun-03.htm  >. Acesso em 03 jul 2005.

KARDEC, Allan. O livro dos médiuns. Sao Paulo : LUMEN, [19–].

SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS ESPÍRITAS. O problema da mediunidade. Disponível em: < http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diversos/mediunidade/o-problema.html  >. Acesso em 02 jul.2005.

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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