Espiritismo e ciência, uma reflexão necessária

Jorge Hessen

Embora o Espiritismo trate de assuntos que escapam ao domínio das ciências clássicas, que se circunscrevem aos fenômenos físicos, reconhecemos que o "Espiritismo e a ciência completam-se reciprocamente". (1) Lamentamos, porém, que, atualmente, grande parte dos pesquisadores seja céptica e materialista.

O objeto fundamental do Espiritismo não se pode comparar ao das ciências tradicionais, salvo nas interfaces ou nos pontos comuns. A Ciência, emancipada da fé, estabeleceu seus métodos de investigação, como meio de se aproximar da verdade, baseando-se em provas, princípios, argumentações e demonstrações que garantam a sua legítima validade. Com relação aos fatos espíritas, igualmente naturais, a Ciência demonstra uma relutante ortodoxia, que nada a dignifica. Porém, há algo de positivo nessa resistência: é que o rigor científico eliminou muita crendice e o sobrenatural (o milagre). Muita imprecisão, reinante na interpretação dos fenômenos da natureza, reduziu, consideravelmente, as indevidas intromissões religiosas nas questões de alçada específica da Ciência. É verdade que "o Espiritismo toca domínios até agora reservados às religiões. Mas em metodologia, o Espiritismo difere radicalmente das religiões tradicionais, porque rejeita a fé dogmática, a crença cega, as práticas rituais, o culto exterior ou esotérico". (2) Na Doutrina Espírita não há ninguém investido de poderes sensacionais nem de prerrogativas divinas, da mesma forma que não há uma organização filosoficamente verticalizada com títulos pomposos na sua estrutura de funcionamento.

Por outro lado, tentar forçar o ajuste da Doutrina Espírita às normas ou procedimentos de outras Ciências, certamente é descaracterizá-la do seu contexto original, uma vez que cada ramo do conhecimento científico tem sua atividade, disciplina e estudo específicos. Portanto, tal procedimento é desconexo em relação ao objeto da Doutrina Espírita. "A ciência investiga, a religião crê. Se não é justo que a ciência imponha diretrizes à religião, incompatíveis com as suas necessidades de sentimento, não é razoável que a religião obrigue a ciência à adoção de normas inconciliáveis com as suas exigências do raciocínio." (3)

Em 1962, Thomas Kuhn, introduziu o conceito de paradigma (4). Atualmente, paira um clima de inexatidão racional, compatível com o livre-exame e incompatível com todo princípio que se pretenda absoluto. O físico Fritjof Capra (*) é totalmente aberto à metafísica e crê ser capaz de fornecer a matéria-prima para a elaboração de hipóteses experimentais. Em 1975, declarou em seu livro "O Tao da Física", que "o método científico de abstração é muito eficaz e possante, mas não devemos lhe pagar o preço, pois existem outras aproximações possíveis da realidade". (5)

Querer misturar conceitos de outras ciências com princípios espíritas é temerário, não é científico. Consoante noção de paradigma, cada um deles deve ser entendido dentro de seu contexto de pesquisa (ambientação e hábitos mentais acadêmicos), não se acoplando enxertias e/ou fusões ainda que muito bem intencionadas. Com o advento do Princípio da Incerteza de Heisenberg, os raciocínios clássicos, baseados na exatidão, pouco a pouco cederam terreno aos raciocínios probabilísticos. Esta época marca, então, uma guinada de cento e oitenta graus na história das Ciências. Cremos que nenhuma lei teórica pode sair de um conjunto de fatos de maneira lógica e infalível. Sobre isso, Arthur Koestler assinala que "os inconcebíveis fenômenos da percepção extrasensorial parecem de certo modo menos absurdos, comparados aos inconcebíveis fenômenos da física". (6) O Espiritismo tem linguagem a respeito do mundo espiritual, criada e desenvolvida para transmitir conceitos sobre esse mundo. As ciências materiais utilizam termos distintos que tratam de outro cenário, embora o "palco" apresente áreas comuns ou contíguas que, no momento, não dispomos de terminologia adequada para descrever. Isto não eqüivale a afirmar que o Espiritismo não seja uma Ciência.

O Espiritismo é Ciência sim! Personagens notáveis reafirmaram o caráter científico da Doutrina Espírita, expressando, de modo claro, seu pensamento: "O Espiritismo deixa de parte as teorias nebulosas, desprende-se dos dogmas e das superstições e vai apoiar-se nas base inabalável da observação científica".(7) Nada tememos em afirmar o seguinte: quem declara que os fenômenos Espíritas não são objetos da Ciência, não sabe o que fala. Pois que "O objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual, (…) uma das forças da natureza, que reage incessante e reciprocamente sobre o princípio material." (8)

Apesar do ponto de vista da comunidade científica, o Espiritismo ainda não está incluído no acervo do conhecimento humano como Ciência, porém "o Espiritismo é uma Ciência cujo fim é a demonstração experimental da existência da alma e sua imortalidade, por meio de comunicações com aqueles aos quais impropriamente se têm chamado mortos" (9) O Espiritismo, sendo uma Ciência, distingue-se das disciplinas científicas já estabelecidas e estudadas nas academias pelo objeto de seus estudos: o espírito.

O magistral gênio de Lyon afirma que "a Doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações."(10). A rigor, Espiritismo e Ciência se completam, reciprocamente. A Ciência, sem o Espiritismo, acha-se na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria. Ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação. "Seria preciso alguma coisa para preencher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse; esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o mundo espiritual e suas relações com o mundo corporal (…) Essas relações, uma vez constatadas pela experiência, uma luz nova se fez: a fé se dirigiu à razão e a razão não tendo encontrado nada de ilógico na fé, o materialismo foi vencido". (11)

Culminamos nossos breves comentários com os registros de testemunhos de exponenciais nomes da Ciência, lembrando que foi William Crookes, notável físico inglês, que iniciou a era transcendente da Ciência Espírita com as suas célebres experiências realizadas de 1870 a 1874, com os médiuns Douglas Home, Kate Fox e Florence Cook, empregando método rigorosamente científico. Crookes, disse: "Estando certo da realidade dos fenômenos espíritas, seria uma covardia moral lhes recusar meu testemunho." (12) Após seis anos de experiência sobre o Espiritismo, Crookes reafirmou os fatos: "Não digo que isto é possível; digo: isto é real!". (13)

Atentemos para a opinião do senhor Oliver Lodge, físico inglês, "estou agora convencido, após 20 anos de estudos, não somente que a continuação da existência pessoal é um fato, mas que uma comunicação pode, ocasionalmente, mas com dificuldade e em condições especiais, nos alcançar através do espaço. Esse assunto não é daqueles que permitem uma conclusão fácil; as provas podem ser adquiridas por aqueles que consagram a isso tempo e um sério estudo."(14)

Ouçamos as palavras de César Lombroso, criminalista italiano da Universidade de Turin, "Sou forçado a formular minha convicção de que os fenômenos espíritas são de uma importância enorme e que é dever da ciência dirigir sua atenção, sem prazo, sobre essas manifestações (…) estou confuso por ter combatido a possibilidade dos fenômenos espíritas." (15)

O renomado naturalista Russel Wallace, presidente da Sociedade Inglesa de Antropologia, disse certa vez: "Eu era um materialista tão completo e tão convencido que não podia abrigar em meu espírito nenhum lugar para uma existência espiritual. Mas os fatos são coisas teimosas e eles me venceram. Os fenômenos espíritas são tão provados quanto os fatos de todas as outras ciências." (16)

Destacamos o testemunho de Camille Flammarion, célebre astrônomo francês: "Não hesito em dizer que aquele que declara os fenômenos espíritas contrários à ciência, não sabe do que fala. De fato, na natureza não há nada de oculto, de sobrenatural, há o desconhecido; mas o desconhecido de ontem se torna a verdade de amanhã". (17) No terceiro volume de sua grande obra, "A Morte e o Seu Mistério", ele conclui nesses termos: "A alma sobrevive ao organismo físico e pode se manifestar após a morte". (18)

O Codificador lembra que "O Espiritismo, caminhando com o progresso, não será jamais ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto, ele se modificará sobre esse ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará." (19) Kardec sempre priorizou o método experimental como reveladora da verdade. Porém, o movimento espírita sofre quando idéias prematuras, ingênuas, pseudo-científicas são divulgadas dentro do espírito do "ôba-ôba" como verdades e que, ainda, são ditas comprovar o Espiritismo. Por fortíssimas razões, vamos tomar mais cuidado com relação aos tópicos ligados, não só à Física, mas à Ciência como um todo. Cremos que o Espiritismo não tem a necessidade absoluta da ciência, porém a colaboração científica é sempre útil quando precede da consciência esclarecida e da sinceridade do cientista. (*)

Em "O Tao da Física", de Fritjof Capra, o autor faz um paralelo entre o misticismo oriental e a Física Moderna. Divide-se em três partes principais ("O caminho da física", "O Caminho do Misticismo Oriental" e os "Paralelos"). Em "O Caminho da Física", é traçado uma evolução cronológica da Física, mostrando como o mundo era visto de maneira estática e finita, desde o pensamento aristotélico, até Newton, e passa a ser compreendido, a partir do Século XX, como em constante movimento e em expansão. É analisado o quanto a teoria da relatividade e a teoria quântica foram importantes para esta mudança de paradigmas. Em "O Caminho do Misticismo Oriental", são mostradas algumas correntes do misticismo: Hinduísmo, Budismo, O Pensamento Chinês, O Taoísmo e o Zen, mostrando de maneira geral e didática, sem cair no simplismo, as principais características de cada uma dessas correntes, como: a noção de que o mundo está em permanente mudança; a idéia de que existe uma unidade geral no universo de maneira tal, que todas as coisas estão interligadas, etc. No capítulo Os Paralelos, são mostradas as semelhanças entre essas características do misticismo, citadas acima, com as novas descobertas da física. Que cada vez mais concordam em vários pontos. Por exemplo, a física atual já concorda com o pensamento oriental quanto a permanente mutabilidade do universo.

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FONTES:
1 Kardec, Allan. A Gênese, RJ: Ed. FEB, 2003, Cap. 1, parágrafo 16,
2 Ruyer ,Raymond. A Gnose de Princeton, São Paulo: 1 ª edição , Editora Cultrix ,1989
3 Xavier, F. Cândido, Segue-me, ditada pelo Espírito Emmanuel, SP: 7.ed. Matão, Editora O CLARIM, 1994
4 Os paradigmas são descobertas científicas universalmente reconhecidas que, por um tempo, fornecem a uma comunidade de pesquisadores problemas típicos e soluções
5 Cf. Kempf Charles, artigo O Espiritismo é uma Ciência? traduzido por : Paulo A. Ferreira, revisado por : Lúcia F. Ferreira, disponível acesso em 07-04-08
6 Koestler , Arthur. As Razões da Coincidência, RJ: editora Nova Fronteira,1972
7 Delanne, Gabriel. O Espiritismo Perante a Ciência, RJ: Ed. FEB, 1990.
8 Kardec, Allan. A Gênese, RJ: Ed. FEB, 2003, Cap. "os milagres e as predições segundo o Espiritismo", item 16
9 Delanne, Gabriel. O Fenômeno Espírita, RJ: Ed. FEB, 1999,
10 Kardec, Allan. A Gênese, RJ: Ed. FEB, 2003, Cap. 1, página 19, número 13
11 Kardec, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, RJ: Ed. FEB, 1984, p. 37
12 Fonte: ABC do Espiritismo, de Victor Ribas Carneiro e Personagens do Espiritismo, de Antônio de Souza Lucena e Paulo Alves Godoy, disponível 13 idem 14 Disponívelacesso em 22-03-08
15 Disponívelacesso em 30-03-08
16 A História não Contada da Seleção Natural, publicado pela revista Universo Espírita, número 7, março 2004, página 28 e transcrito por Julia Adalgisa
17 Flammarion, Camille. A Morte e o seu Mistério, RJ: Editora FEB, 2004, vol. 3 Edição 6
18 idem
19 Kardec, Allan. A Gênese, RJ: Ed. FEB, 2003, cap. 1, item 55

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