Espiritismo: nem sobrenatural, nem misticismo

Em seu tempo, ele fez uso do pensamento racional, próprio da ciência, para elaborar a doutrina espírita a partir do ensinamento dos espíritos.

PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO

Não há o sobrenatural nem misticismo no espiritismo proposto por Allan Kardec. Em seu tempo, ele fez uso do pensamento racional, próprio da ciência, para elaborar a doutrina espírita a partir do ensinamento dos espíritos. Mas como encontrar conceitos fundamentais em meio a comunicações muitas vezes contraditórias, exaltadas e algumas vezes fazendo uso de simbologias e analogias, como os são as manifestações dos espíritos pelos médiuns?

A resposta está na “fé racional”, conceito que muita gente pensa ter sido criado por Allan Kardec, mas que tem sua história na filosofia, sendo proposta na obra de Emmanuel Kant.

Para Kant, sem o uso da razão, os conceitos da metafísica tomam o caminho da superstição e do desvario. Segundo o filósofo alemão, a fé racional é necessária para definir os objetos independentes da observação empírica. A sua mais útil aplicação está na moral: Deus, a vida futura, a liberdade.

No espiritismo, de acordo com o método criado por Kardec, a fé racional e seus conceitos fundamentais são a medida que permite avaliar as hipóteses apresentadas pelos espíritos para explicar as consequências morais de sua doutrina, considerando-as válidas e possíveis ou rejeitando-as pelo critério do exame racional. Por exemplo, os atributos de Deus devem ser respeitados em todos os campos do conhecimento, seja da ciência, filosofia ou religião. Qualquer opinião que contrarie os atributos divinos é falsa e deve ser descartada.

Nos ensinamentos dos espíritos nos quais haja definições de moral, para serem aceitos, devem ser respeitados os princípios fundamentais da liberdade, autonomia e respeito pela lei.

Ele pode ter uma concepção de felicidade diferente de uma felicidade sensível e imediata. O que é desejável pode estender-se, antes, ao que tem a felicidade como uma consequência de se agir de acordo com a razão pura, ou seja, de se agir segundo a lei dada pela razão. O respeito pela lei da razão produz naquele que age de acordo com ela o sentimento de respeito por si mesmo. Nesse sistema do qual fazem parte a liberdade, a autonomia e o respeito pela lei, a felicidade é algo que pode ser alcançada por meio do encadeamento desses elementos. Poderíamos pensar o seguinte: para um ser racional, a felicidade, como outras vivências do espírito, tem de fazer sentido e teria de ser merecida. Daí a máxima kantiana “faz o que pode tornar-te digno de ser feliz”.

 

Como os fatos descritos pelos espíritos não estão ao alcance de nossa observação, não há observação empírica necessária para que eles sejam, para nós, conhecimento. No entanto, para a elaboração da doutrina espírita, a ciência espírita dispõe de alguns métodos:

* Universalização do ensino dos espíritos superiores (explicada por Kardec);

* Coerência dos ensinos morais com os postulados da fé raciocinada (acima descrita);

* Comparação racional das hipóteses da ciência dos espíritos com as teorias e hipóteses da ciência e cultura humanas (universalização da compreensão dos homens) – considerando sempre seu caráter progressivo. Uma teoria antes rejeitada pode vir a ser aceita, ou vice-versa. Por isso, esse diálogo entre as duas ciências é provisório, mutável e progressivo. O que não estiver ao alcance do entendimento do homem deve ficar em suspenso, como simples opinião.

As hipóteses apresentadas pelos espíritos podem ser separadas em conceitos doutrinários, hipóteses ou opiniões em pesquisa e hipóteses ou opiniões falsas.

Dialogar com os espíritos é abrir as portas de um mundo amplo, complexo e diverso em seus discursos. Há espíritos sábios, mas muitos ignorantes. Há espíritos esclarecedores e didáticos, mas existem os enganadores, mal intencionados, dissimulados, falsos profetas. Ocorre também do espírito ter boa intenção, interesse em ajudar e esclarecer, no entanto, seu conhecimento pode ser limitado e equivocado por falta de entendimento. E boa vontade não basta.

A ciência espírita requer que qualquer comunicação, não importa o nome que a assina e nem mesmo o médium que a tenha recebido – tudo, absolutamente tudo, deve ser questionado, confrontado com o conhecimento humano, comparado com a teoria fundamental presentes nas obras de Kardec, e, se não houver concordância, deve ser deixado de lado.

Allan Kardec jamais deixou de alertar para essa cautela, por toda a extensão de sua obra.

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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+ Paulo Henrique de Figueiredo