Evangelização ou imposição? Uma reflexão
Marcelo Henrique Pereira
Assunto assaz polêmico. Vivemos, teórica e jurídico-constitucionalmente, sob a égide do ESTADO LAICO.
Conquista dos ideais libertários da Revolução Francesa, marco histórico de superação do estado de indigência social vigente na Idade Média, o qual inspirou a democratização (em muitos casos já consolidada ou, no caso brasileiro, ainda em processo de consolidação).
A separação Estado-Igreja fez muito bem ao Mundo, permitindo não só a convivência entre sistemas e estruturas religiosas, como a perspectiva da independência daqueles que não praticam cultos ou se filiam a igrejas ou templos.
Em nosso país, avanços tem ocorrido (muitos, é claro, ainda tímidos) para a completa separação da(s) igreja(s) e o Estado – personalizado nos Poderes, três, harmônicos e independentes entre si: Executivo, Legislativo e Judiciário, componentes de um sistema de aferição e de controles recíprocos.
Sou egresso de uma geração em que a religião fazia parte dos currículos escolares (Ensino Básico e Fundamental). Estudei "religião" ou "ensino religioso", da primeira a quarta e da quinta a oitava.séries. Mesmo declaradamente espírita, não optei por ficar "isento" da disciplina (matéria), já que, na década de 1980, já havia esta "opção" em colégios maiores, na capital de Santa Catarina.
Para mim, particularmente, não ocorreu qualquer violência. Frequentei a Igreja Católica até meus onze anos de idade e depois passei a me considerar espírita, participando das atividades espiritistas.
Mas entendo que, de norte a sul do nosso país, haja (do ponto de vista familiar), em muitos lares, a "imposição" ou o "direcionamento" de crianças e adolescentes para "cultos". Aí, a questão me parece muito mais "interna corporis", com a discussão do poder familiar (pais, mães, avós, responsáveis) sobre os menores, razão pela qual não irei tecer maiores considerações.
O que me preocupa – muito – é a imposição "social" (ainda que, em "ares de terceiro milênio", as escolas tidas como religiosas – e são numerosas e "eficientes" do ponto de vista pedagógico – não imponham o culto, mas o recomendem). É comum a prece (católica ou protestante ou evangélica) antes das atividades e, com a adoção no calendário oficial do Estado, de datas "religiosas", a vinculação me parece bastante forte e evidente.
No meio espírita, cunhou-se, a partir de 1979, uma "campanha" que era temporária e virou permanente, de Evangelização Espírita Infanto-Juvenil, a qual, na minha avaliação, verificando que, ainda hoje, a mesma possui alcance e adaptações, uma "violência" em relação ao direito de livre expressão e de construção humano-social. Crianças acabam indo para as "aulinhas de evangelização", porque não podem (ou querem, ou não "ficam quietas") perturbar a reunião de palestras. Poucos são os lares em que os pais (ou responsáveis) procuram falar das coisas espirituais, explicar sobre o Espiritismo, deixando para o "centro" tal função. O ideal é que a instrução espírita viesse de casa, não pelo temor, pela força, pela imposição, mas pelo CONVENCIMENTO. Sabemos o quanto isto é difícil, entretanto.
Herculano Pires, tido como o "pai" da Pedagogia Espírita, jamais defendeu a "evangelização". Mesmo de origem (e comportamento, muitas vezes) religiosa, Herculano jamais impôs a "crença espírita" a quem quer que fosse. Preconizava, como o Mestre Rivail, que o despertar do ser para as questões espirituais fosse de forma natural, pela curiosidade, pelo desejo de saber, e pela necessidade de compreender, tanto fenômenos como acontecimentos da existência de cada ser.
Não foi, entretanto, o caminho escolhido pela Federativa brasileira e pela imensa quantidade de instituições espíritas (filiadas ou não) que adotam o "padrão" religioso, evangélico-cristão em suas atividades.
Os espíritas praticam o "culto", fazem as suas atividades de "catecismo" e, dizem, se deve fazer a criança, desde tenra idade, conhecer as questões espíritas e logo se decidir pela "adesão" às atividades. Inclusive é comum ver dirigentes e palestrantes exortando a "necessidade" das crianças, adolescentes e jovens SEREM espíritas, seguindo o caminho dos pais, para "não se perderem" e para terem a "orientação moral" necessária para "espíritos em transição".
Tenho dois filhos. Uma está na maioridade e frequentou – porque quis – a educação espírita infantil em duas casas espíritas, a minha originária e a que fundamos, depois, dissidente da primeira. Mantém, ela, a formação espírita (até porque sempre tratamos das questões espíritas-espirituais com bastante naturalidade em nossa casa), mas não sei se ela, habitualmente, frequenta uma instituição, embora se declare espírita. O outro, com sete anos, pergunta muito e tanto eu quanto minha esposa procuramos explicar as questões do ponto de vista espiritista, sem rodeios. Assim se deu, recentemente, quando minha mãe (avó materna) desencarnou… Mas não frequenta centro, nem participa de nenhuma atividade específica "para sua idade". Entendemos que ele deva amadurecer e escolher qual caminho irá seguir. Por opção, não por imposição.
Gostaríamos que todos os espíritas fossem assim. Que tivessem a oportunidade de deixar seus filhos – até mesmo pela convivência, pelo exemplo – escolherem quaisquer dos caminhos disponíveis. Se forem espíritas – preferencialmente "não-religiosos" melhor, porque a religião bloqueia, aprisiona, restringe, separa as pessoas…
A Filosofia Espírita nos descortina a possibilidade de sermos independentes (mesmo considerando a religiosidade ou espiritualidade inata que cada um possui), sem nos vincularmos a "sistemas" humanos, ainda bastante distantes das relações espirituais plenas. Pensemos nisso
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