Jesus e Myriam: A Lei do Amor preside a Vida

Marcelo Henrique

Durante séculos, as imagens e as estórias vão sendo forjadas e compostas, atendendo-se a muitos interesses. Aqui, friso, não há qualquer sentido pejorativo ou sancionador em minhas palavras, posto que as pessoas são movidas por interesses, buscas e afinidades no entendimento.

O fato é que, desde que Constantino, interessado na ampliação do poderio estatal de Roma na Idade Antiga, resolveu oficializar a doutrina cristã – desenvolvida a partir da "missão" que, dizem, Jesus de Nazaré haveria conferido a Simão Pedro ("tu és pedra e sobre ela edificarei o meu ministério", ainda que a tradução mais conhecida seja a de "igreja" – o adjetivado Cristianismo e a sua religião (Igreja Católica Apostólica Romana, ICAR) foi atravessando séculos e se consolidando na aceitação por parte dos fiéis sobre seus fundamentos, mandamentos, homilias e prescrições (de fazer e de não fazer).

Ao eleger, por exemplo, num universo de, pelo menos, noventa "evangelhos" disponíveis, escritos, quase todos, por pessoas que JAMAIS conviveram com aquele carpinteiro-pescador de homens, baseando-se no "ouvi dizer" e em depoimentos de pessoas que teriam, mais proximamente ou não, convivido nas cercanias dos lugares em que suas sandálias palmilharam, ou por "repórteres" que fizeram "entrevistas" com descendentes de pessoas que conviveram com Jesus, os chamados QUATRO EVANGELHOS (Mateus, Marcos, Lucas e João) acabaram consolidando muitas situações que NUNCA ocorreram ou, se materializadas, tiveram "cores" e nuances bem distintas daquelas que matizam os ditos livros que compõem, para os cristãos, o Novo Testamento.

Abro um parênteses para enquadrar o entendimento do professor francês Denizard Rivail (Allan Kardec, em conhecido pseudônimo) acerca deste conjunto teológico e literário, escrevendo, ele próprio, por "intuição" e sugestão dos Espíritos que o acompanharam em sua missão – ainda que ele não tivesse sido um médium OSTENSIVO e, muito mais, um pesquisador, cientista, observador e catalogador dos inúmeros materiais que lhe chegavam, dia após dia, às mãos, selecionando-os, comentando-os, fazendo introduções, comentários ou redigindo apontamentos explicativos -o seu "Evangelho" (segundo o Espiritismo), ainda que, na primeira edição, tivesse denominado a obra de "Imitação do Evangelho conforme o Espiritismo"). Logo no preâmbulo da obra, na totalidade das traduções conhecidas, encontra-se a seguinte inscrição-explicação: "Contendo: a explicação das máximas morais do Cristo, sua concordância com o Espiritismo e sua aplicação às diversas situações da vida".

Ou seja, Kardec selecionou – com o preclaro auxílio específico e pontual da Falange Verdade – os textos "evangélicos" (pinçados dos quatro livros "católicos" ou cristãos, já que as outras igrejas derivadas do Catolicismo também os adotam) que, segundo ele e eles entenderam, eram REAIS, VEROSSÍMEIS, CONCRETOS, tendo, de fato, ocorrido com Jesus e tendo o mesmo como verdadeiro protagonista. Ilustra essa circunstância a "tabela" que é apresentada por alguns editores, da correspondência entre as passagens com os capítulos e versículos "bíblicos" e, também, aí por ação própria de Kardec, da citação das passagens e da menção à fonte (livros dos evangelistas).

Devo salientar, ainda que en passant, o fato de que eu, particularmente, faço um elegante e humilde reparo à obra do professor francês (maiúscula no conjunto e verdadeiramente caracterizadora da altura de seu nível evolutivo e seu preparo-designação para tal mister) que é o fato de que, n’O Evangelho espírita, Rivail comete um EQUÍVOCO ao tratar, em seus comentários, Jesus como "Cristo", sugestionado, é claro, pelas excessivas e muitíssimas referências dos Espíritos que assinam textos no contexto da Codificação – muitos deles personalidades da própria Igreja Romana ou de suas derivações, ramificações ou dissidências, ou de pessoas a ela ligadas por lações morais, culturais ou profissionais – no mesmo sentido. Isto é, já que as comunicações recebidas falavam em "Cristo" ou "Jesus Cristo", Kardec enveredou, talvez por cautela histórico-cultural-religiosa, pelo mesmo caminho, preferindo a adjetivação comum entre os "cristãos". Engano ou erro, porque justamente no foco deste artigo, há uma diferença abissal entre o Homem de Nazaré e o Mito Religioso construído pela ICAR e reverenciado no Ocidente até hoje, em dois mil anos, quase, de distância.

Jesus não é o Cristo. O Cristo é o Ungido, o Cordeiro de Deus, o Messias, o Enviado, o Salvador, o Conselheiro, o Maravilhoso, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, para ficarmos nos "adjetivos" mais conhecidos, dentro do enquadramento contido, seja no Velho, seja no Novo Testamento. É o arquétipo, o ser místico, o Deus-homem, o agênere (sem corpo similar ao dos humanos) e, portanto, a idealização da perfeição do "Verbo que se fez carne". Do contrário, o Yeshua BarYosef (Jesus filho de José), que tinha o mesmo nome de seu "opositor" Barrabás (Yosef BarAba), este último escolhido pela "turba" no "sublime" julgamento conduzido por Pôncio, segundo, também, ilustra a "história" evangélica. Jesus, homem, com necessidades humanas – já escrevemos sobre isso, até, recentemente, em texto que circula na web – encarnação similar a nós, de um ser que já se encontrava bem adiantado em relação à normalidade e conjuntura dos humanos, seja daquele seja do nosso tempo – um ser SUPERIOR mas ainda não PURO, conforme se depreende da análise da "Escala Espírita", que qualifica todos os seres em evolução espiritual, contida nos itens 100 e seguintes do livro fundamental espiritista ("O livro dos espíritos").

"Quem é minha mãe e os meus irmãos, senão aqueles que fazem a vontade do Pai?"

É por isso que a imagem que escolhemos para ilustrar esses escritos é a de um Jesus-amante, "namorador", encantado e encantador, junto daquela que teria sido escolhida por ele para acompanhar-lhe mais de perto e participar ativamente de seu Apostolado Ético-Social, posto que figurou, inclusive, entre os "doze", a única representante do sexo feminino neste conjunto mais próximo do Rabi. Note-se, também, que o próprio Carpinteiro destacou a distinção entre os "escolhidos" e os da "parentela", quando ponderou: "Quem é minha mãe e os meus irmãos, senão aqueles que fazem a vontade do Pai?". Mesmo diante da importância da figura materna de Jesus, Myriam de Nazareth, pode-se dizer com segurança espiritual que outra Myriam, a de Migdal, consorciada maritalmente com Yeshua BarYosef, foi figura principal na vida (encarnada) de Jesus.

Por que, então, esconder isso? Por que falsear a história? Por que retirar a mulher da participação efetiva da vida comunitária, social, pública de um dos "guias da Humanidade", à feição do contido no item 625 da obra fundamental da Doutrina Espírita? Respondam, espíritas!!! Vocês que, a despeito de termos, nós, um OUTRO entendimento sobre a pessoa, os feitos e a natureza espiritual do Rabi, continuam idolatrando e cultuando um "bezerro de ouro", atribuindo a Jesus de Nazaré, características e conformações que o distanciam, desnecessária e perniciosamente, da condição HUMANA de todos nós, e dele, também. Se a ICAR permanece sendo uma instituição de notório viés MACHISTA e PRECONCEITUOSO – a par de sua própria estrutura clerical e ministerial – mantendo os seres de roupagem feminina um passo (ou mais) atrás dos masculinos, em sua hierarquia de poder e na própria visão de Sociedade, os espíritas (bastante influenciados culturalmente pela formação moral desta Igreja), ainda enxergam um Jesus "Perfeição", um Jesus "Salvador", um Jesus "Agênere", posto que para dar cabo de sua importante missão espiritual, não poderia experimentar as sensações comuns aos homens ainda "terra a terra", como todos nós.

Triste e ledo engano!

Jesus de Nazaré, homem, macho, cabeça de família, líder de um grupo revolucionário (que, considero eu, Francisco de Assis e Gandhi teriam sido signatários de sua proposta para a Humanidade, em termos de exemplificação prática e atuação social), teve experiências em sua encarnação na Palestina, comuns e valiosas, e sua relação com Myriam – gerando um fruto deste amor, conforme alguns escritores já mencionaram – é a prova inconteste do amor do Criador, ainda que não personificado, recorrendo à definição contida no primeiro capítulo d’O livro dos espíritos, pelo fato de ter concebido, Ele, um Universo perfeito, administrado pela aplicação das Leis Divinas e, portanto, a encarnação de seres mais adiantados proporcionaria a condução das coletividades a estágios mais avançados. Assim se deu com Jesus e tantos outros avatares que, ainda, encarnam entre nós, a despeito de considerarmos que, atualmente, a Humanidade "não vai nada bem".

Se nós amamos e nos consorciamos com pessoas que mantém afinidade conosco, por que não Jesus de Nazaré teria feito o mesmo? Em que isso teria "depreciado" sua missão, a não ser pelo raciocínio precário e tendencioso daqueles que, a despeito de se fazerem entendidos, obedecidos e cegamente seguidos, instituíram um CELIBATO obrigatório para o "Mestre dos Mestres".

Jesus e Myriam é muito mais do que o simbólico casal da humanidade terrena, Adão e Eva. Eles são, para nós, a representação de que a Lei do Amor preside a vida…

Pense nisso!

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Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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