Menestrel Cósmico

Por Manoel Fernandes Neto

Às vezes você vira terra arrasada, árida e sem vida; nem a pessoa que você mais ama pode compartilhar desse momento. Instante seu, algo fora de foco. Desconexo, sem vitalidade, apesar de todas as coisas boas que o cerca. Saudade sem objeto, vazio sem ar. Um tudo no nada. Uma dor indescritível, mas não determinada.

Outras vezes são as mazelas materiais. A falta de recursos, os insucessos em série. O livro que você não escreveu, a música que você não compôs. O sucesso que você não foi. A covardia não assumida. A luta da qual você correu. Sempre o recomeço dolorido: format c:.

Incontáveis são os processos emocionais. O perdão que você não cultivou. A reconciliação que não houve. Adversários antigos e outros nem tanto, tirando horas de sono. Amigos e irmãos hoje perdidos e inatingíveis.

Refletir é enfrentar seus medos e dificuldades. Dores do corpo, da mente e da alma acometem a todos: cristãos e ateus; judeus e materialistas. Muçulmanos e esotéricos; agnósticos e matemáticos. Conclusões filosóficas são testamentos necessários, “bens não perecíveis”, utilizando termo das escrituras sagradas. Caminhos para serem compreendidos em um futuro. Ou no agora.

Esquecer, mas aprender

A imortalidade do espírito é um caleidoscópio. Quem diz o contrário é por ingenuidade ou atavismo. Para quem nunca parou pra pensar, ou evitou, é algo como uma montanha russa desgovernada. Você deve manter a respiração firme, sem medo de altos e baixos. E sempre preparado para surpresas. Idas e vindas perturbadoras, a depender de como é encarada.

Um filme clássico, Highlander, de 1986, trazia um personagem que mais sofria do que se esbaldava com sua imortalidade material. A amada que envelhecia, os inimigos que se multiplicavam, a tristeza de não morrer.

Em certa dose, o espírito imortal obedece aos mesmos processos. Vamos acumulando vivências, experiências, mas principalmente momentos mal resolvidos. A nossa (in)capacidade de lidar com as emoções, algumas em putrefação, determina a nossa paz interior.

Uma das grandes dúvidas para quem estuda ou se interessa pelo assunto reencarnação é a questão do esquecimento do passado. “Se esquecemos o passado a cada reencarnação, como podemos apreender algo?”, questiona-se. Na verdade o termo esquecimento é mal compreendido. Esquecer não significa não ter vivido ou assimilado.

Um exemplo, grosso modo: todos os momentos que vivemos desde o nascimento não ficam se repetindo em nossa cabeça, pelo menos não deveriam. Aprendemos a andar, ou levamos broncas de nossos pais a cada travessura, mas assimilamos a essência da lição para prosseguir. Se não fosse assim, ficaríamos a sofrer ao lembrar cada tombo e magoados ainda hoje com coisas que vivemos aos nove anos de idade.

Escafandro

De fato pode ser esta a essência da vida simples: esquecer. Caminhar como se você nascesse todo santo dia ao tocar do despertador no smartphone ou tablet. Uma “tábula rasa” diária para novos erros ou acertos espetaculares. Viver a cada equívoco dentro da racionalidade possível da situação. Sentimentos e indignações arrebatadores também não fazem mal. “Dor, eu não te escuto mais, você não me leva a nada”, diz a poesia do Jota Quest.

Penso que uma vida preciosa é encararmos sem medo a poeira colocada debaixo do tapete. Em algum momento isto vai ser necessário, você acreditando ou não na imortalidade do espírito. Você só não pode viver obrigado, como se carregasse um fardo, como se o seu escafandro da matéria não o tirasse do fundo, mesmo sem força de chegar às vezes na superfície.

Elomar, poeta de sabedoria e raízes profundas, fala disso em um trecho da canção O Violeiro:

Si eu tivé di vivê obrigado
um dia i antes dêsse dia eu morro
Deus feiz os homi e os bicho tudo fôrro
já vi iscrito no livro sagrado
qui a vida nessa terra é uma passage
Cada um leva um fardo pesado
é um insinamento qui desde a mudernage
eu trago bem dentro do coração guardado

Tatuado em nossa alma, está guardado tudo o que vivemos. Desta vida e, para quem dá uma chance à lógica, de outras. Erros e acertos. Tudo ali para ser acessado. Cada “algo” em seu escaninho. Os erros, para ajustes. Os acertos, para nos fazer avançar. O nosso pensamento (e consciência), bem como a forma de enxergar a realidade, é o que vai nos guiar para o “céu” de boas vibrações, ou o “precipício” de uma derrota aparente. Aparente porque mesmo as grandes quedas serão redimidas pelo Amor que temos por nós mesmos (Deus?). Nada, nada mesmo, nos roubará o nosso papel de menestréis cósmicos, sem medo da cantoria apesar das mazelas. Ou como diz Elomar:

Apois pro cantadô i violero
Só há treis coisa nesse mundo vão
Amô, furria, viola, nunca dinhero
Viola, furria, amo, dinhero não!

As cantorias deste texto:

Jota Quest, por Milton:

 

O Violeiro, Elomar, por Fagner:

 

 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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