Naomi

[Conto] Numa surpreendente viagem fora do corpo a personagem compreende a verdadeira finalidade da vida.

Por Heloísa Pires

Naomi estava profundamente infeliz. Nove meses sem emprego e perdera quase tudo o que conseguira após anos de intenso trabalho. Não podia mais viajar, nem ir a restaurantes que considerava bons ou pagar a mensalidade do novo apartamento que comprara. Deixara de lado todas as mordomias e com elas o noivo interesseiro fora embora. Lembrou que a sua professora de ioga dizia sempre que o universo responde, devolvendo o que enviamos. Sempre fora boa, embora egoísta, sabia. Poderia haver bondade sem amor ao próximo? Acreditava que sim; preferia crer … O que deixara de fazer? Tomou um calmante feito de ervas e foi dormir.

Viu-se fora do corpo, consciente, enxergando um cordão prateado que a retinha ao corpo físico. Lembrou que lera o livro Dançando na Luz, de Shirley MacLaine, e, assustada, admitiu que a grande atriz não mentira: estava solta, porém presa à matéria condensada.

Começou a se deslocar e verificou que o cordão era flexível e não a impedia de ir aonde desejasse. Mais do que viu, sentiu uma presença agradável ao seu lado, percebendo que era alguém que a protegia. Palavras atingiram seu cérebro como se viessem de dentro e ao mesmo tempo de fora da sua cabeça. Percebeu que a convidavam para uma grande viagem na qual encontraria respostas às suas perguntas. Pediu ajuda ao cósmico para aproveitar e compreender o que viria.

OS SENTIDOS DO ESPÍRITO

Amparada por um vulto vestido de luz sentiu-se “voando” com a velocidade do pensamento. Percebeu que passava por canteiro de luzes, cenário belíssimo que tornavam pobre uma visita que fizera ao planetário. A figura ao seu lado era uma centelha muito brilhante. Pararam de repente em uma plataforma invisível na qual estavam outras pessoas que apresentavam o cordão prateado dos encarnados. Uma voz agradável os avisava que iriam receber uma explicação sobre a finalidade da vida na Terra.

Desejou fazer perguntas e no mesmo minuto “ouviu” que devia esperar até encerrarem a conversa porque encontraria resposta às suas indagações.

A explanação começou e tudo o que era dito ia aparecendo ao redor de todos como se estivessem mergulhados em um cenário tridimensional. Viu o planeta Terra muito pequeno, um pontinho minúsculo mergulhado num mar de planetas. Ouviu que era uma escola importante para espíritos em desenvolvimento, um pequeno planeta que ficava situado no quintal de uma galáxia, iluminado por uma estrela de quinta grandeza, o sol.

O instrutor mostrou estrelas se formando e outras morrendo. Explicava que o sol também deixaria de existir, em dia ainda muito distante … E que, por enquanto, nosso pequeno mundo era um berçário que permitiria aos que nele vivessem o desenvolvimento em experiências agradáveis e desagradáveis. Lições apenas!

 

Pensou em como seriam belos os mundos mais desenvolvidos … Compreendeu que sua visão sobre as experiências vivenciadas na Terra era a de alguém que enxergava uma “verdade” deformada por preconceitos e ignorância. Pela primeira vez em muitos meses, Naomi sorriu e sentiu-se uma criança tola, esperneando porque perdera os seus brinquedos prediletos. Ah! Como seria diferente a sua vida se já na infância tivesse aprendido a transcender os problemas que agora julgava tolos da escola terrena. Voltou a prestar atenção no “filme”.

JESUS E SEU EXEMPLO

Novamente o panorama mudou e surgiram “buracos negros” como que transformadores de energia. O instrutor perguntou como os indivíduos da Terra podiam ficar fechados em seus quintaizinhos quando a vida esplendia em cores e formas fabulosas. Comparou os que choravam por bagatelas a bebês que nada entendiam. Todos foram convidados a refletir sobre os motivos de seu desgosto ou desespero. E começarem a fazer Perguntas.

Naomi indagou onde se encontraria, quando despertasse, essas lições. Foi informada que os ensinamentos estavam em toda a parte; que ela aprendera tantas vezes a Verdade, mas que fechada no egoísmo e no orgulho, não compreendera.

No filme apareceram indivíduos falando e exemplificando os ensinamentos libertadores, desde os primitivos até os sábios. Encantou-a a apresentação de Jesus, O Nazareno, um irmão mais velho – disseram – não um mágico, tão pouco um alienado. Um espírito especial que veio apenas exemplificar o que todos podemos fazer na medida em que crescemos moralmente, dilatando o corpo energético, o perispírito, através da emissão de pensamentos melhores, desenvolvendo a capacidade de amar, agradecer e servir …

 

Apareceu um livro dourado. Na capa estava escrito A Gênese, de Allan Kardec. O livro abriu no capítulo “Jesus, milagres e profecias”. Enquanto liam, as figuras eram projetadas fazendo-os compreender que Jesus viera demonstrar como somos especiais, competentes, aptos a nos modificarmos e transformarmos o nosso planeta em um mundo de Paz, Justiça e Amor.

A figura do irmão mais velho impressionava pela força da emissão de uma energia especial que envolvia todos em luzes. A apresentação da cura da mulher hemorrágica, do cego e outras emocionaram a todos e despertaram muitos para a compreensão da sua paranormalidade, de habilidades que possuímos e ainda não compreendemos.

MODIFICANDO NOSSAS PROVAS

O Mistério do Ser Ante a Dor e a Morte, de Herculano Pires: a dor como forma de evolução,

Outro livro apareceu, O Mistério do Ser Ante a Dor e a Morte, de Herculano Pires. A explicação de como criamos a terrível ideia de que somos peixes aprisionados num aquário, “chicoteados pelos capatazes de Deus”; de que a dor é a única forma de evolução, assustou Naomi.

Herculano dizia que criamos dores terríveis e que esperamos o chicote dos capatazes caírem sobre os nossos lombos provocando sofrimento. Ao lado desse trecho aparecia um outro capítulo de A Gênese, “O mal e o bem”, que inspirara Herculano a escrever seu livro que convidava para uma melhor compreensão sobre a força do pensamento. A leitura explicava que a maioria dos males é criação do homem. Naomi refletia: “Se criamos, podemos modificar. . .”

 

Subitamente, escrita em azul brilhante, uma pergunta apareceu: “Podemos modificar nossas provas?” Em dourado, a resposta: “Só o desleixado permanece no mesmo ponto”. Ouviu-se um “oh!” geral, como se todos se surpreenderam com o pensamento. Uma voz explicou que a pergunta e a resposta haviam sido retiradas do O Livro dos Espíritos, também de Kardec.

Um senhor simpático apareceu na tela. Sua figura irradiava força, amor e paz. Ele falou sobre a “Parábola do festim de núpcias”, dizendo que o convite fora sempre para o comparecimento a um grande banquete, a um evento de alegria. Nunca um convite à dor. Os indivíduos da Terra é que haviam entendido mal, mutilando a arte de viver.

Um silêncio de reflexão continuou após o encerramento das explicações. Muitos choravam e outros permaneciam estáticos, começando a compreender que podemos, e devemos, extinguir nossos sofrimentos através do trabalho e do amor.

A VERDADEIRA RELIGIÃO

Naomi sentiu uma alegria e uma paz nunca antes alcançada. Compreendeu que estava mergulhada nas luzes do Universo, que ela mesma era luz, e que podia mudar a sua vida para melhor. Sorriu e quando quis transmitir sua compreensão ao seu vizinho, sentiu-se transportada até o seu corpo físico. Olhou a sua vestimenta de carne e entendeu que devia utilizá-Ia como fonte de crescimento espiritual e não de aprisionamento a costumes milenares de escravidão dos prazeres efêmeros e das paixões desenfreadas. Começava a compreender Jesus: “Podeis fazer o que eu faço e muito mais”! Sim, muito, muito mais …

Uma nova vida se inicia, mais feliz, mais lúcida, com muita alegria …

 

Para os menos avisados, a jovem seria uma religiosa alienada. Mas ela compreendera que a verdadeira religião é uma das faces do conhecimento, um lado do triângulo divino: Ciência, Filosofia, Religião – esta expressando o “religare”, a transcendência que impede ao ser da Terra permanecer como um galináceo tolo fechado no seu pequeno quintal. Todos os lados do triângulo em sua compreensão maior provocam a transcendência pois formam um conjunto cujo resultado é o processo do conhecimento …•

• HELOISA PIRES é matemática, física, professora, escritora, contista e educadora, palestrante sobre espiritismo.

Publicado originalmente na revista Universo Espírita, no 28, edição impressa.

 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.

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