Nossa História
Marcelo Henrique
Era fim de tarde
Pela praça eu passava
E um burburinho ainda ecoava
Um misto de entusiasmo e estuperfação
Curiosa que eu era
Logo quis saber o motivo da algaravia
O corre-corre, os festejos por aquele
Que antes jazia numa maca, e ora não continha a emoção
Muitas outras coisas, ele também houvera feito
Soube, eu, depois
Por onde transitava, um séquito o acompanhava
E, vez por outra, falava ao povo sem se cansar
Me informei, logo cedo
Onde aquele homem estaria
Também eu precisava dessedentar meu espírito
O meu lamento ele também havia de escutar
Fui-me achegando, discretamente
Um lenço cobria-me a fronte e parte do meu rosto
Não desejava eu ser descoberta, reconhecida
Escutar sua palavra, quem sabe tocar suas vestes
A preleção foi linda…
Falou aquele homem sobre uma ovelha perdida
Que o pastor houvera recuperado
Tirando-lhe o medo do abandono naquelas terras agrestes
Ele continuou a falar, com sua verve mansa
Vez por outra, contava uma anedota, e todos sorriam
Falar das Coisas do Pai, dizia ele
Não era motivo para ficar deprimido ou tristonho
E as crianças, então?
De súbito vieram a ter, com ele
Sentar em seu colo, receber os afagos
Tudo aquilo me parecia um doce sonho…
Havia muita gente, de muitas partes
Mulheres, anciãos, homens rudes
Alguns de vestes sedosas, outros maltrapilhos
Toda aquela gente se igualava
Sentados pelo chão, ou sobre pedras
Alguns abraçados, outros recostados
Como a simbolizar imensa família
Enquanto, lá no fundo, o céu azulava
Vez por outra, ele entoava algum canto
Que logo alcançava várias vozes
Os seus mais próximos, bem as conheciam
E a música calava fundo em minh’alma
Pequenas lágrimas, deixei rolar
Eram muitas as recordações, da minha infância, da família
Mas não era dor
Do contrário, me trazia muita calma
Não sei ao certo quanto tempo, ali permaneci
Quieta, bebendo cada uma daquelas palavras
Ricos cenários daquelas histórias
De um mundo mais justo, mais fraterno, de felicidades
Meu olhar fitava suas mãos
Que volta e meia faziam gestos de acolhimento
Dedos longos e firmes, decididos
Apontando a cura para diversas enfermidades
As da alma, mais pungentes
Que careciam do desejo íntimo de melhora
E aos atendidos, ele dizia:
– Não peques mais, para que não te suceda a piora!
De repente, ao erguer meu olhar
Vi que o silêncio tomava conta
E ele me olhava, terno, com comiseração
Sim! Havia chegado, eu sei, a minha hora!
Quis me levantar, talvez fugir
Mas não havia forças, nem vontade!
Fiquei ali, ensimesmada, a meditar
Até que senti calor, como se uma mão me tocasse
Myriam, ele me disse com sua voz doce e marcante
E eu estremeci… Ele me conhecia!
Mas como? Não era possível!
Nem havia, por ali, com aquele meu disfarce, quem me reconhecesse…
Ele sorriu e seu olhar penetrou-me fundo
Meu espírito totalmente desnudado
Mas não tive medo, eu sei,
E retribuí, também sorrindo, timidamente
Ele abriu os braços na minha direção
E eu me levantei para aquele abraço
Uma energia indescritível tomou conta de mim
Fazendo-me desfalecer literalmente
Quando dei por mim
Ele me olhava ternamente
E eu sabia que nunca mais esqueceria aquele olhar
E eu pensei: – Como era possível eu o amar?
Os demônios que havia em mim
Foram, pouco a pouco, se retirando,
Se esvaindo… Era eu quem os expulsava
Sabendo que a provação havia terminado
Era tarde e eu precisava ir
Assim como ele que iria pousar na casa de algum amigo
E na despedida, ele disse: – Vem, segue-me!
O meu futuro, assim, eu vi predestinado
Os dias seguintes pareceram intermináveis
Eu tinha meus medos, meus fantasmas
Um a um a desfilar pela minha mente
Todos, eu precisava exorcizar!
O que poderia querer uma mulher
Num universo tão masculino
A rudeza dos discípulos contrastava
Com o brilho daquele olhar…
Até que numa tarde, sob a testemunha
Do Lago de Genesaré
Aos seus pés eu ajoelhei
E a ele eu me entreguei!
Surpreso, ele me estendeu as mãos
Me soerguendo
E num abraço, longo
Eu me aconcheguei…
Meu olhar encontrou o dele
E assim ficamos por algum tempo,
Sem palavras…
Como um reencontro de almas viajoras…
Naquele dia mesmo
Larguei tudo, o meu passado, os bens, os amigos
Rumando com ele e os seus
Para andanças tão promissoras
Cada dia novo, uma descoberta
Parábolas, milagres, curas, lições
Suas gargalhadas ecoavam em meu íntimo
Como era bom partilhar aquela felicidade!
Foram meses, quase dois anos
E a amizade virou amor
E nós, um ao outro, nos entregamos
Espíritos em sublime unicidade!
Uma semente, então, ele deixou em mim
E quando ele se foi, ela foi o meu alento
A lembrança dele naquele pequenino ser
A força que eu tanto precisava…
Todos os dias, assim,
Eu tinha a certeza da imortalidade
Nos olhos infantes
Da criança que me fitava!
Todos os momentos
Guardei-os com desvelo em meu coração
Lições para a Eternidade!
Mas um deles foi o mais marcante
Para a cova eu me dirigi, logo cedo
Para depositar-lhe flores novas
Lindas, multicoloridas, perfumadas
E para conversar com ele, novamente…
Mas a pedra tinha sido removida
E lá dentro, só restavam alguns panos
– Que fizeram do meu Senhor?
Perguntei-me aflita, desconcertada
Chorei, copiosamente
E saí de lá na esperança de receber algum informe
Para onde levaram o seu corpo
Estava eu totalmente desorientada
Vendo o jardineiro, perguntei:
– Para onde o levaram?
E quando ergui os olhos para fitá-lo
Era ele o jardineiro!
Ressuscitado, como rezava a lenda
Materializado, novamente…
Abracei-o e senti-lhe plenamente
Da morte, ele não era mais prisioneiro…
Os momentos que se seguiram
Foram de afetuoso reencontro
E minh’alma se encheu de luz
E a imortalidade, uma certeza!
A mim coube o anúncio esperado
Para o nosso grupo:
– Onde está, ó morte, o teu aguilhão?
Ele vivo fez desaparecer toda a tristeza…
Os quarenta dias em que ele ali ficou, entre nós
Foram de indizível aprendizado
Cada um de nós, depois, pôde saber
O que nos era destinado…
O mundo então passou a conhecer
Todo o seu apostolado
E as histórias foram ganhando novas terras
O seu Evangelho sendo pregado!
Minha história, então,
Confunde-se com a dele
Desde aquele dia
Em que o ouvi, pela vez primeira
Eu nele, e ele em mim
Sintonia perfeita
Amor em transcendência
Ramos de uma mesma videira
E quando chegou a minha vez
De esta vida deixar
Não me preocupei, pois
Sabia o que me aguardava
Lá estavam os mesmos olhos que um dia me fitaram
O mesmo abraço que, ternamente, me envolveu
E a sua doce voz a me dizer: Myriam!
Emoção era o que transbordava!
Seguimos juntos, eternidade afora
Nos amparando, um ao outro sustentando
Ainda muito há para construir
E resgatar as ovelhas perdidas…
E, de noite, quando fito o Céu
Vejo cintilar as estrelas
Prontos ele e eu para ir
Rumo a outras vidas…
Para sempre!
+ Marcelo na Nova Era
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