Notas sobre as leis morais

O Espiritismo só será maior quando nós avançarmos com seus saberes sem que a todo momento tenhamos que lembrar que é o Espiritismo.

Manoel Fernandes Neto

Pensar por si mesmo, baseado em estudo, mas também em reflexões permanentes. Estar no mundo, consciente das responsabilidades. Na medida do possível, saber distinguir o certo e o errado, admitir erros, avançar e recuar com vontade e destemor. Essas poderiam ser uma boa leitura das Leis Morais, de “O livro dos Espíritos” (OLE).

Confesso que o meu lado rebelde mantém um diálogo constante com minha racionalidade; custou-me aceitar que deveríamos ter alguma lei moral para todas as situações. Com o tempo e a convivência dentro do Espiritismo, reparei que a liberdade de pensamento é a verdadeira conquista do ser.

Pensar e saber que podemos usufruir de tudo, mantendo nossas responsabilidades. Não! Não vou citar Paulo de Tarso, mas vou lembrar do maior mandamento: respeito ao próximo.

Gosto de ateus e de agnósticos; estes procuram ter uma visão aprimorada de moral e ética sem amarras e imposições. Estudar Espiritismo é, sim, muito bom, mas de uma forma aberta, sem igrejismos, messianismos e que tais. Ler e estudar, também, obras laicas de todas as escolas é algo que me engrandece. Confesso até que falar demasiadamente da doutrina de Kardec me aprisiona um pouco; pode ser pelos meus atavismos, por uma negação de imposições ou algo que ainda não compreendi.

Vasectomia

Nunca achei que devo adorar algo. Deus, ou uma divindade, é algo interior, muito íntimo; algo que não se diz o nome, algo para manter em um local protegido. “Deus, eu estou aqui”, sussurrando, vale mais do que qualquer tipo de ode apologética. Se Deus “percebe” isso ou não, é algo que pertence a cada um. Meu entendimento é diferente do seu e, como tal, deve ser respeitado. Mas adorar Deus não é algo externo; é a plena compreensão de que não somos nada e que seremos um nadinha a mais, a cada dia.

Trabalhar nunca foi uma obsessão. “Trabalho porque sou obrigado” é uma máxima que aprecio. Quero usar o trabalho mesmo na acepção mais filosófica e criativa do termo, sem muito blá, blá, blá: fazer algo a si mesmo. Ler, amar, caminhar com os amigos, pescar – se eu gostasse de pescar. Escalar uma montanha, se eu gostasse de adrenalina. Quero mesmo é ficar parado, lendo ou pensando, ouvindo música, saboreando a vida em seus brevíssimos segundos. Sem nada a fazer, somente viver.

Li recentemente algumas notícias no jornal: a dificuldade que as pessoas têm em aceitar que uma mulher ou um casal não deseje ter filhos (1). Se há pessoas que querem um número grande ou poucos, por que não respeitar quem não quer? Gerar conhecimento também é uma forma de multiplicação de si mesmo, independente dos laços materno ou paterno.

Outra notícia: depois da mudança da lei do aborto nos Estados Unidos, os homens estão utilizando mais os métodos contraceptivos, como vasectomia ou pílulas masculinas (2). Se você acha que em todos esses casos seria menos amado por Deus, “volte para a primeira casa”.

Planetinha azul

Conservar é divino, sim. Destruir sempre estará no cardápio da humanidade. Faça sua reciclagem, vista branco pela paz, mas pode ser que seja tarde demais para a salvação – literal nesse caso – do planeta. E não terá oração que evite o cataclisma!

Consumir menos, querer menos, ser menos ambicioso poderiam ter sido atitudes que nos redimissem. Talvez agora seja tarde e isso serve também para guerras convencionais ou nucleares. Perguntam os desinformados: qual será o entendimento da Vida de quem aperta o botão vermelho na hora H? Será que o Espírito encarnado para a “missão” naquele instante final leu o OLE? Por isso gosto de refletir que (quase) tudo é entendimento íntimo e nem tudo se aplica a todos ou a tudo; complicado? Sim, sim, já sei que o mundo espiritual sobrevive ao apocalipse, mas eu gosto em demasia desse planetinha azul, pode ser?

Viver em sociedade pode também ser harmonioso: tocar Raul Seixas e dar um viva para a sociedade alternativa. Porque na sociedade normal sempre terá um supermercado cheio, uma rodovia interrompida, um almoço em família, uma fila indesejada e alguém que pensa diferente de você.

O novo se impõe

Sei que é natural, mas é desconfortável ouvir quem não vai mudar de ideia ou não vai fazer você mudar de ideia; na maioria das vezes, claro. Ou mesmo quem pensa igual a você, mas fica insistindo o tempo inteiro como “isso é legal”. Como se cada um não mudasse a todo segundo (ou reencarnação): “um dia rico, um dia pobre, um dia no poder, um dia chanceler, um dia sem comer.” (3)

Progredir, sim, é inevitável; é bem difícil duvidar em relação a isso. Mesmo aquele que insiste em absurdos ou acredita na fake salvadora vai reparar, em algum momento, que tem algo de errado em suas crenças e valores.

Gosto do progresso, de modelos diversos de pessoas, de famílias, de fé e de filosofias adotadas; nada deve ser fixo, o desequilíbrio é o que permite avançarmos e darmos um passo a mais. Ficar insistindo em um modelo único e inabalável de tudo é não compreender o vento que move areias de um local para outro, a chuva que leva o que encontra pelo caminho, o rio que sempre transborda. Novo e velho convivem, às vezes; mas o novo sempre se impõe.

Igualdade e liberdade são irmãs. Não respeitar o outro é não cultivar para si mesmo a liberdade de pensar e agir. Gosto da definição de Ubuntu (que também é um OS Linux, free): “Eu sou porque nós somos”. Somos todos humanos porque caminhamos juntos, estamos inexoravelmente interligados. É uma ideia válida mesmo sabendo que poucos a colocarão em prática, a usando somente em momentos “bacaninhas”, para engajamento em redes sociais.

Aprender, viver e doar, nada além disso; só assim teremos justiça, amor e caridade na sua plenitude; algo bem distante, sem previsão. Regeneração? Não foi em 2019, não será em 2030, nem em 2100. Então, se liberte das amarras das imposições, crie seu próprio caminho. Esqueça qualquer tipo de “reforma íntima” imposta por “confrades”, ela quer colocar você em um molde. O Espiritismo só será maior quando nós avançarmos com os seus saberes sem que a todo momento tenhamos que lembrar que é o Espiritismo.

Fiquemos atentos a nós mesmos!

Essa aparência de um mero vagabundo
É mera coincidência
Deve-se ao fato de eu ter vindo
Ao seu mundo com a incumbência
De andar a Terra, saber por que o amor
Saber por que a guerra
Olhar a cara da pessoa comum e da pessoa rara (3)

Notas:

(1) “Não quero ter filhos: as pessoas que estão abandonando a mais antiga tradição da humanidade”. GZH. Disponível em <https://gauchazh.clicrbs.com.br> . Acesso em 10. Nov. 2022.

(2) “Os homens nos EUA que estão fazendo vasectomia após mudança sobre direito ao aborto”. UOL. VivaBem. Disponível em <https://www.uol.com.br>. Acesso em 10. Nov. 2022.

(3) Trecho da letra da canção do “Extra II – O Rock da segurança”, de Gilberto Gil.

Imagem de Angela Yuriko Smith por Pixabay

Publicado originalmente na revista Harmonia, edição de Novembro:

EDITORIAL: Precisamos de um Código Moral Espiritual?! por Marcelo Henrique e Claudia Jerônimo

 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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