O filme Amadeus e a Espiritualidade de Mozart

Marcelo Henrique


Milos Forman dirigiu a película cinematográfica “Amadeus”, com base no relato livre e precioso de Peter Shaffer, acerca da vida do gênio da música erudita, o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart, recebendo oito prêmios Oscar (entre eles, o de melhor filme). Como toda história que é contada e recontada, o enredo ganha o ar de pessoalidade de quem a escreve, dirige e produz, no caso da cinematografia. “Amadeus” (1984) é, assim, uma releitura contemporânea não só de parte da vida musical deste virtuose, como encarta passagens de sua vida pessoal, seus amores, seus vícios, suas inimizades e suas conquistas amorosas.

Mais de trinta anos são passados da última vez em que revi o filme. Mas penso ser oportuno utilizar o mesmo – e as lembranças das cenas que trago em minha memória – para tratar de algumas situações que mantêm correlação com a Filosofia Espírita.

Sabemos, pela didática espírita, que a personalidade é algo que não decorre da atual contextura encarnatória, ou seja, não está associada (apenas) à presente existência e os elementos que a caracterizam. Como seres imortais, a partir da Criação Divina, vamos aos poucos e a partir de cada vivência material – somadas às situações de permanência na Erraticidade, nos intervalos entre as encarnações – adquirindo os elementos que nos identificam enquanto individualidades.

Assim sendo, no caso de Mozart, sua genialidade artística (musical), numa época áurea para a música clássica, advém não só de sua formação técnica, nos conservatórios daquele século, como de prováveis incursões anteriores no “mundo” da música, sobretudo no mais nobre dos instrumentos, o piano. Dizemos “prováveis” porque a ninguém é facultado conhecer sobre o passado próprio ou de outrem, em encarnações pregressas, salvo pelas chamadas “revelações” da mediunidade, em que se listam lugares, nomes, datas, cenários, atividades, entre outros. E isto é, claramente, uma exceção no contexto espiritista. Veja-se que ao Professor Rivail, o criador do Espiritismo enquanto doutrina, foi-lhe revelada as circunstâncias de uma vida anterior, entre os druidas, e o nome utilizado naquele período, Allan Kardec, que passou a ser, assim, por escolha daquele, o pseudônimo para assinar suas trinta e duas obras espíritas.

Wolfgang, por isso, deva ter recebido iniciação musical bem antes da existência em que figurou como um dos mais (ou, talvez, a maior assinatura) da Música Clássica, granjeando conhecimento e prática que lhe foram extremamente úteis e proveitosas adiante (1756-1791). Sua habilidade musical já era prodigiosa na infância, com destacada competência nos instrumentos de teclado (cravo, piano, pianola) e de corda (violino), iniciando a compor com, pasmem, cinco anos de idade (um Andante e um Allegro para teclado), o que levou a ser destaque entre a realeza europeia. Por ter um pai músico experiente e violinista afamado, pôde receber o apoio familiar para sua educação e carreira e, fundamentalmente, em face da rigorosa disciplina imposta a Mozart pelo genitor. Na adolescência já era músico contratado pela corte de Salzburgo. Em Viena, permaneceu em sua fase mais produtiva, fazendo surgir as sinfonias, concertos e óperas que o tornaram imortal para a arte, totalizando mais de 600 obras, a maioria sinfônicas, concertantes, operísticas, camerísticas, pianístias e de canto coral. Louvado por todos os críticos de sua época, permaneceu influenciando compositores dos séculos XIX e XX. Acredita-se que Mozart tenha recebido influência direta de G. F. Häendel, que ainda era popular e de J. S. Bach, de quem se tornou amigo com larga e longa proximidade.

Morreu com apenas 36 anos incompletos e sua última obra é que inspira este artigo, o “Réquiem”, composta em Ré Menor, sendo uma missa fúnebre, que recebeu influência da obra homônima de M. Haydn, não tendo sido completada, em face da morte de Wolfgang, tarefa que coube, então, ao seu principal discípulo F. X. Süssmayr (1766-1803), que a concluiu seguindo as orientações, indicações e sugestões daquele. A composição desta obra se deu, em grande parte, sob os efeitos da enfermidade que o vitimou, diagnosticada como febre miliar aguda.

É este exatamente o ponto que mais interessa a nós, espíritas, e aos que se interessam pelos princípios e fundamentos da Filosofia Espírita. Há quem diga que o “Réquiem” tenha sido sua própria música fúnebre, tendo ele premonitoriamente previsto o próprio desencarne. Em “O livro dos espíritos”, nos itens 402, 404, 868 e 870, os Espíritos Superiores nos indicam a possibilidade do pressentimento do futuro, nos sonhos, mas sinalizando que a regra é a de ser, o futuro, oculto e que só é “revelado” em casos raros e excepcionais, sobretudo para facilitar o cumprimento de coisas e não embaraçá-las. No caso dos últimos meses de vida de Mozart, só nos é possível cogitar de que, conhecedor de seu “destino”, a morte, ele teria se aprimorado ainda mais na criação artística: hipótese.

Na enfermidade, conforme ilustra o filme em comento, figura em destaque a mediunidade do compositor que se comunica com espíritos e assiste “cenas” em que árias e trechos da futura missa fúnebre são executadas, como se reais fossem. Também parece que as inteligências invisíveis auxiliam o compositor para que se chegue ao resultado final pretendido. Remontando à história contida na cinematografia, um outro compositor de nome Salieri nutre ciúme e inveja de Mozart e acredita que o próprio Deus fala com Mozart e sua música seria, assim, “milagrosa”. E que ambos, Mozart e Deus estariam gracejando das músicas daquele, rindo cruelmente de sua “mediocridade” musical, levando-o a sentimentos de ódio.

As cenas finais do filme são impressionantes, com um Mozart abatido, debilitado, praticamente deitado em seu leito de morte, transcrevendo notas para Salieri – que, na vida real teria sido o pupilo Süssmayr – e corrigindo-lhe as transcrições indevidas. Balbuciando os sons dos variados instrumentos – recordemos que a missa contempla quinze tipos de partituras para distintos instrumentos: 2 clarinetes, 2 fagotes, 2 trompetes, 3 trombones (alto, tenor e baixo), tímpanos, primeiros e segundos violinos, violas, violoncelos e contrabaixos, intercalados com as frases em latim, muitas das quais bíblicas – Mozart vai montando com maestria e, consideramos nós, sob a influência de Espíritos amigos, sua prima-dona: “Recordare, Jesu pie, Quod sum causa tuae viae: Ne me perdas illa die” (“Lembra-te, ó Jesus Piedoso, que fui a causa de tua peregrinação, não me percas naquele dia”).

A genialidade que é marca da individualidade espiritual se consorcia, sabemos, com almas afins, encarnadas ou desencarnadas, sobretudo para as realizações sublimes. Daí ser apropriada a afirmação da Verdade, a Kardec, quando perguntado sobre a (possível) influência dos Espíritos nos atos da vida dos homens, ter-lhe dito: “não raro são eles que vos dirigem”.

O Réquiem é belíssimo e representa, de certo modo, o sentimento que acompanha a morte física. Pode ser associado, ainda que não tenha sido como outros oratórios específicos, à paixão de Cristo, como narram os Evangelhos, já que os textos religiosos originais, em latim, contém muitas das expressões que estão presentes na letra das diversas partes da composição mozartiana.
Recomendo aos que não assistiram ao filme e, também, aos que já o conhecem, para, quem sabe, possam ter os “olhos de ver”, sobre as questões espirituais que podem estar presentes, materializando, ainda que numa obra de ficção, muitos dos elementos que estão na teoria espírita. 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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+ Marcelo Henrique