O iluminismo e seu reflexo no Espiritismo

Eduardo Augusto Lourenço |

Uma releitura importante no mundo atual.

Herdamos do velho mundo, principalmente, da Europa, a filosofia, a arte, as ciências naturais e sociais, e a tecnologia. A cultura européia percorre por muitos séculos. A antiga religião com seus costumes e modelos político-sociais encontra-se espalhada por todo o planeta.

A influência do iluminismo, considerada sua presença na modernidade, e suas marcas históricas deram um novo rumo à política, à economia, à cultura, à sociedade e à ciência. O Estado reformulou-se, a imprensa libertou-se da censura, o mercado ampliou seu espaço, a ciência moderna avançou nos seus descobrimentos.

A democracia – o direito ao voto – tornou-se um estado de direito a muitas nações. A cultura secular, o expansionismo econômico, a indústria que abriu para modernização, o equilíbrio dos três poderes, o declínio da religião escravizadora, a importância histórica, a superação do pensamento tradicional são algumas das invenções culturais do iluminismo.

A sociedade em que vivemos continua sendo influenciada pelos ideais iluministas. Cabe lembrar que Voltaire, Montesquieu, Diderot, Rousseau (1695), Locke e Beccaria desenvolveram os princípios ético-políticos da organização social democrática, os quais serviram de base para as lutas que deflagraram a Revolução francesa (1789).

 

A razão sobre a ótica da luz, sendo o trabalho intelectual de Iluministas como René Descartes, Francis Bacon, Galileu, Kepler, Newton, promove uma cultura baseada na “secularização da consciência”, na “geometrização do espaço” e no “mecanismo científico”.

Estes iluministas refletiam o rompimento com a ideologia religiosa dominante e por decorrência a formação daquilo que foi celebrizado na modernidade como sendo a “autonomia da razão”, as “luzes da razão”. Trata-se do esvaziamento da alma do mundo, da sua explicação por razões estritamente materiais, onde “a matéria explica a matéria” e o universo é unidimensional.

Assim, a ciência moderna, fruto do Iluminismo, nasce do trabalho científico de Galileu, da aplicação do cálculo aos fenômenos astronômicos e da física clássica desenvolvida pelo físico inglês Isaac Newton. As principais teorias e concepções científicas do século XIX, o Positivismo, o Evolucionismo, o Marxismo, tiveram a marca do legado iluminista, ao mesmo tempo, progressista, racionalista e experimental.

Nesse contexto do Século das Luzes, na França, onde o iluminismo assumiu sua feição intelectual mais vigorosa, o Espiritismo é elaborado pelo iluminista Allan Kardec.

Na revelação da Doutrina Espírita, é exato dizer que o Espiritismo é uma ciência de observação, e não, produto da imaginação.
As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam no método experimental. Até então, acreditava-se que esse método, também, só era aplicável à matéria, ao passo que o é, também, às coisas da “metafísica”.

Allan Kardec, não apenas reconhecia o papel fundamental do método positivo no avanço e na consolidação da ciência moderna, como, também, desenvolveu procedimentos para empregar tal método em seus estudos dos fenômenos espíritas, utilizando a teoria do progresso da natureza humana, a lógica e a experimentação como métodos da ciência, a racionalização da vida social, a noção das leis universais que regem o universo e a humanidade, o evolucionismo biológico e a educação racional.

Observando o aspecto metodológico do trabalho investigativo de Allan Kardec, é possível constatar a significativa influência das principais vertentes do pensamento iluminista (racionalismo, experimentalismo, evolucionismo).

O Espiritismo assume uma feição naturalista, isto é, concebe a evolução da vida e da humanidade por meio de leis naturais. Entre elas a reencarnação e a influência recíproca dos diferentes planos da vida.

Portanto, o caráter iluminista do Espiritismo aparece no seu método, na compreensão da transformação da sociedade através da mudança do nível de consciência, e da irresistível força do progresso (moral, social, antropológico). Aparece, também, no conhecimento racional das leis espirituais, na sua aplicação no campo psicológico, nas crenças, na mudança da sociedade e das instituições.

 

Em verdade, Allan Kardec, respirando o clima cultural da França do século das luzes, soube transcendê-lo.

Enquanto o modelo da ciência positiva instaurava o império da “razão objetiva”, Allan Kardec, no intercâmbio com os “mortos”, descobria formas de vida e matéria em outras freqüências e planos. Deste diálogo com o desconhecido, foi possível desfazer o aparente abismo da transcendência.

Dessa forma, Allan Kardec, com sua infidelidade ao paradigma cientificista da sua época, soube construir uma nova ciência, uma nova linguagem.

Afinal, descrever formas de matéria cujo grau de eterização rompia com a física corpuscular de Newton, em pleno século XIX, significou avançar na direção de uma Concepção Quântica do Universo.

Sendo assim, o Espiritismo é, por um lado, iluminista em seu conhecimento racional das leis que regem a evolução bio-psico-espiritual do gênero humano. Encantando o mundo, apontando os valores espirituais, como o amor e a fraternidade universal, como significado profundo de cada nível evolutivo em cada reencarnação.

Mostrando cada ser com a sua individualidade em diferentes esferas e manifestações da vida na grande teia do universo, que não é outra coisa senão os pensamentos e sentimentos de Deus.

Neste sentido é bom relembrar mais algumas palavras de Kardec, o próprio codificador que sempre respeitou toda manifestação intelectual e física:

O Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai encontrar-se com AS BASES FUNDAMENTAIS DE TODAS AS RELIGIÕES: DEUS, A ALMA E A VIDA FUTURA. MAS NÃO É UMA RELIGIÃO CONSTITUÍDA, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos reais, nenhum tomou o título de sarcedote ou de sumo sacerdote. (…) O Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; proclama-a para seus adeptos assim como para todas as pessoas. Respeita todas as convicções sinceras e faz questão de reciprocidade”.

(Kardec, in “Obras Póstumas” – Ligeira Resposta aos Detratores do Espiritismo, páginas 260 e 261 da 21ª. edição da FEB).

O precioso trabalho de Allan Kardec ainda há de ser reconhecido pelas gerações vindouras. O sucesso que sua obra logrou a ter na segunda metade do século XIX, foi, de certa forma, ofuscado pelas crises e guerras sucessivas por que passou a Europa, que acabou por entrar numa fase de descrença existencial, com a perda de seus ideais mais espirituais, bem exemplificada pelo niilismo e mecanicismo do século XX, bem como pelo surgimento de outras correntes materialistas, de sabor fortemente preso aos modismos de seus adeptos e, por isso mesmo, mais atraentes e convenientes para algumas pessoas às quais a verdade de uma nova ciência mostrada pelos Espíritos desagrada esta classe de indivíduos orgulhosos e preconceituosos que se consideram “Senhores da Verdade Suprema”, pobres homens mesquinhos que não enxergam um palmo da própria ignorância.

Autor: [email protected],  Americana, São Paulo (Brasil)

 

 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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