O “toque do telefone” e os ensinos de Kardec ou Ainda uma vez, o problema das evocações


Pedro Camilo

O tema evocação de espíritos é por demais recorrente no movimento espírita e, curiosamente, aquele a partir do qual demonstramos saber muito pouco sobre mediunidade e sobre O livro dos médiuns. 

Tivemos oportunidade de enfrentá-lo em nosso livro "Mediunidade: para entender e refletir", bem como temos um texto inédito, para um livro sobre "O céu e o inferno", que aborda a questão a partir do olhar jurídico-espírita e das lições de Kardec, ele sim, extremamente abalizado para tratar desse e de outros assuntos mediúnicos.

É cansativo ter que “chover no molhado” sempre que tal questão vem à baila. Entretanto, para alguns, a repetição é um meio oportuno de gerar entendimento, quando ainda resta um mínimo de abertura para se aceitar olhares que não sejam personalistas, que justifiquem novas abordagens.

Recentemente, li um texto na internet, escrito por conhecido articulista espírita, a quem respeitamos, bem como a seu trabalho, tecendo crítica a um grupo que promete ensinar, aos médiuns, “técnicas para receberem espíritos recém-desencarnados”. Argumenta sobre a impossibilidade de tais técnicas (não explicadas no texto) serem válidas para o que se destinam; lembra a frase de Chico Xavier, que afirmava que “o telefone toca de lá para cá”; suscita o desaconselhamento de Emmanuel, no livro "O consolador", para quem “EM CASO ALGUM” se deve evocar os espíritos; refere-se aos “kardecólogos de plantão”, aos “phd’s em Kardec”, a quem atribuí a pecha de “anti-emmanuellinos” (sic), que esqueceriam que as evocações foram excepcionais no trabalho do consolidador do espiritismo; cita trechos de Kardec fazendo ressalvas às evocações; e traz a opinião de André Luiz, no livro "Conduta espírita", igualmente contrária à evocação de espíritos.

Vamos, então, à discussão das ideias, conquanto reafirmemos nosso respeito absoluto e irrestrito à(s) pessoa(s).

Tratar de técnicas de evocação, por si só, não é um problema. Se fosse, Allan Kardec não nos teria ensinado aquela que ele mesmo usava, no trato com os espíritos. Basta conferir o capítulo XXV de "O livro dos médiuns", intitulado “Das evocações”, que muitos insistem em ignorar ou, em gesto de generosidade, considerar como “artigo de museu”, uma referência solta, vaga e meramente histórica no contexto da obra. Aliás, não somente ali Kardec ensina uma “técnica” (“conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência”, como ensina o dicionário), como também no capítulo anterior – “Da identidade dos espíritos” – e no posterior – “Das perguntas que se podem fazer aos espíritos”, além de outras tantas ao longo do livro.

A grande questão, aqui, não é a técnica em si mesma, mas se ela é acertada, ou seja, se de fato se presta ao fim pretendido, bem como SE OS MÉDIUNS QUE A EMPREGAM SÃO APTOS PARA ESSE TIPO DE COMUNICAÇÃO. Sim, isso mesmo! Nem todos os médiuns tem possibilidade para serem veículos das chamadas “cartas consoladoras”. Para tanto, necessitam ter uma especialidade mediúnica, serem “médiuns para evocação”, conforme definição de Allan Kardec no capítulo “Dos médiuns especiais”, em "O livro dos médiuns". Segundo Kardec, “os médiuns maleáveis são naturalmente os mais próprios para este gênero de comunicação e para as questões de minudências que se podem propor aos Espíritos. Sob este aspecto, há médiuns inteiramente especiais”.

Assim, se o médium não for para evocação, se não tiver a especialidade, o que somente se pode descobrir com a experimentação, nem mesmo a vontade do espírito mais superior que se possa imaginar será capaz de produzir uma comunicação válida, para esse tipo de fenômeno.

Kardec nunca disse que somente ele poderia usas as evocações. A ser assim, jamais nos teria ensinado a fazê-las, com propriedade e assertividade. Também não teria chamado "O livro dos médiuns" de "Guia dos médiuns e dos evocadores". Acreditasse ele que as evocações eram restritas a um tempo ou à “capacidade restrita aos doutos iluminados”, jamais teria escrito as palavras que se seguem, extraídas de O livro dos médiuns:

“269. Os Espíritos podem comunicar-se espontaneamente, ou acudir ao nosso chamado, isto é, vir por evocação. Pensam algumas pessoas que todos devem abster-se de evocar tal ou tal Espírito e ser preferível que se espere aquele que queira comunicar-se. Fundam-se em que, chamando determinado Espírito, não podemos ter a certeza de ser ele quem se apresente, ao passo que aquele que vem espontaneamente, de seu moto próprio, melhor prova a sua identidade, pois que manifesta assim o desejo que tem de se entreter conosco“.

E completa, límpido com água pura:

“Em nossa opinião, isso é um erro: primeiramente, porque há sempre em torno de nós Espíritos, as mais das vezes de condição inferior, que outra coisa não querem senão comunicar-se; em segundo lugar e mesmo por esta última razão, não chamar a nenhum em particular é abrir a porta a todos os que queiram entrar. Numa assembleia, não dar a palavra a ninguém é deixá-la livre a toda a gente e sabe-se o que daí resulta”.
 
Essa seria a resposta de Kardec, ainda hoje, para todos os que não veem o espiritismo como ciência, muito menos o campo mediúnico como espaço de experimentação. É UM ERRO, um erro que tem respondido por muitos dissabores, como tantos outros, numa prática mediúnica inodora, incolor e insipida, como essa que tem tomado espaço nas Casas Espíritas mundo afora…

Kardec diria isso para Emmanuel e André Luiz, sem tirar uma só vírgula, e talvez o próprio Emmanuel, se ouvisse os próprios conselhos, o diria para si mesmo. Afinal, ele disse a Chico algo assim: se minha opinião, em algum ponto, contrariar os ensinamentos de Kardec, abandone-me e siga Kardec. Qual o quê! Emmanuel aconselha Chico a ser “Kardecólogo”!!!

Aliás, quanto às opiniões de Chico, Emmanuel e André Luiz, é preciso considerá-las como o que são – opiniões. Fora do critério do Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos, o que um espírito diz, conforme as palavras de Kardec – no melhor estilo kardecólogo –, não passa de opinião pessoal, como tal devendo ser levada em conta. E se o que um diz espírito contraria o bom senso e, porque não dizer, a lógica irretorquível de Kardec, mais motivo ainda nós temos para não segui-lo – como Emmanuel tinha razão nisso!

Agora, façamos justiça a Chico Xavier. Sua frase “o telefone toca de lá para cá” vem sendo mal interpretada, segundo penso. Até porque ele não estaria dando “um tiro no pé”, tendo em vista que praticava evocações a todo tempo – o que eram aquelas reuniões a céu aberto, em que familiares iam buscar notícia de seus entes queridos, senão grandes reuniões de evocação? Parece-me que o Chico, acertadamente, dizia o seguinte:

“Não depende de mim que as comunicações aconteçam. Eu posso estar disponível, ter a especialidade mediúnica e a boa vontade para o trabalho, mas quem determina o que virá são os próprios espíritos, os orientadores do trabalho e aqueles que, querendo se comunicar, estejam em condições para tanto e sejam autorizados, segundo os critérios estabelecidos”.

É isso que devemos entender por “o telefone toca de lá para cá”. É possível chamar, mas o atendimento da chamada não depende tanto do chamado, mas da vontade de quem é “convidado”. Evocar não é constranger, como certa vez ouvi de um médico espírita, mas convidar. E convites são aceitos ou não.

Muito ainda teria a dizer, mas sugiro a releitura dos capítulos citados de "O livro dos médiuns", para fazermos jus ao colossal trabalho de Kardec, esse homem que construiu um império de conhecimento utilizando da evocação dos espíritos.

Fechando as ideias desses arrazoados, para não fugir do juridiquês, sirvo-me do seguinte trecho, também retirado de O livro dos médiuns:

“46. O melhor meio de se obviar aos inconvenientes da prática do Espiritismo não consiste em proibi-la, mas em fazê-lo compreendido. Um receio imaginário apenas por um instante impressiona e não atinge a todos. A realidade claramente demonstrada, todos a compreendem”. 

Por que proibir as evocações? Por que reeditar o interdito de Moisés? O que ganhamos com um “espiritismo sem espíritos”? Por que ceifarmos as iniciativas de experimentação, e o espiritismo é uma doutrina científica, de base filosófica e consequências ético-morais? São perguntas que ficam no ar, à procura de respostas.

Se, para ser a favor de Kardec, eu tiver que ser “antiemmanuelista”, então é isso que quero e prefiro ser. Melhor ser antiemmanuelista do que antikardecista, não há o que duvidar!

E, com todo respeito ao articulista (e volto a afirmar, nossas considerações nada tem de pessoais, mas visam discutir ideias), a Chico, a Emmanuel e a André Luiz, se é para fazer parte de algum fã clube, não desejo ser Chiquista, Emmanuelista ou Andreluizista. Neste, como em muitos pontos, eu prefiro ser Kardecólogo – ou, melhor dizendo, Kardecista…
 
 
 
 

 
Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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