Puritanismo na casa espírita
“Pouco nos adianta o tempo de trabalho, na Seara, se não aproveitarmos as oportunidades para nos tranformarmos. ”
Na busca pelas razões das dificuldades atuais de muitos, nos deparamos com hábitos do passado. A contradição, entre o que realmente somos e o que tentamos mostrar que somos, é antiga batalha interior. Não se trata, necessariamente, de hipocrisia; é, muitas vezes, a insegurança, seguida pela necessidade de aceitação nos grupos de trabalho das respectivas casas espíritas, que nos faz agir de forma diferente ao que realmente somos, “vendendo” uma imagem de pureza e aceitando um conjunto de idéias que realmente não é nossa. É um círculo vicioso que necessita ser quebrado. No velho testamento, temos, em Samuel 22:27, “Com o puro te mostras puro; mas com o perverso te mostras rígido.” Entendamos perversão como dificuldade moral.
A rigidez do puritano daquele que fantasia, no próximo e em si mesmo, a pureza que não tem, cria regras, estabelece limites, dita comportamentos baseado na pseudovirtude na qual acredita que os longos anos de trabalho na casa ou a função exercida lhe conferem. Sem querer ser cruel, mas é interessante a semelhança com as atitudes dos fariseus. Será que realmente achamos que “tempo de casa” é termômetro de virtude? O livro “Os Mensageiros”, de André Luiz, e “Mereça ser Feliz”, de Ermance Dufaux, nos garantem que não, pois é só observar a quantidade de “espírititos-espíritas” desencarnados sob o desequilíbrio causado pela contradição do que são e daquilo que pensavam que eram. Pouco nos adianta o tempo de trabalho, na seara, se não aproveitamos as oportunidades para nos transformarmos. É muito fácil e cômodo ditar conceitos e pensamentos espíritas, em palestras e aulas, e imaginar que, pelo simples fato de temo-las decorado, a tenhamos igualmente praticado. Devemos buscar nos questionar sempre, especialmente para habitantes de um planeta de provas e expiações, a idéia de que “já evoluiu o suficiente para esta vida”, tendo a falsa sensação do dever cumprido, bem antes do tempo previsto. É interessante como aceitamos com facilidade as sugestões do orgulho…
O puritanismo começa a perder terreno, em nossas atitudes, quando deixamos de nos preocupar com o que os outros vão pensar de nós, como fala um companheiro de jornada, “devemos jogar a nossa partida, com dedicação, sem nos preocuparmos com a torcida”. Existe, nos puritanos, uma cobrança interior, boba e sem sentido, no entanto angustiante, acerca da visão do próximo sobre eles. Não seria essa cobrança uma necessidade, um desejo disfarçado de alcançar, mais rapidamente, as posições desejadas na casa? Uma vez que temos a aprovação do grupo, através da imagem nem sempre verdadeira a qual tentamos vender, a “carreira”, na seara de trabalho, dentro das expectativas desejadas, torna-se mais fácil. Naturalmente, devemos ponderar toda crítica recebida, verdadeira ou não. Declarar total independência da opinião alheia não é o ponto de equilíbrio adequado, uma vez que não somos ilhas e devemos ponderar e refletir acerca de cada crítica recebida, se for verdadeira, cabe-nos a mudança na ação; se for falsa, fruto de sentimentos menos nobres ou ainda da maledicência, façamos como o nosso Chico, simplesmente não liguemos para tal. O importante é não termos, como objetivo, em nosso trabalho ou ações na casa espírita, impressionar os outros, e que tal impressionarmos o Cristo, com os frutos do nosso trabalho e renovação moral?
Preocupar-se com a aprovação da respectiva consciência apenas, eis o primeiro passo para a libertação do puritanismo e tanto quanto para a libertação da consciência, necessitada de ampliação, de evolução. Os que convivem e exercem, constantemente, sobre si, as cobranças da própria consciência, sem necessitarem provar nada a ninguém, apenas a si mesmo, eis os “pole-positions”, na corrida interior contra o puritanismo. O que busca a renovação sincera traz consigo um incômodo consciencial, em forma de cobrança. Tal cobrança é a marca dos que ainda não se conformam com os respectivos vícios. Conforme as conquistas interiores acontecem, naturalmente, de forma lenta, a cobrança íntima diminui, trazendo, paulatinamente, a paz e a saciedade ao espírito.
Muitas são as formas para demonstrarmos o que não somos. Analisemos se alguma destas cabe em nos: postura forçadamente elegante e clara, incompatível com a real conduta; saudações excessivamente formais e rebuscadas, usadas exclusivamente no ambiente ou em companhia de espíritas; fala mansa e desnecessariamente erudita, com o posicionamento da voz em tom sempre ameno, apesar da linguagem nem sempre saudável, adotada no cotidiano; sorrisos aos montes e frases feitas. Deveríamos destacar um artigo, simplesmente, para abordar as frases feitas, o “código de conduta dos puritanos”, recheados de termos do tipo: “Espírita não faz isso, espírita não faz aquilo”, será que o Cristo terá de voltar à Terra, para reiterar que veio para os doentes e não para os sãos? Teria Kardec que redefinir o conceito do verdadeiro espírita? Segundo o mesmo, recordemos, conhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelos esforços que faz para domar suas más inclinações. Ou seja, as más inclinações ainda não foram totalmente domadas. Interessante como transportamos para dentro da casa espírita, apesar da mensagem de renovação tgrazida pela mesma, os velhos hábitos, cultivados em experiências religiosas anteriores, levando-nos à conclusão de que os erros e os vícios estão impregnados em nós. Prestemos atenção a tudo que é forçado, artificial e diferente da maneira como realmente agimos; são formas de mostrar o que não somos, de praticar o puritanismo.
No entanto, o puritanismo mais prejudicial não é o que vigora entre os trabalhadores, e, sim, o que afeta a principal atividade da casa espírita: o assistir e apascentar corações encarnados e desencarnados. Busquemos alguns exemplos:
1- Palestrante: A fala do palestrante ou expositor tem o objetivo de apascentar corações. Divulgando a doutrina, jamais apontar dedos. Muitas das pessoas presentes têm as mentes já devidamente oprimidas pela culpa; estão, na casa espírita, para receber o alento e não a condenação. Portanto, muito cuidado quando falarmos de divórcio, vícios, erros no amor, convivência no lar. A grande arte do expositor é saber condenar o vício e não o viciado. É ter habilidade de mostrar o caminho à frente, fazendo-os olhar para trás, apenas nos momentos em que a fantasia delituosa do vício bater-lhes, novamente, à porta. O Expositor deve apontar a melhora individual, destacar o que já conseguimos. Deve proceder como um “vendedor de esperança”, sendo a atenção e a força de vontade as moedas de aquisição do produto.
2 – Dialogador mediúnico: O puritanista que se aventura no diálogo mediúnico, cedo ou tarde, receberá a lição vinda do alto, em forma de um espírito pronto a jogar-lhe às faces as antíteses da respectiva fala, e o interessante, nesse momento, é ver o assistido tomar o lugar do dialogador. O diálogo é ferramenta de amparo; usemo-la, pois, para levantar os caídos e não para rebaixar aqueles que já se encontram culpados.
3 – Coordenador de estudos: Muita responsabilidade habita na tarefa de receber os futuros trabalhadores e dar a base doutrinária na qual as novas lideranças da casa se apoiarão. Percebemos a responsabilidade e a importância da tarefa para a nossa própria casa espírita? O coordenador tem que ter, acima de tudo, sensibilidade. Muito mais que os postulados espíritas, deve ter o hábito de trabalhar o ser, pois a melhora íntima de cada um deverá sempre ser trabalhada. O coordenador não é um juiz, não é o dono da verdade, jamais dita o certo e o errado, e a proposta é sempre aprender junto com o grupo, fazer-se um deles, por mais que já tenha aprendido a lição. Saber não se impor pela opinião, mas pelo exemplo.
O puritanismo afasta pessoas e cria grupos internos. Façamos uma análise individual de como lidamos com e erro alheio, se trabalhamos a melhora das pessoas ou, simplesmente, condenamos atitudes. Analisemos as formalidades e a atitude individual. Reavaliar e discutir preconceitos, em forma de idéias, assumir-se como doente e igualmente necessitado, conhecendo ae assumindo as próprias mazelas, esis o melhor remédio contra o puritanismo.
Fonte: Pedro Valiat – Artigo da Revista – RIE – Novembro 2010