Viver em Paz consigo mesmo
Marlene Dierschnabel da Silva |
É impossível separar a unidade do todo. É impossível separar a ecologia Íntima da ecologia planetária.
A maior parte das pessoas procura a paz fora de si, esquecendo-se que ela sempre está presente, no espaço emocional (coração), na mente (espírito) e no corpo/corporeidade. Para enxergá-la ou descobri-la, demanda uma tomada de consciência de onde e como encontrá-la.
Corporeidade para Leonardo Boff e estado físico-geral para Pierre Weil, é tudo o que diz respeito ao conjunto de relações que o ser humano entretém com o universo, com a natureza, com a sociedade, com os outros e com sua própria realidade concreta em termos de cuidado com o ar que respira, com os alimentos que consome/comunga, com a água que bebe, com as roupas que veste e com as energias que vitalizam sua corporeidade. Normalmente se entende essa dimensão como corpo. É o próprio ser humano todo inteiro mergulhado no tempo e na matéria, corpo vivo, dotado de inteligência, de sentimento, de compaixão, de amor e de êxtase. Esse corpo total vive numa trama de relações para fora e para além de si mesmo.
Assim, em todo movimento que fazemos – desde uma ação física até um pensamento – trocamos, com o meio, parte da nossa energia.
O ser humano autossustentável é aquele capaz de renovar sua energia positivamente e autonomamente, de maneira consciente ou não, de forma que sua resultante energética seja sempre saudável e capaz de mantê-lo em harmonia e contínua evolução. Este é um conceito que também poderíamos atribuir à “ecologia interior humana”.
Uma das chaves para a autossustentabilidade é encontrada quando verdadeiramente nos descobrimos como seres espirituais, integrantes de uma grandiosa rede de consciências em evolução e amorosamente imbuídos da construção e manutenção cósmica.
A paz do corpo é vivenciada ou experienciada, através do relaxamento, para aliviar as tensões criadas no corpo diariamente; fruto de emoções destrutivas de uma vida agitada.
Relaxamento se aprende. Para entender do que se trata, realize esta experiência agora, durante esta leitura. Feche os olhos, fique bem à vontade, dê umas três inspirações profundas, soltar os músculos, imagine que você está num lugar ideal de descanso como uma praia ou uma rede na montanha.
Durante dez minutos, aproximadamente, fique neste estado relaxado. Perceba o seu estado físico-geral; bem estar, descontraído, em paz, bem à vontade, solto, repousado, são as sensações, entre outras, quando se sai de um relaxamento.
A vida cotidiana muda praticando relaxamento todos os dias, de manhã e de noite. Esta melhora será muito maior ainda se tratarmos a origem destas tensões musculares.
As emoções destrutivas, como o ciúme, o apego exagerado a coisas, pessoas ou mesmo ideias, a rejeição e a raiva, o orgulho e a indiferença são as grandes causadoras do estresse, geradores de conflitos sofrimentos com os outros e para consigo mesmo.
Grande parte da humanidade costuma se deixar levar por elas, as emoções destrutivas, perdendo o autocontrole – a paz do coração. Por exemplo, a raiva: as pessoas gritam, ofendem, magoam, muitas vezes a quem amam, e depois se sentem culpadas e sofrem. Isto não é uma boa solução. Já outras acham que, a raiva é uma emoção feia e repreensível, rechaçam e recalcam o seu sentimento de rejeição. Continuam cheias de mágoas e de ressentimentos não expressos. Repetindo esta maneira de ser durante meses ou mesmo anos, acabando estressadas, somatisando a sua raiva contida transformando-a numa úlcera duodenal ou enfarto do miocárdio.
De acordo com Pierre Weil, há uma terceira alternativa, um caminho do meio. Em vez de soltar a raiva ou de dominá-la, existe uma solução bastante esperta: simplesmente tomar consciência dela e deixá-la passar, como uma nuvem de tempestade que passa e deixa o sol brilhar de novo e o céu ficar azul.
Chico Xavier dizia: “antes magoar ou ferir alguém com palavras, encha a boca com água e engula-a somente depois que a raiva passar”.
Para conseguir um bom resultado é preciso de certo tempo, algumas semanas ou meses. A verdadeira liberdade se alcança, livrando-se destas emoções pesadas.
Não se livrando de todo da raiva, pode-se fazer com que ela se transforme em sentimentos de amizade ou mesmo de amor. E, aos poucos, transformar-se-á numa segunda natureza, irradiando paz e serenidade em torno de si, sobretudo se paralelamente praticar diariamente o relaxamento do corpo.
Para obter-se ainda mais alegria e harmonia – a paz no nível das emoções, cultivar altos sentimentos humanos, tais como: a alegria de compartilhar felicidade com as pessoas; o amor no sentido de querer a felicidade das pessoas ao seu redor; a compaixão significando o sentimento e o ato de ajudar o outro a aliviar o seu sofrimento; e o tratamento igual para com todos os seres deste universo, sem nenhuma preferência por um ou outro.
Allan Kardec, no livro Evangelho segundo o Espiritismo, diz: “Amar o próximo como a si mesmo: fazer pelos outros, o que quereríamos que os outros fizessem por nós”, é a expressão mais completa da caridade, porque resume todos os deveres do homem para com o próximo. Não podemos encontrar guia mais seguro, a tal respeito, que tomar para padrão, do que devemos fazer aos outros, aquilo que para nós desejamos. Com que direito exigiríamos dos nossos semelhantes, melhor proceder, mais indulgência, mais benevolência e devotamento para conosco, do que os temos para com eles? A prática dessas máximas tende à destruição do egoísmo. Quando as adotarem para regra de conduta e para base de suas instituições, os homens compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça.
O amor resume a doutrina de Jesus toda inteira, visto que esse é o sentimento por excelência, e os sentimentos são os instintos elevados à altura do progresso feito. O homem na sua origem, só tem instintos; quando mais avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem sentimentos. E o ponto delicado do sentimento é o amor, não o amor no sentido vulgar do termo, mas esse sol interior que condensa e reúne em seu ardente foco todas as aspirações e todas as revelações sobre-humanas. A lei de amor substitui a personalidade pela fusão dos seres; extingue as misérias sociais. Venturoso aquele que, ultrapassando a sua humanidade, ama com amplo amor os seus irmãos em sofrimento!
O homem primitivo possuía só instintos (ponto de partida). O homem moderno, ainda se acha lá no ponto de partida, do que da meta (sentimento), aquele em quem predominam os instintos. A fim de avançar para a meta, tem a criatura que vencer os instintos, em proveito dos seus sentimentos, isto é, aperfeiçoá-los, sufocando os germes latentes da matéria. Os instintos são a germinação e os embriões do sentimento; trazem consigo o progresso, como o fruto encerra em si o carvalho, e os seres menos adiantados são os que, emergindo pouco a pouco de suas crisálidas se conservam escravizados aos instintos.
Crisálida é uma das etapas da transformação da lagarta em borboleta, por exemplo. Após o acasalamento, a borboleta deposita os ovos fecundados, geralmente, em folhas ou galhos de vegetais. Dentro de cada ovo fecundado desenvolve-se uma lagarta. Ao sair do ovo a lagarta se alimenta das folhas do vegetal. A lagarta passa por transformações em seu corpo, produzindo a crisálida, que é um tipo de casulo. No interior da crisálida, no período de alguns dias, a lagarta transforma-se em borboleta. Quando a metamorfose (transformação importante no desenvolvimento do corpo dos insetos, a borboleta, por exemplo, em: ovo, lagarta, crisálida/casulo, e adulto) se completa, a crisálida se rompe e libera a borboleta.
É uma fase de intensa atividade e qualquer mudança brusca no ambiente pode ser fatal. O Espírito precisa ser cultivado, como um campo. Toda a riqueza futura depende do labor atual (trabalho árduo e prolongado), Essa conquista é muito mais do que bens terrenos: a elevação gloriosa. É então que, compreendendo a lei de amor que liga todos os seres, buscaremos nela (a lei do amor) os gozos suavíssimos da alma, prelúdios das alegrias celestes.
O amor é de essência divina e todos nós, do primeiro ao último, temos, no fundo do coração, a centelha desse fogo sagrado.
De nada adianta a paz do corpo e a do coração, se a mente continuar agitada, sem paz espiritual, gerando uma hiperatividade no mundo externo e uma invasão, de pensamentos como: ideias, imagens, formas, símbolos, perpassando lembranças incessantemente. Ao cabo de um dia tem-se uma só vontade, a de ir para cama e dormir! Esta é a atividade típica da uma mente com infinitas produções e funções bastante úteis de um cotidiano.
A mente nos permite raciocinar, lembrar, apreciar, comparar, julgar, decidir, avaliar, nos defender. Em certas ocasiões uma atividade normal do espírito, pode gerar emoções destrutivas.
Basta, por exemplo, se lembrarmos de um inimigo, a reação da raiva surge de imediato, perdendo a paz de espírito!
A mente, gerada pelo espírito, acaba obstruindo a nossa via de acesso à paz natural, caraterística do próprio espírito. E assim, perdemos a paz do espírito – o controle de nós mesmos.
No livro Vida: Desafios e Soluções, psicografado por Divaldo P. Franco, pelo espírito de Joanna de Ângelis fala-nos da vontade que deve ser orientada no auxílio da disciplina mental, trabalhada com exercícios de meditação, através de pensamentos elevados para gerar condicionamento novo, estabelecendo hábito diferente do comum.
São indispensáveis vários recursos que auxiliam a montagem dos equipamentos da vontade: paciência, perseverança e autoconfiança.
A paciência ensina que todo o trabalho começa, mas não se pode aguardar um término imediato, porque conquistada uma etapa, outra surge desafiadora, já que o ser não cessa de crescer. Somente de um programa cuidadoso e contínuo consegue-se alcançar o objetivo que se busca.
A paciência é um recurso que se treina com a insistência para dar continuidade a qualquer empreendimento esperando-se que outros fatores, que independem da pessoa, contribuam para os resultados que se espera alcançar.
Lentamente são criados no inconsciente, condicionamentos em favor da faculdade de esperar, aquietando as ansiedades perturbadoras e criando um clima de equilíbrio emocional no ser.
A paciência, como qualquer outra conquista, exige treinamento, constância e fé na capacidade de realizar o trabalho, como requisitos indispensáveis para ser alcançada. No começo, evita ultrapassar os limites nas exigências do crescimento íntimo, elaborando um programa que deve ser aplicado sem saltos, passo a passo, o que contribui para os resultados excelentes, que abrirão oportunidades a outras possibilidades de desenvolvimento pessoal.
A perseverança é um fator imprescindível à disciplina da vontade. Ela se apresenta com tenacidade e insistência no trabalho que se está ou que se pretende executar, de forma que não se interrompa o curso programado. Mesmo quando os desafios se manifestam, a firmeza de decisão pela consciência do que se vai efetuar, faculta maior interesse no processo desenvolvido, propondo levar o projeto até o fim, sem que o desânimo encontre amparo.
Somente através da perseverança é que se consegue amoldar as ambições aos atos, tornando-os realizáveis, materializando-os particularmente no que diz respeito àqueles de elevada qualidade moral, que resultam em bênçãos de qualquer natureza em favor do Espírito. (…)
Como qualquer outro condicionamento, a perseverança decorre da insistência que se impõe o indivíduo, para alcançar os objetivos que o promovem e o dignificam. Sem ela ninguém existe ou é incapaz de consegui-la, porque resulta apenas do desejo que se transforma em tentativa e que se realiza em atitude contínua de ação.
Da conquista da paciência, face à perseverança que a completa, passa-se a autoconfiança, a certeza das possibilidades existentes que podem ser aplicadas em favor dos anseios íntimos. Desaparecem os medos e os mecanismos autopunitivos, auto-afligentes, que são fatores dissolventes do progresso, da evolução dos ser.
Mediante essa conquista a vontade passa a ser comandada pela mente saudável, que distingue entre o que deve e pode fazer, quais são os objetivos da sua existência na Terra e como amadurecer emocional e psicologicamente, para enfrentar as eventualidades, as dificuldades, os problemas que fazem parte de todo o desenrolar do crescimento interior. Nasce assim, o adulto de vontade firme e confiante, que programa os seus atos trabalhando com afinco para conseguir resultados satisfatórios.
Nessa empreitada ele não deseja triunfar sobre os outros, conquistar o mundo, tornar-se famoso, conduzir as massas, ser endeusado, porque a sua é a luta para conquistar-se, realizar-se interiormente, de cujo esforço virão as outras posses, que são de secundária importância, mas que fazem parte também dos mecanismos existenciais, que constituem o desenvolvimento, o progresso da sociedade, o surgimento das suas lideranças, dos seus astros e construtores do futuro.
Todo esse empreendimento resulta da vontade disciplinada, que se torna o mais notável instrumento de trabalho para a vitória da existência física do ser pensante na Terra.
A ciência nos ensina que tanto o ser humano como todos os objetos e mundo ao seu redor são constituídos de energia, e da mesma energia. Assim sendo nada é separado neste nível de compreensão da verdadeira natureza das coisas.
É impossível separar a unidade do todo. É impossível separar a ecologia Íntima da ecologia planetária. Cada um de nós é um sistema ecológico completo; multidimensional. Em cada um de nós convivem células, órgãos, pensamentos, emoções e sentimentos de toda ordem que interagem com os da coletividade próxima e a coletividade distante. Estamos todos, a caminho da autossustentabilidade do ser.
Na velha Grécia, Sócrates apresentou de forma simples o que é Ecologia. A origem do termo ecologia vem do grego “oikos” casa e “logos” estudo. Analisar e estudar nossa casa mental, sob múltiplos e variados aspectos é um passo importante na busca do desenvolvimento sustentável ético e responsável.
REFERÊNCIAS
BOFF, Leonardo. Espiritualidade, dimensão esquecida e necessária. 4 abril 2012. Disponível em: <http://leonardoboff.com/site/vista/outros/espiritualidade.htm>. Acesso em: 3 abril 2012.
CANHOTO, Américo. Ecologia interior – campanha pela preservação da espécie. EcoDebate – Cidadania & Meio Ambiente. 28 novembro 2009. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2009/11/28/ecologia-interior-campanha-pela-preservacao-da-especie-artigo-de-americo-canhoto/. Acesso em: 7 março 2012.
FRANCO, Divaldo P. Vida: desafios e soluções. 2.ed. Salvador: Livraria Espírita Alvorada,1997. p.11-115.
KARDEC, Allan. Evangelho segundo o Espiritismo. 121.ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira.2003. p.183–190.
SALERNO, Eros. A ecologia interior. Projeto Consciência. São Paulo, 5 maio 2011. Disponível em: <http://consciencia.info/2011/05/04/a-ecologia-interior//>. Acesso em: 3 abril 2012.
WEIL, Pierre. A arte de viver em paz consigo mesmo. Uma questão de ecologia interna. Brasília,
– UNIPAZ – Universidade Holística Internacional de Brasília e da Fundação Cidade da Paz.
Disponível em: <http://www.pierreweil.pro.br/Novas/Novas-61c.htm>. Acesso em: 7 março 2012.