O crucifixo nos tribunais

Alfredo Bosi, Carta Capital, ano XVII, n. 692, 11/4/2012, p.15

A retirada dos crucifixos dos tribunais, recentemente aprovada no Rio Grande do Sul, vem causando polêmica, o que é de se esperar em uma nação em que a maioria se declara cristã. É matéria que pede reflexão.

O leitor medianamente instruído no trato dos Evangelhos sabe que a condenação à cruz sofrida por Jesus foi decidida em um duplo tribunal. O julgamento inicial foi obra do Sinédrio, órgão supremo dos chamados “doutores da lei”, então sediados em Jerusalém. Não dispondo de poder político, mas apenas religioso, o tribunal precisou da sanção do governador romano, Pilatos, que acabou cedendo à grita da turba aliciada: lavou as mãos, dizendo que não queria ser responsável pelo derramamento do sangue de um justo. Poder religioso coonestado pelo poder político do Império Romano: eis a aliança que levou Cristo à morte na cruz.

Não nos deve espantar que um homem inocente, condenado a morte cruenta por um duplo fórum, tenha sua imagem banida dos tribunais onde doutores da lei continuam julgando soberanamente quem deve ser punido ou absolvido. Afinal, deixar pendurado na parede de um juiz a figura inerme de um réu supliciado é sempre uma triste prova da injustiça e da crueldade humana.

A questão tem de ser colocada em termos de relação entre crenças religiosas e Estado laico. Nada a opor. Todo crente que não tenha perdido a memória dos males que advieram do poder temporal da Igreja deveria ser favorável a uma saudável separação. Libera Chiesa in libero Stato. Livre Igreja em Estado livre, propunham os patriotas italianos em luta contra o Estado pontifício.

A mensagem central dos Evangelhos é a do anúncio de uma nova dimensão ética, tanto subjetiva quanto social, que remete às expressões: “O reino de Deus está em vós e entre vós”. Essa mensagem poderá, ou não, coincidir com os valores professados pelo Estado. A tentação de exercer o poder temporal, em que tantas vezes caíram as igrejas, tem de ser superada por todo aquele que acredita na crítica radical “deste” mundo, feito de violência e arbítrio, com o qual o cristão deveria viver em permanente tensão.

 

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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