Tempos difíceis

Jhon Harley Madureira Marques  | Empobrecimento cultural, fanatismos político e religioso: o que Chico Xavier aconselharia?

“Alguns me consideram bom, outros me consideram uma pessoa desprezível. A opinião dos outros não altera o que sou. Vivo diariamente com a imagem que fazem de mim e com a minha realidade interior.” – Chico Xavier

Nos anos em que pude conviver com Chico Xavier, o que mais me chamou a atenção não foram suas extraordinárias faculdades mediúnicas, mas a sua humanidade. Sendo tão humano quanto nós, ele deu tanto sentido à sua humanidade que se tornou um homem “diferente”, vivendo entre dois mundos, sob a influência do contexto social em que ele renasceu e, ao mesmo tempo, vivendo no futuro do seu tempo e da sua época. Por isso mesmo, em momentos distintos da sua trajetória, foi perseguido e incompreendido, mitificado e divinizado, porém mesmo com tanta bajulação não sucumbiu, como muitos, ao “canto da sereia”. Com tantos críticos e admiradores, foi, contudo, um homem solitário, como foram, e são, algumas das “grandes almas” no campo da ciência, da filosofia e da religião.

Pesquisando sua vida e obra, tenho dito, frequentemente, que uma das maiores qualidades do Chico foi o respeito pelas diferenças, em suas maneiras de pensar, escrever, falar e agir. Ele nos dizia que ninguém é obrigado a concordar com a forma de pensar do outro e, evidentemente, todo mundo tem direito de expressar a sua opinião, mas precisamos dizer de uma maneira que o outro possa nos escutar, sem também silenciar o que o outro tem para nos dizer. Aceitar o outro como ele é e não como nós gostaríamos que ele fosse.

Parafraseando Bety Milan, psicanalista americana, diria que a condição para amar é amar-se, pois quem se ama não corre o risco de ser maltratado por ninguém. Exercício difícil, principalmente observando o comportamento nas redes sociais de uns anos para cá. Quanta intolerância e quanto ódio, não é mesmo?

 

Procurando fomentar reflexões nessa direção, e como diretor-presidente da Fundação Cultural Chico Xavier em Pedro Leopoldo, Minas Gerais, entidade sem vínculo político-partidário, e sem fins lucrativos, e que tem como objetivo central divulgar os valores que estiveram presentes na vida e na obra de Chico Xavier, pelo viés cultural, sem qualquer discriminação de raça, cor, gênero e religião, organizamos, em 2106, o I Festival de Luz Chico Xavier, com o tema “Respeito pelas diferenças”. Na sequência, em 2018, o tema central do II Festival foi “Diversidade e inclusão”, em 2019, o tema central foi “Tolerância” e em 2020, o tema escolhido para o evento foi “Gentileza”, que, em razão da pandemia, foi adiado para 2021.

Em um estado democrático de direito, vale aqui destacar que a liberdade de expressão é constitucional, pois todos têm o direito de expressar seus pensamentos e opiniões, porquanto essas diferentes formas de entender o mundo não podem, de modo algum, atentar contra os direitos dos outros. Por exemplo: se uma pessoa tiver valores que implicam conceitos de supremacia racial, e visam o extermínio do próximo, é um dever manifestar a nossa indignação. Não existe neutralidade. Muitas vezes, o silêncio pode representar covardia e consentimento.

 

Confesso que nos dias que correm tenho andado estarrecido com tantos absurdos. Tenho a sensação de que vivemos um certo empobrecimento cultural. E em tempos de pandemia, com o Brasil perdendo a vida de tantos brasileiros, fico impressionado com o desrespeito e o despreparo daqueles que deveriam, constitucionalmente, preservar vidas.

Sem desconsiderar o esforço isolado de alguns, inexiste um planejamento geral e políticas públicas eficazes no combate dessa pandemia, principalmente direcionados às camadas mais fragilizadas. Para piorar a situação, com uma espécie de discurso salvacionista, tem havido a recomendação de uso indiscriminado de medicamentos não aprovados pelos órgãos oficiais da ciência, muitas vezes prescritos por pessoas sem qualquer qualificação profissional. Alguns continuam alegando, inclusive, que existe uma conspiração mundial, manipulando a opinião pública e impedindo a busca do tratamento e da cura. Isolamento, distanciamento, higiene e novos hábitos, esses sim deveriam ser as principais recomendações. Tempos difíceis!

 

Entretanto, se o fanatismo político é um grande problema, vejo com mais preocupação a sua associação com ideias religiosas. Fanatismo religioso é como um “Big Brother” presente em sua vida o tempo todo, controlando a sua maneira de pensar, falar e agir. É de uma perversidade incalculável, pois se antes o homem era o instrumento de Deus na Terra, agora Deus é que deve servir para a glória do consumo e do interesse do homem. Sinceramente, há sinais de “guerra santa” no ar. É profundamente lamentável. Espero que ninguém tente impor o seu Deus sobre o Deus dos outros, sob a alegação de que Deus é único. Tempos difíceis!

Em tempos de pandemia, as pessoas têm me perguntado sobre o que Chico Xavier aconselharia. Ele seguiria as recomendações de órgãos oficiais de especialistas da área.

Imagino a ansiedade de todos em retomar suas tarefas nas instituições espíritas, mas, seguindo, naturalmente, todos os cuidados recomendados, como o uso de máscara, luvas, álcool em gel e distanciamento. Uma atividade o Chico não paralisaria – a social. Sobretudo em tempos de pandemia, durante a qual acontece o fechamento de muitos postos de trabalho, com o desemprego assumindo proporções alarmantes. A fome e a miséria também matam e não podem esperar. Sejamos solidários!

Na perspectiva de mundo que acredito e defendo, compreendo que não será um simples gesto de uma pessoa qualquer que poderá magicamente transformar a forma da organização social em que vivemos. Isso é fruto de um esforço geral. Façamos, portanto, a parte que nos compete, individual e coletivamente, na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e feliz.

Jhon Harley Madureira Marques – Diretor-presidente da Fundação Cultural Chico Xavier, trabalhador do Grupo Espírita Scheilla e da Casa de Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, Minas Gerais.

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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