Cigarra e Formiga

Marcelo Henrique

Acordei cedo, como de costume, e ouvi o canto (sofrido) da cigarra. Lembrei-me, automaticamente, da fábula “A cigarra e a formiga” e da letra da música de Raulzito: “a formiga só trabalha porque não sabe cantar”.

Isso me remeteu à dinâmica da vida e às diferenças entre as pessoas. O quanto cada um pode ofertar ao Universo, na proporção nem sempre exata do que, dele, recebe. Um moço nazareno teria falado, por meio de parábola, nos talentos. As virtudes – e não os dinheiros – confiados pelo Senhor (Deus) aos homens.

E todos têm os mesmos talentos? Idealmente, sim. Na práxis, não!

E por quê? Qual a razão, então, das diferenças? Qual a razão lógica para uns serem cigarras e outros, formigas?

Não vamos tratar de crenças. Nem de argumentos religiosos. Eles, por certo, não serão jamais suficientes para a elegia à inteligência, posto que a fé é um sentimento (assaz inexplicável), e as crenças se baseiam nas expectativas, nos desejos, nos anseios – nada racionais – do ser humano. Inegavelmente, a fé pode produzir prodígios, pode alavancar mudanças, pode proporcionar vitórias, é fato. Mas não pode, ela, a fé, sozinha, ser o combustível e o alimento (único) para todas as situações da vida.

É preciso mais!

Voltemos às diferenças… Você sabe o porquê de dois filhos gêmeos univitelinos não terem personalidades idênticas? Você pode explicar, racionalmente, o porquê de uma sala inteira de acadêmicos de Direito (ou qualquer outra habilitação) não obter o mesmo resultado numa prova de concurso público ou a totalidade deles optar por uma das vertentes da formação jurídica, em detrimento das demais? Você sabe porque membros de um mesmo agrupamento humano não têm as mesmas reações e atitudes diante de dado fato?

Você é uma cigarra ou uma formiga? Sempre, ou às vezes? Consegue delimitar o quão formiga é e o quão cigarra deseja ser? Ou vice-versa? É melhor ser formiga ou cigarra? Quando? Onde? Por quê?

Me perdoe, sinceramente, se eu coloco “caramilholas” na sua “cachola”. Estou aqui, para isso. Um certo comunicador teria dito: – eu vim para confundir! No caso, jocosamente, ele queria dizer: – Eu vim para fazer pensar!

E as pessoas, em geral, querem pensar? Ou querem respostas prontas, tipos pratos feitos?

Grande parte diz, já tenho preocupações demais, já tenho os afazeres do dia-a-dia, as preocupações da luta pela sobrevivência e as agruras dos relacionamentos conviviais… Não quero “mais” coisas para me preocupar…

Será, mesmo?

As diferenças, meu amigo, não são egressas de “benesses” divinas, nem, tampouco, “condenações” impostas pela Divindade ou pelo Universo a você, ou ao outro… Não há sortilégios, não há “jeitinhos”, não existem dons imerecidos nem tragédias sem utilidade (lógica).

É fato que as religiões em geral – pelo menos as muitas que conheço – pregam a ideia dos infortúnios como “pena” e dos sucessos como “graça”. Fica muito mais fácil “trabalhar” a doutrinação dos fiéis, estabelecendo ritos “necessários” que devem ser cumpridos e obedecidos (cegamente), pois quando o adepto deles se afasta, recebe a reprimenda e, quando convicto, fica mais próximo da “tal” felicidade… Trabalha-se o condicionamento psicológico, baseado no “toma-lá-dá-cá”, como se o Ministério Espiritual fosse um grande balcão de negócios (desculpe-me se a ideia remeter seu olhar para algumas seitas cristãs da atualidade e a convivência e rotina nos “templos”, pois não terá sido mera coincidência essa ilação).

Podemos ser formigas, sempre! Ou podemos ser cigarras, sempre! Ou podemos ser, ora cigarras, ora formigas… Basta escolhermos!

Como “igualar” seres desiguais na formologia, nos elementos externos assim como nos internos? Como “aceitar” que, em uma única vida (física), TODOS possam “cumprir” com suas obrigações, missões, responsabilidades, desígnios, ou o que você quiser denominar? Como entender que uma criatura alcance a longevidade centenária, enquanto outra faleça em tenra idade, “aceitando” que ambas tiveram as “mesmas chances”? Como comparar um cego de nascença com uma pessoa que alcance vida madura sem precisar de lentes adicionais? De um indivíduo que nasça com membros atrofiados ou paralisados (ou os tenha em algum quadrante da vida), e outro que consiga correr e pular até os oitenta anos? Como entender que uns nascem na mais absoluta pobreza e precariedade de recursos e outros no berço nobre de uma família nobre? Como entender que de dois homens, nascidos na periferia, um se torne valoroso homem, rico empresário e outro viva de furtos ou “bicos”, na pobreza extrema?

Somente entendendo que, formigas ou cigarras, estamos aqui “de passagem”, como aquele ser cantado em prosa e verso, de uma estação de trem, nos “encontros e despedidas” da(s) vida(s) sucessiva(s)… Ou de uma única vida, a espiritual, que ora se processa no vaso corporal, ora fora dele…

Sim, você pode considerar isso, também, objeto de “crenças”. E não estarás sozinho, posto que, da Humanidade Espiritualista que aceita a Palingênse (Reencarnações), a imensa maioria seja de religiosos que apenas “crêem” na vida espiritual, na necessidade da encarnação (vida material) e, uma parte deles, mais orientais do que ocidentais, ainda hoje, propugne pela realidade do “nascer de novo”, dito por aquele Carpinteiro ao Doutor da Lei, certa feita…

As formigas carregam “o piano”. As cigarras embelezam o dia com sua melodia. Sejamos formigas, quando preciso. E cigarras, quando necessário. Agora mesmo, ao fazer esta pequena crônica, estou “sendo” formiga. Daqui a pouco, quando ela estiver sendo lida, estarei regozijando qual cigarra, feliz e faceira…

A cigarra já não está mais, agora, cantando… Pode ter se recolhido. Pode ter morrido, cumprido sua etapa, enquanto as formigas do quintal de casa continuam a recolher e armazenar folhas para o consumo, no inverno.

Eu e você vamos formigar, hoje, amanhã, até o final desta vida. Mas poderemos e deveremos cigarrear, muitas vezes… Espero, francamente, que, cigarra ou formiga, você agradeça ao Universo (mais) esta oportunidade e aproveite-a como puder… Haverão outras… Mas se nos dedicarmos um pouquinho mais, poderemos acelerar nossos passos na direção da LUZ.

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Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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