A ciência gêmea do Espiritismo

Segundo Kardec, Magnetismo e Espiritismo são ciências gêmeas, completam-se uma a outra. E a que se separasse da outra cairia num impasse. Está na hora de recuperar a medicina de Mesmer e o sonambulismo, janela da alma.

Por Paulo Henrique de Figueredo

Num ambiente cômodo e silencioso, com os braços estendidos, aplica lentos passes longitudinais intercalados com imposições de mãos. Explorando o fenômeno em todos os detalhes, Allan Kardec estudou o sonambulismo por 35 anos, antes de iniciar sua pesquisa sobre o Espiritismo.

Franz Anton Mesmer, antes mesmo de 1779, quando publicou seu primeiro livro, já registrava a capacidade extraordinária de seus pacientes, quando induzidos ao que considerou ser um “sono critico” e seus discípulos e admiradores passaram a chamar de “sono mesmérico”.

Mesmer aplicava os passes com a finalidade de alcançar a cura, alguns pacientes, porém, caiam num sono especial. Os seus sentidos se aplicavam, enxergavam no escuro, ouviam à distância, respondiam à distância, respondiam ao comando do pensamento!

O médico alemão dedicava todo seu esforço a acordar os médicos para a verdadeira medicina, enfrentando sarcasmo, calúnia e perseguição. Para propor a técnica do passe magnético já foi um terrível enfrentamento. O que se diria se Mesmer revelasse o sexto sentido humano, despertado pelo sono induzido?

UMA COMISSÃO INVESTIGATIVA

Uma comissão de sábios foi convocada pelo Rei Luis XVI da França depois dos clamores populares pelo Magnetismo Animal, que os atendia, diferente dos médicos dedicados aos endinheirados.

Mesmer propôs que formassem dois grupos de pacientes. Um seria tratado pela medicina comum (que, vale lembrar, fazia uso de sangrias, vomitivos e pó de múmia), outro grupo seria tratado pelo Magnetismo Animal. Se este último apresentasse resultados melhores, mereceria ser pesquisado pelas academias e universidades.

Sua ideia contudo, foi recusada. Os cientistas e médicos “são tomés” queriam ver para crer. Mas ver o que? Perguntava Mesmer, se o fluído vital é invisível, mas tem efeitos sobre o organismo, como o imã age sobre o outro sem que nada se visse. Foi inclusive, exatamente esse o motivo da escolha do nome, Magnetismo Animal. Ma os cientistas certamente não chegaram a abrir seus livros.

A comissão, presidida por Lavoisier, depois de três meses procurando um fluido vital com suas lupas, decidiram que o Magnetismo Animal não existia, porém, perceba a contradição, concluíram que fazia mal à saúde.

Como algo que não existe pode fazer mal a saúde? – Perguntavam-se os magnetizadores, sem resposta. Indignado o Marquês de Puységur, discípulo dedicado de Mesmer, escreveu aos participantes da comissão demonstrando a realidade da cura. Depois, escreveu suas memórias registrando os fenômenos extraordinários do sonambulismo provocado. Grupo de estudos e experimentações se espalharam pela Europa. Até que a Revolução Francesa roubou toda a atenção em volta para o sangue derramado.

VOLTA TRIUNFAL

No século seguinte, grandes nomes surgiram nessa nova ciência que se estabelecia, e o nome de Mesmer foi recuperado, como suas obras e conselhos. Continuou Puységur, surgiram Deleuze, Lafontaine, Alfonse Cahagnet, Ricard, Barão Du Potet e muitos outros que abriram novos caminhos.

Quando Hippolyte Rivail chegou a Paris, na década de 1820, o Magnetismo estava estabelecido e respeitado. Seu educador, Pestalozzi, havia recomendado o estudo da Homeopatia e Magnetismo Animal, ciências progressistas e espiritualistas. Rivali procurou o curso prático de Magnetismo do Barão Du Potet, o mais conceituado na época, autor de vários livros e um influente jornal. Foi fundamental para a futura pesquisa de Rivali ter iniciado suas pesquisas pela escola de Du Potet. Esse magnetizador era fiel ao postulado de Mesmer, considerava o fluido universal e a existência de um sexto-sentido que permitia a telepatia e outros fenômenos. Já havia, inclusive, suspeitas do corpo espiritual.

MESAS COM CÉREBRO

Quando Rivali foi informado pelo magnetizador Carlotti sobre as mesmas girantes, logo conclui tratar-se de um fenômeno natural, causado pela acumulação de fluido vital sobre o móvel. Deveria ser apenas um fenômeno físico, uma novidade, mas nada alarmante ou extraordinário, pensou. Porém, quando o entusiasmado italiano voltou a procurá-lo, anunciando que as mesas estavam sendo “sonambulizadas”, aí era demais! Rivali conhecia o sonambulismo em detalhes, era um fenômeno psicológico, envolvia a mente e suas capacidades desconhecidas. Agora, “sonambulizar” uma mesa? Sua resposta ficou famosa, e nem por isso bem compreendida: “Até provarem que uma mesa tem cérebro, prefiro considerar essa, uma história para boi dormir!”
Sabendo que muitos outros magnetizadores, sérios estavam estudando o fenômeno novo, as mesas girantes, Rivali foi conferir de perto, e percebeu que era uma nova descoberta, ninguém estava sonambulizando a mesa, ela estava sobre a ação de seres espirituais e não dos participantes com suas mãos estiradas sobre o móvel.

Todos os espíritas conhecem como a história continua, o avançar de sua pesquisa, a adoção do pseudônimo Allan Kardec, para a publicação de O Livro Dos Espíritos.

Poucos sabem, porém, que Kardec declarou muitas vezes que o Espiritismo não veio substituir ou suplantar o Magnetismo Animal. Considerou as duas ciências irmãs e complementares. No ultimo ano de sua missão, em 1869, escreveu : “O Magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duas ciências gêmeas, que se completam e explicam uma pela outra, a que não quer imobilizar-se não pode chegar ao seu complemento sem se apoiar na sua congênere. Isoladas uma da outra, detêm-se num impasse. São reciprocamente como a Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia”.

O recado de Kardec, quando o Espiritismo já lhe era completamente conhecido, é historicamente relevante em sua época, e também em nossa. O Magnetismo Animal não tinha como evoluir sem o apoio do Espiritismo. Mas hoje, No Brasil, os espíritas perderam contato com a ciência de Mesmer. Como fica, então, a advertência de Kardec sobre “imobilizar-se”, que ele frisou no texto original?

Magnetismo Animal é uma ciência dedicada à renovação da medicina, colocando-a nos trilhos do espiritualismo. Busca atingir as causas da doença, considerando os sintomas apenas efeitos. A Homeopatia, criada por Hahnemann tem como obra fundamental o Organon, livro em cujos parágrafos encontra-se uma recomendação de seu criador para associar os remédios homeopáticos ao passe magnético: “um presente de Deus aos homens”. Além disso, o Magnetismo propões a pesquisa do sonambulismo provocado, instrumento necessário para se estudar a alma. Em O Livro dos Espíritos a importância do fenômeno está declarada com clareza : “Para o Espiritismo, o sonambulismo é mais do que um fenômeno fisiológico, é uma luz projetada sobre a Psicologia. Nele que se pode estudar a alma, porque é nele que ela se mostra a descoberto.

ALMA E ESPÍRITO

Poderíamos dizer que o Magnetismo Animal estuda a alma (Espirito Encarnado), enquanto o Espiritismo pesquisa o Espírito (alma desencarnada).

Na primeira edição da Revista Espírita, em janeiro de 1858, Allan Kardec deixou bem clara a importante ligação entre as duas ciências, convocando os magnetizadores, dos quais fazia parte, para ombrearem o estudo das novas descobertas : “Quando apareceram os primeiros fenômenos espíritas, algumas pessoas pensaram que essa descoberta ( se pode dar esse nome) iria representar um golpe fatal no Magnetismo, e que ocorreria com ele como as invenções, das quais as mais aperfeiçoadas fazem esquecer a precedente. Esse erro não tardou em se dissipar, e, prontamente, se reconheceu o parentesco próximo dessas duas ciências.

FALAR DE UM E DE OUTRO

“O Magnetismo preparou os caminhos do Espiritismo, e os rápidos progressos dessa última doutrina são, incontestavelmente, devido a vulgarização da ideias da primeira. Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase, as manifestações espíritas, não há senão um passo; sua conexão é tal que é, por assim dizer, impossível falar de um sem falar do outro. Se devêssemos ficar fora da ciência magnética, nosso quadro estaria incompleto, e se poderia nos comprar a um professor de física que se abstivesse de falar da luz”.

E então conclui : “Devíamos aos nossos leitores, essa profissão de fé, que terminamos rendendo uma justa homenagem aos homens de convicção que, afrontando o ridículo, os sarcasmos e os dissabores, então corajosamente devotados à defesa de uma causa toda humanitária. A posteridade lhes fará justiça; colocará o nome do Barão Du Potet, diretor do Jornal do Magnetismo, do senhor Millet, diretor da União Magnética, ao lado de seus ilustres predecessores, o marquês de Puységur e o sábio Deleuze. Graça aos seus esforços perseverantes, o Magnetismo, tornado popular, colocou um pé na ciência oficial, onde dela já se fala, em voz baixa. Essa palavra passou para a linguagem usual; ela não espanta mais, e quando alguém se diz magnetizador, não lhe riem mais ao nariz”.

*PAULO HENRIQUE DE FIGUEIREDO é pesquisa o Espiritismo eu Magnetismo Animal há 25 anos, é autor do livro Mesmer, a Ciência Negada e os Textos Escondidos e coordenador editorial da revista Universo Espírita.

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