A dúvida de Flammarion

Paulo, do http://www.entrefatoseacasos.org/

Uma análise superficial dos pioneiros do espiritismo, pode dar a falsa impressão de que a convicção desses iniciadores era sólida e baseada em fatos mediúnicos indiscutíveis. Muitos acreditam inclusive que os fenômenos eram muito mais objetivos que os obtidos nas reuniões mediúnicas atuais. É certo que a maioria apresentava postura muito rigorosa na seleção dos médiuns e fenômenos, por isso a divulgação de casos bem claros.

As vezes no entanto, os adeptos ficam surdos para análises críticas e contestação de paradigmas feitos por quem critica “de fora”. “O espiritismo não é da alçada da ciência”, dizem, como se não houvessem opiniões científicamente bem embasadas e conhecimentos interdisciplinares, que habilitam quem estuda e portanto critica. Isso parece muito mais a defensiva de uma postura que quer indispor à discussão. Vemos isso claramente quando os adeptos “dissidentes” são taxados de perturbados ou obsedados por tratar os fatos espíritas de forma cientifica, ou seja, da mesma forma que é inerente à natureza de qualquer ciência, observar mais dúvidas que certezas.

Parece ter sido o caso de Camille Flammarion, que não foi somente um grande teórico da Sociedade de Paris, como também um médium muito importante para as pesquisas de Kardec.

Um excelente estudo biográfico sobre Flammarion foi realizado por Jáder dos Reis Sampaio, disponível aqui. (Também publicado no Nova Era. Leia:  Saudemos o mais polêmico dos espíritas)

Nesse estudo encontramos alguns trechos traduzidos dos originais em Francês, que demonstram a dúvida desse cientista:

“Eu não demorei a observar que as nossas comunicações mediúnicas refletiam simplesmente nossas idéias pessoais, e que Galileu por mim, e que os habitantes de Júpiter por Sardou, são estranhos a estas produções inconscientes dos nossos espíritos”

É interessante observar que mesmo no caso do próprio médium negar a origem espiritual das mensagens que foi instrumento, ainda assim essas idéias são tratadas indiscutivelmente, como revelação inquestionável.

Essa postura crédula da maioria dos adeptos também incomodava Flammarion, tanto que negou assumir a presidência da Sociedade de Paris por esse motivo:

“O comitê me ofereceu suceder a Allan Kardec como presidente da Sociedade Espírita. Eu recusei, dizendo que nove décimos dos seus discípulos continuariam a ver, durante muito tempo ainda, uma religião mais que uma ciência, e que a identidade dos “espíritos” estava longe ainda de ser provada.” (FLAMMARION, Mémoires biographiques et philosophiques d”un astronome, 1911. p. 498, grifo nosso).

“Há espíritas de uma fé cega, que estão certos de estar em comunicação com os espíritos. Não há argumentação entre eles. Estes não me perdoam de não partilhar de forma alguma de suas certezas, que se tornam crenças religiosas em suas casas. Mas há entre estes, outros que compreendem que apenas o método científico nos pode conduzir ao conhecimento da verdade. Estes se tornaram meus amigos” (FLAMMARION, idem, 1911. p. 239, grifo nosso).

Vemos claramente diferentes posturas perante os fatos, que ainda hoje é bem visível. Simplesmente dizer que os mais céticos não entenderam bem o espiritismo, pode não ser a postura mais prudente. Certamente Flammarion duvidou da explicação para todas as coisas que se propõe o espiritismo kardequiano, pelo próprio exemplo que seguiu em sua vida científica que, humildemente, sabe da gota que conhece e do oceano que ainda tem por conhecer.

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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