A gnosis espírita
Durante doze anos de profícua e exaustiva atividade, o Professor Rivail legou à Humanidade o esboço e a concretização de um novo modus operandi para a análise e sistematização da comunicação com os Planos Invisíveis. Sua posição de homem de ciência e seu estofo intelecto-moral foram decisivos para que a tarefa, ainda que abreviada pela questão física de seu desencarne, pudesse promover um verdadeiro salto quântico em termos do tratamento e compreensão das questões inerentes ao Espírito. A Era do Espírito, portanto se materializou em plenitude, por meio de uma taxionomia, hermenêutica e metodologia próprias, que tangenciaram todo o trabalho de Kardec – e, também, de certo modo, à pesquisa que os pioneiros da Ciência Espírita, contemporâneos do Mestre Lionês, puderam, a seu turno, empreender. As bases, sólidas e permanentes, tinham sido lançadas.
Allan Kardec divisou o substrato da permanência das ideias espíritas, quando afirmou, com supedâneo na orientação emanada das Inteligências Superiores Desencarnadas, que o Espiritismo deveria zelar pela construção do seu conhecimento, de modo a permitir o diálogo com as ciências e filosofias de todos os tempos, assim como acompanhar e selecionar, com igual zelo, as novas comunicações fruto do intercâmbio medianímico com os mesmos e outros espíritos que comparecessem às reuniões mediúnicas ou se aproximassem individualmente de criaturas com destacadas faculdades espirituais. Era preciso que a produção espírita continuasse a ser numerosa e, também, qualitativa, porquanto a curiosidade do homem contemporâneo levaria a novas indagações e novas incursões em temas e áreas que, pela limitação do contexto cultural vigente à época do Professor Francês, ainda não permitiam qualquer vislumbre de conceitos e explicações.
O ser encarnado, o espírita e cada uma das instituições espiritistas, de per si, contudo, em sua enorme maioria, se distanciaram bastante das orientações e premissas trazidas por aquele notável Homem de Ciência. A necessária vigilância para a observação dos relatos de origem metafísica, já com a adequada configuração segundo os parâmetros espíritas, foi descurada, muito pela inexistência de pessoas interessadas em aferir-lhes os caracteres intrínsecos e de os compararem com o edifício kardeciano. Tal qual a parábola de origem evangélica, atribuída a Jesus de Nazaré, o Sublime Peregrino, o Rabi Pescador de Homens, muito joio grassou surgir e permanecer junto ao trigo da produção mediúnica. Mesmo assim, em face do exercício do livre arbítrio humano, repisa-se a tarefa individual e indissociável da seleção pessoal, com o progresso e a bagagem de cada ser atuando como elementos de aferição das mensagens segundo os referenciais fundamentais da lógica e do bom senso, outras balizas referenciais do notório e reconhecido trabalho de Rivail, em atenção ao prudente conselho de Erasto, para que a eventual aceitação das “mentiras” não suplante a das verdades. Desta feita, cabe ao espírita atento e interessado ler tudo, examinar tudo e deste todo extrair a melhor parte, para si e para a própria Doutrina Espírita, que se complementa e atualiza a cada passo dado pela Humanidade na direção do progresso infindo.
Para ser permanente, então, e estar conforme os “novos tempos” em que os inegáveis avanços científicos alcançam povos e terras de todo o Planeta, deve o movimento espírita promover, sob a chancela do Insigne Codificador, duas rotinas desejáveis e que se conciliam entre si: a primeira, a de dialogar com as ciências e os ramos do conhecimento humano, a fim de perceber em cada uma delas os avanços significativos; e, a segunda, a de promover, sempre e quando necessário a atualização dos conceitos e fundamentos espiritistas, avaliando-os entre si e em consonância com os sete princípios básicos que informam e fundamentam a Doutrina Espírita: Divindade, Espiritualidade, Comunicabilidade (Mediunidade), Pluralidade das Existências e dos Mundos, Progressividade e Liberdade (livre arbítrio).
Se reconhecemos a pujança daquele solitário homem – que tinha como companhia inseparável e afetuosa escora sua Amelie – a descortinar os horizontes da Espiritualidade, com inegável maestria e desenvoltura, não podemos erigir-lhe totens ou rituais de homilias, porque ele, como qualquer homem, mesmo aqueles à frente de seus tempos, esteve circunscrito à rotina e aos conteúdos do contexto de sua época. Por mais preparado espiritualmente que estivesse, era um espírito humano, encarnado e, como tal, sujeito a erros de convicção e de ação, derivados seja de sua (ainda) não completa percepção e compreensão de todas as coisas, seja da inequívoca influência do caldo cultural, mesmo intelectualmente bem desenvolvido para a época, em muitos setores e as limitações contextuais existentes que só o decurso do tempo poderia resolver. Preconceitos e atavismos, por conseguinte, mesmo diante da estatura intelectual e moral que ele possuía – e possui – foram verificados, e estando ainda presentes no arcabouço total de sua obra. O futuro que viria adiante, já no caso tornado presente em face do hoje, deveria contemplar o esforço sincero e operante dos espíritas da atualidade para permitir as necessárias e pontuais revisões da Grande Obra, a Codificação, dando-lhe, na prática, o status de Ciência que se renova constante e paulatinamente.
Vencer este grande preconceito que figura entre muitos espíritas, de considerarem intocável a obra do Mestre Francês é a tarefa daqueles que se envolverem nas atividades de pesquisa e reestudo dos próprios conteúdos espiritistas. Não há limites para a Pesquisa Espírita e não há reservas de conhecimento, nem mesmo dentro dos chamados elementos principiológicos da Doutrina dos Espíritos. Constatando-se que possam estar “em erro”, como mesmo vaticinou Allan Kardec, devem ser os espíritas estudiosos, com supedâneo nas próprias atividades de investigação e recodificação, os primeiros a proclamar: o Espiritismo permanece em marcha!
Ao trabalho, pois, amigos, porquanto nós estaremos juntos nestas tarefas!
Herculano
Recebida por inspiração, por Marcelo Henrique Pereira, em 16 de julho de 2013.