Crônica: \”A foto oficial\”

Por Manoel Fernandes Neto

Aquela mãe iraquiana teve dúvidas antes de abordar o soldado que fazia prontidão defronte à Casa de Detenção. Como solicitar ajuda para uma simples imagem, diante de alguém com responsabilidades tão rígidas? O uniforme, o fuzil último tipo, a pose incontinente.

Não era possível. Era quase certeza de que a resposta seria negativa. Aquela mãe iraquiana era capaz de compreender que aquele soldado estadunidense não ficaria sensibilizado sobre como fora agonizante a ausência do filho em casa. Sua companhia, suas palavras de apoio em um momento tão difícil pelo qual passava o país. Como os dois haviam estreitado sua ligação depois da guerra. O soldado, ela tinha razões para saber, não perderia seu tempo oficial para uma atitude daquelas. Ele não poderia compreender que o filho fora detido injustamente e que nenhum filho diante de uma mãe é culpado.

Mas os momentos da libertação foram se aproximando, a burocracia foi se dissipando, papéis eram verificados inúmeras vezes e ela ainda não havia se decidido a pedir ou não o favor para a foto que guardaria como um dos momentos mais felizes de sua vida, mesmo com todo o recente dissabor.

Tirou a máquina fotográfica que trazia guardada entre os trajes e em lugar seguro na sua casa. Ela a utilizava para registrar os momentos felizes que encontrava no dia a dia, mesmo diante de toda a destruição. Aquela mãe iraquiana tinha plena convicção de que o sofrimento um dia cessaria, por que sabia que sofrimentos um dia acabam; que as lágrimas um dia param de cair; que a saudade e a dor são provisórias. Sim, naquele dia da libertação do filho ela tinha plena certeza de que a dor e a melancolia não são sentimentos permanentes, mas breves manifestações do Universo, para nos proporcionar crescimento, aprendizado e progresso.

E foi com esta certeza no coração que viu o filho surgir na porta da prisão. Livre como fora educado numa rua simples de Bagdá. Livre na certeza de continuar a seu lado, acreditando em um País em Paz e Harmonia. Mais alguns passos e lá estava ela nos braços dele, que a acolheram, a consolaram e apaziguaram seu coração de mãe que nada mais lembrava naquele instante, que mal compreendera os gestos em sua direção vindos daquele soldado que apontava para a sua máquina, esquecida em uma de suas mãos.

Foram dois ou três cliques que ela jamais vai esquecer. Foram dois ou três cliques enquanto ela ainda abraçava o filho. Foram dois ou três cliques que eternizaram, em uma única imagem, a falta que o filho lhe fez.

Hoje, quando olha a foto na cabeceira da sua cama, ela é só agradecimento pelo autor da imagem, um soldado do qual ela não teve tempo nem de descobrir o nome; ah, sim, com certeza, ele deve ter filhos, família, saudade.

Um soldado que deve saber a importância de uma imagem dessas para uma mãe, seja qual for a nacionalidade, a religião ou o contexto.

Ela tem essa certeza enquanto admira a foto oficial da liberdade de seu filho, exposta na cabeceira da cama.

( Crônica escrita pelo jornalista Manoel Fernandes Neto, editor do portal Nova Era, para o boletim IVE)

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


Continue no Canal
+ Manoel Fernandes Neto