Devemos esperar pelos Espíritos?

Marcelo Henrique Pereira

Desde que Kardec inaugurou a sistematização do conhecimento espiritual, disciplinando a mecânica das comunicações e estruturando sistemas de aferição da veracidade das comunicações e da ética no processo de intermediação mediúnica, o mundo passou a entender melhor a Mediunidade, posto que já a conhecia desde tempos imemoriais.

Sim, meus amigos, já dissemos em outros momentos: a Mediunidade não é “patrimônio” do Espiritismo – mesmo aquela que obedece à rigidez estabelecida por Kardec para a seleção das mensagens e a demonstração de sua validade para o conhecimento universal, incluindo-se aí a questão da permanência das “revelações” espirituais, no curso do tempo, tendo em vista que o contexto, o cenário e as próprias inteligências desencarnadas consultadas, bem como o nível de entendimento dos encarnados, passaria pela fieira evolutiva. Assim, temos determinados contextos escritos na segunda metade do século XIX que estão defasados, desatualizados e cientifica ou filosoficamente incorretos, uma vez que pertencem àquele quadrante temporal e as percepções, tanto dos homens quanto dos Espíritos que vêm dar informes, são distintas. Tudo evolui!

Este “caminho” pavimentado com dificuldade e praticamente sozinho por Kardec deveria ter sofrido melhorias e complementações. Há quem diga que, posteriormente ao desencarne do professor francês, outros pesquisadores enveredaram a escrever suas percepções (anímicas ou por intuição de mentes invisíveis) e outros médiuns deram azo à comunicação de outras ideias, ditas complementares ao contexto preliminar cognominado por Codificação Espírita. Aqui, abro um parênteses para considerar, diversamente, da maioria, um contexto maior que inclui tudo aquilo que Kardec sistematizou ou produziu, afora os “decantados” cinco livros “básicos” (que, alguns cunharam e a maioria gostou de repetir, “Pentateuco Espírita”, para coincidir a obra lionesa com os cinco pesados e antigos volumes atribuídos a Moisés. Equivocada e desnecessária “comparação”. A obra de Kardec é monumental não só no conteúdo, mas na essência e na extensão, posto que, por exemplo, só os doze volumes (esquecidos) da Revue, já dariam muito mais amplitude àquilo que está nas obras “fundamentais”. Por falar em fundamental, é bom resgatar o que o próprio Kardec teria dito da sua “produção literária”, considerando que, para qualquer neófito, importaria conhecer três das “principais” obras: O que é o espiritismo, O livro dos espíritos e O livro dos médiuns, sendo as outras, variações, diversificações, complementações do contido nesta trinca fabulosa.

Mas, vamos voltar ao tema essencial deste ensaio: “Devemos esperar pelos Espíritos?” Como assim? Esperar o quê? Esperar p´ra quê? Qual o contexto?

Vamos dividir as respostas em dois blocos. Peço paciência para que o entendimento possa ser completo, ao final.

Numa primeira vertente, vou enquadrar o continuum espírita que, para mim, continua “deixando a desejar”. Se, por um lado, temos uma profusão – nunca antes vista na história desse país (ou do mundo) – de obras ditas “espíritas” (e me perdoem os puristas, vou enquadrar aqui tudo o que tenha alegadamente origem medianímica e tudo o que trate de questões transcendentais, a partir das premissas estabelecidas no conteúdo kardeciano). Não vou ficar, aqui, fazendo seleções ou amostras. Para mim, tudo é ESPIRITISMO, desde que, é claro (pode não parecer para muitos) não se “avacalhe” a contextura principiológica da Doutrina dos Espíritos e não se avilte aqueles que são, reconhecidamente, pela própria cátedra de Rivail, os PRINCÍPIOS BÁSICOS DO ESPIRITISMO. Como este, também, é um ensaio didático, vamos a eles: DIVINDADE, ESPIRITUALIDADE (EXISTÊNCIA DOS ESPÍRITOS), IMORTALIDADE, EVOLUTIVIDADE (EVOLUÇÃO), COMUNICABILIDADE, PLURALIDADE (DOS MUNDOS HABITADOS E DAS EXISTÊNCIAS – REENCARNAÇÃO). Sete princípios, pois. Fugiu de um deles, não é ESPIRITISMO.

E, como não sou “purista” nem “puro” (de pureza doutrinária), entendo que há na produção anímica ou mediúnica (desde a intuição até a psicografia) muita coisa relevante e oportuna, ainda dentro da esfera da OPINIÃO DOS ESPÍRITOS sobre situações do mundo físico e do mundo extrafísico. Minha homenagem, aqui, a duas referências neste processo: a Chico Xavier que foi e é, ainda, a maior fonte de produção textual mediúnica pós-Kardec e a Herculano Pires, “o metro que melhor mediu Kardec”, segundo Emmanuel, que teria alcunhado o primeiro como “o ser interexistente”, isto é, aquele que vive (e como vive!) ao mesmo tempo em dois mundos, tal a plenitude e a desenvoltura como transitou no plano da matéria e no Mundo dos Espíritos.

Sim, dirão alguns, há muita “porcaria” por aí, num estilo de “arrebanhar” a atenção e o interesse dos incautos e dos invigilantes (sic.). Ou, como já ouvi, em corredores federativos, que há editoras apenas interessadas em lucrar, em arrecadar, mais e mais, e por isso, “dane-se o conteúdo; basta uma capa multicolorida, um acabamento especial, uma foto de capa chamativa, alguns dizeres promocionais e vende feito uva”. Palavras da salvação! Ora, Senhores… Desde os bancos escolares, na faculdade de Jornalismo e depois na de Direito, sempre ouvi os mestres dizerem: “vende porque existe público”. Nada diferente disso. As pessoas se movimentam em face de interesses e ninguém muda isso senão o próprio ser, quando amadurece, quando modifica seu teor vibratório, quando seleciona (melhor) suas companhias físicas ou espirituais. As tentativas seculares de “tolher” as liberdades, de “enquadrar” o pensamento, de “selecionar” ou “padronizar” conceitos ou comportamentos foram todas um fracasso, dignas de figurarem no panteão da escuridão ou, como alguns amigos espiritistas (que respeito mas não concordo) alcunham de “trevas”, “trevosos” ou coisa que o valha.

A seleção, caríssimos, deve ser particular, própria, individual e INTRANSFERÍVEL. Ela se assemelha às outras escolhas que fazemos: um programa para fazer nas horas vagas, um filme para assistir no cinema ou em casa, uma modalidade esportiva (até mesmo aquelas cujo objetivo seja “surrar” até quase à morte determinado “opositor”), os prazeres, os alimentos, a bebida e, até, outras “atrações” desta vida cada vez mais diversificada. É como se disséssemos a cada ser: – Viva! E faça escolhas, mas não esqueça de que todas as escolhas terão repercussões. E estejas preparado para assumir as responsabilidades e as consequências de cada uma das escolhas. Simples assim!

Então, para fechar este primeiro bloco, vou dizer que não me incomodo nem um pouco de chegar em uma livraria, banca, feira do livro ou folhear catálogos impressos ou “navegar” pelas páginas das distribuidoras e editoras, assim como receber, diariamente, “anúncios” de livros, novas obras, reedições ou “promoções”, em que, a princípio, pela minha experiência de leitura e seleção, por honra à formação doutrinária (difícil e penosa, pela constância aos grupos de estudo e debate e pelas horas de leitura, feitas até mesmo no trajeto do coletivo de casa para a escola, ou trabalho, e vice-versa – experiências que fornecem conhecimento e visão de conjunto e que nada consegue superar), eu possa (reservadamente, cá com meus botões) colocar senões (pessoais) a este ou aquele título, a este ou aquele médium (em virtude da produção mediúnica que eu conheça, por ter lido e avaliado) ou aos espíritos (?) comunicantes que assinam este ou aquele título. Eu tenho os MEUS CRIVOS, que são resultado do dito acima. Mas não vou, nunca, impô-los a outrem, nem publicar releases ou fichas de leitura (coisa antiga, isso, não?), desqualificando ou desaconselhando a obra, o médium ou a autoria espiritual alegada. Não mesmo! Cada um que faça o mesmo percurso (ou similar), que estude, que pondere, que compare. Aliás, não foi isso que o Mestre Kardec fez e ensinou a fazer, sob a batuta do atento Erasto (“preferível rejeitar nove verdades do que aceitar uma só mentira”)?

Aos companheiros que já me perguntaram – até oficialmente – sobre a produção de um “roteiro”, de uma “orientação geral” às livrarias, instituições espíritas e distribuidoras de livros ou, até, ao próprio público leitor interessado espírita, eu sempre respondi e respondo negativamente. Tarefa impossível e inaceitável, do ponto de vista da própria diretriz de Kardec. É preciso tudo sopesar, avaliar, analisar, sem que outrem o faça por vocês.

Dou-me ao direito de, apenas, uma única exceção à regra acima: o fato de alguém, com o livro na mão, ou já tendo demonstrado interesse no mesmo, vier me perguntar: – Marcelo, você já leu este livro? O que me diz dele? O que sabe do médium ou do autor, assim como do eventual espírito (ou espíritos) que assinam a autoria intelectual da obra? Neste caso, se eu tiver lido (não sou, é claro, um devorador contumaz de obras nem uma enciclopédia ambulante), eu poderei dar a MINHA OPINIÃO, com as ressalvas de que será a MINHA VISÃO, conforme os meus conhecimentos. Nada definitivo, prescritivo ou sancionador ou desabonador de qualquer obra, portanto.

No segundo quadrante do texto, vou me dedicar à ESPIRITODEPENDÊNCIA dos espíritas. Como? Sim, é isso mesmo. Dependência dos Espíritos para a realização das modificações, das mudanças, das transformações ou, pasmem, das simples tarefas do dia-a-dia. No fim da década de 80 eu participava de uma instituição. Numa reunião mediúnica, a dirigente assim se expressou: – Meus irmãos, nós estamos pensando em pintar a nossa casa espírita. Vamos consultar os mentores para ver se eles desejam (!) que seja pintado de branco ou se podemos utilizar outra cor, como alguns irmãos estão sugerindo. E ela se “concentrou” e recebeu dada entidade que disse: – Branco! E, após o assim seja, foi assim feito… Não é chacota, não é invenção, muito menos desrespeito com as personalidades (físicas e espirituais) que participaram desse episódio histórico… É a realidade…

E assim eu continuo vendo, aqui ou ali, a IMPERIOSA NECESSIDADE que têm os encarnados de “ouvirem” os Espíritas, de receberem deles, quase sempre, o “puxão de orelhas” no sentido de corretivo, de censura, de admoestação, porque NUNCA nós estamos (ou estaremos) prontos… Nós estaremos constantemente evoluindo e é natural que alguém que esteja bem mais à frente, venha corrigir e orientar certos procedimentos. Quanto a isso, nenhuma dúvida. Isso ocorre em todos os cenários da nossa vida (e nem sempre por parte daqueles que estão, de fato, intelectual ou moralmente na vanguarda, mas ocupam posição superior nos contextos existenciais: família, escola, trabalho, etc.).

O problema desta ESPIRITODEPENDÊNCIA não se limita às quatro paredes de uma instituição espírita (lembrando o episódio acima enquadrado, qual o reflexo direto e imediato da cor colocada nas paredes para a Humanidade?). O que assusta é o fato de que a grande maioria dos espiritistas fica esperando a manifestação, ainda que mediunizada ou declaradamente inspirada (tomo a liberdade de “duvidar” ou de “desejar aferir” se se trata mesmo de uma comunicação SÉRIA, como apresentou-nos Kardec em relação ao exame e à seleção da produção mediúnica, quando, por exemplo, trata do Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos ou quando estabelece prodigiosos comentários em relação à antiga prescrição bíblica “provai e vede se todos os espíritos são de Deus” ou quando exemplifica, por meio das mensagens apócrifas, que a assinatura ou o estilo “rococó”, rebuscado e mui belo, no conteúdo de uma página dita medianímica, pode ser um embuste, uma farsa, um gracejo ou resultar, unicamente, da pouca instrução de um Espírito que, POR AFINIDADE VIBRATÓRIA, se aproximou de dado ambiente e entrou em sintonia com o “aparelho”, médium. Novidade nisso? Não creio… Isto acontece TODOS OS DIAS, e eu posso me recordar das “n” vezes em que ouvi ou li sobre situações em que o dirigente ou o mentor do trabalho exortava: – Vigilância! Equilíbrio! Elevação de vibrações! Melhorar (equalizar) a sintonia! E por aí afora…

Agora mesmo, em que o nosso país, tão pacato, tão pacífico, tão “coração do mundo”, tão “pátria do Evangelho”, é palco de inúmeras e sequenciais (talvez, intermináveis, dentro de um dado contexto temporal, pois é claro que não durarão, como não duraram em outros tempos, aqui, ou em outros locais, no contexto de outras sociedades) e de alguns abusos, com violências, agressões, depredação e vilipêndio de patrimônios públicos e privados, vez por outra leio (nas redes sociais ou listas de emails) ou escuto dos próprios espíritas: – O que os Espíritos nos dizem sobre isso? O que devemos fazer? Meu Deus, será que os Espíritos nos abandonaram? E por aí afora…

Meu Deus! – digo eu… Será que vamos continuar “terceirizando” a solução para os nossos próprios problemas? Será que vamos continuar atribuindo aos OUTROS (desencarnados, obreiros, que nos assistem, ou encarnados, em virtude de seus cargos ou posições mundanas, capazes de provocar as mudanças, por tentar colocar “tudo nos eixos” novamente) a responsabilidade pelo FAZER? Será que vamos “crer” (fé raciocinada?) que os Espíritos que estão por toda a parte e que, no dizer da obra primeira, influem nos acontecimentos da vida ao posto de que “não raro nos dirigem” é algo titerítico, como se fôssemos marionetes a serviço ou sob a dependência deles? Não!

Evidente que eles (principalmente os mais evoluídos, despertos, preocupados e envolvidos nas situações da vida física, pelos encargos que assumiram em relação a nós, encarnados, individual e coletivamente) estão acompanhando as diversas situações – não só no nosso Brasil-varonil, mas em diversas outras localidades deste e dos outros mundos habitados, com preocupação e denodo. Os Espíritos que assistiram Rivail foram categóricos em afirmar que, pela categoria dos interesses se mensuraria a atração e a proximidade dos Espíritos, de modo que assuntos fugazes e triviais, situações de mera materialidade não iriam despertar a atenção dos Espíritos evoluídos, mas apenas daqueles que ainda se comprazem com situações de baixa ou mediana claridade.

Eles, os Espíritos estão, com certeza tudo observando. E se aproximando das pessoas (encarnados) de acordo com a Lei das Afinidades. Assim, com muita franqueza, posso dizer que numa pequena concentração de homens e mulheres “baderneiros” que deseja atear fogo em um veículo, haverá uma multidão igual (ou até maior) de desencarnados, “atiçando” e se locupletando (espiritualmente, pelos prazeres psíquicos) por aquele fato ou ato. Assim como dentre aqueles que estejam defendendo “melhores dias”, com equilíbrio e discernimento, aqueles que não sejam movidos pela motivação do “quanto pior melhor” ou do “atiremos todas as pedras” ou do “nada presta, nada deve subexistir”, os que desejam um país melhor, com EFETIVA JUSTIÇA SOCIAL, com respeito às instituições e aos valores e princípios públicos, a correção e a aferição em relação aos desmandos e a punição exemplar dos responsáveis (veja-se, a respeito, a parábola do Escândalo Necessário, em O Evangelho) uma multidão de Bons Espíritos estará lhes acompanhando. Novamente, aqui, como na situação bem acima, dos livros espíritas, é a AFINIDADE e a SIMILITUDE DE GOSTOS, PENDÊNCIAS E PENDORES estará a determinar a união ENTRE os Espíritos.

Ao invés de ficarmos, como em tempos outros, em que estagiamos em seitas e cultos de fé baseados na contemplação, na oração e nos petitórios, aguardando “soluções mágicas e mirabolantes” por força da intervenção dos ESPÍRITOS SUPERIORES nos acontecimentos da vida, sejamos nós os AGENTES TRANSFORMADORES, cada qual em seu “quintal”. Sejamos nós os fomentadores das boas ideias, das críticas verdadeiras e pontuais, da disseminação de valores, seja em teoria (inicialmente a parte que desperta nos outros o desejo de prosseguir junto) como na prática, na ação que arrasta os corações e as mentes no sentido da mudança qualitativa.

Evidente que como Espírita, não vou olvidar o poder das vibrações, das sintonias coletivas, a ação eficaz da prece enquanto elemento motivador de condutas, a partir da associação produtiva, ética e construtiva entre as INTELIGÊNCIAS (encarnadas e/ou desencarnadas). A manipulação das energias, de efeitos vários e poderosos é estudada pelos Espíritas de todos os tempos e tem capítulo especial dentro da obra kardeciana. Mas ela, a prece, ou a exortação ou cátedra dos Espíritos desencarnados, em instrução a nós outros, de maneira geral ou “provocada”, quando o médium ou um interlocutor deseja saber o que os Espíritos têm a nos dizer, não pode substituir a AÇÃO CONSCIENTE, PRÓATIVA, PERSEVERANTE E CONTÍNUA na direção do BEM.

Não, não devemos esperar pelos Espíritos! Devemos fazer a parte que nos cabe. Agora!

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


Continue no Canal
+ Marcelo Henrique