Dinossauros da Modernidade
Marcelo Henrique
Inicialmente, gostaria de dizer que este texto não tem qualquer caráter de ofensa ou agressão. O tom jocoso de seu título, por oportuno, deve remeter-nos à análise, discussão e ação, tão necessárias em nosso tempo, quanto o foram à época dos primeiros trabalhos de Kardec na compilação e codificação do Espiritismo nascente.
É conhecida a trajetória evolutiva de nosso planeta, com base nos registros arqueológicos, descobertas científicas (paleontológicas) e relatos históricos. Os dinossauros foram criaturas ancestrais, gigantescas, que desapareceram da face da Terra (extinção) com o progresso humano. Tiveram seu tempo e espaço, mas sucumbiram por sua incompetência em manterem suas espécies, lutar contra seus predadores e as intempéries, cedendo lugar a outras, mais capazes e “espertas”.
De maneira análoga, no movimento espírita, também temos os nossos dinossauros. Pessoas que, invariavelmente, esquecem-se do caráter progressivo da Doutrina Espírita (principalmente porque há advertências e digressões do Codificador a este respeito), olvidando tanto as pesquisas e experimentos científicos gerais, quanto o próprio “laboratório” espírita, a mediunidade. Como deixaram de lado a prática mediúnica sob os moldes e a metodologia criada e difundida por Allan Kardec, quase sempre tais pessoas são vítimas de engodos, da influência de Espíritos inferiores (pseudossábios, conforme a classificação contida em O livro dos espíritos, itens 100 e seguintes), da interferência de ideias alienígenas ao corpo doutrinário e, se não bastasse, da estagnação que dogmatiza princípios ou idéias pertencentes à filosofia espírita, como se fossem verdades indiscutíveis e perenes.
Os dinossauros estão por aí, bem ao seu lado, na instituição que você frequenta. Se são meros participantes, dão de ombros em relação a eventos plurais, de debates, a explanação de companheiros que “fustigam” o debate e o livre pensar, que não são adeptos do “fornecimento” de “pratos-feitos”, tão ao sabor das massas que não “querem” saber de pensar, de gastar tempo, neurônios e dedos (para folhear livros ou consultar a internet), limitando-se a pensar “o que os outros pensam”. Fazem cara feia, quando a direção da casa abre espaço para os jovens (ou nem tanto), os cientistas, os líteros, os filósofos, os estudiosos… Dizem, até, que “conhecem de cor e salteado” as obras básicas, não se dando conta de que a “decoreba”, por si só (tais quais os nossos conhecidos colegas das religiões vigentes, que decoram capítulos, versículos e máximas evangélicas), não credencia ninguém ao conhecimento pleno. Isto sem falar que o próprio nome (“obras básicas”) se relaciona ao “básico”, que deve ser complementado com outras pesquisas e incursões intelectuais. Por outro lado, se assumem cargos diretivos ou administrativos e, pior, são guindados às posições principais da instituição (inclusive o cargo de presidente), agem de forma mais incisiva e se transformam, vez por outra, em “donos de centro”, dizendo o que “pode” e o que “não pode”, ditando regras de discussão e entendimento, conforme os “seus” pontos de vista, afastando, portanto, de pronto, qualquer possibilidade de contraditório e outras abordagens (teses).
Na maioria das situações, não agem de má-fé, nem são instrumentos “das trevas” (jargão que muitos gostam, até, de utilizar em relação àqueles que ousam “pensar diferente”). Fazem-no por necessidade de sobrevivência, em relação à perpetuação de si mesmos (no poder, na honra de serem reconhecidos pelos confrades, e na permanência das ideias que julgam ser as mais adequadas e corretas). E, neste afã, vão cometendo injustiças… Cada um de nós tem notícia de situações em que, aqui ou ali, este ou aquele companheiro, “deixou” a Casa, e procurou outra instituição “para trabalhar”. Ou, mais ousadamente, resolveu, com outro grupo, fundar uma instituição independente, passando a realizar atividades na rua ao lado, no mesmo bairro, na mesma cidade… Um antigo companheiro me dizia que é muito mais comum o surgimento de instituições espíritas “a partir de outras, pré-existentes”, por dissensão ou desentendimento, do que pelo espírito de iniciativa, de fundar um novo núcleo num bairro afastado ou numa cidade em que não haja, ainda, tal atividade.
Até quando os dinossauros do movimento espírita estarão por aí, “amedrontando” os que não pensem (ou ajam) como si, não se sabe… Talvez permaneçam longos e longos anos do novo milênio, ainda rosnando e vociferando contra aqueles que levantarem a voz para discordar, propor alternativas ou apresentar diferentes propostas. Isso, até serem “extintos”, ou, mais especificamente, que o próprio movimento, formado por pessoas, se modifique, evolua, e não aceite (mais) a intransigência do “sim, porque sim” ou do “não, porque eu estou dizendo”. Algo similar à própria ideia espírita de evolução planetária, em que, paulatinamente, os espíritos vão se melhorando e os que ficam para trás vão sendo substituídos, por ocasião da morte física, por outros mais adaptados aos “novos tempos”, sendo os anteriores encaminhados para outros mundos, mais peculiares ao seu próprio padrão espiritual. Ou, então, de modo mais positivo, “reciclam” ideias e percebem que devem mudar, adotando posturas mais conciliatórias, aderindo ao livre pensar (liberdade espiritual de pensamento), percebendo a riqueza do pluralismo e da diversidade para a composição do conhecimento espiritual.
Por enquanto, os dinossauros dominam o “mundo” espírita, ofuscando e sufocando aqueles que defendem a mais ampla liberdade de convicção, expressão e ação. Com o tempo e no curso do progresso, quem sabe com a sua ajuda e participação efetiva, eles possam se modificar, sujeitando-se aos liames das leis universais, neste e em outros mundos. E é bem provável que nós tenhamos sido, também, dinossauros em outras andanças…