Eu me lembro…
Sentíamos uma vontade irresistível de chorar. Não podíamos abraçar, beijar, tocar.
Marcelo Henrique
Sim, eu me lembro. Havia pranto, havia medo. Um sentimento de impotência diante de tudo. Uma sensação de que poderíamos não mais continuar nossas jornadas. O olhar se voltava, no horizonte perdido, para os mais queridos, os familiares, os amigos, os colegas de trabalho, os vizinhos.
Sentíamos uma vontade irresistível de chorar. Não podíamos abraçar, beijar, tocar.
Fomos postos em isolamento, em quarentena. Nossas rotinas se tornaram outras rotinas. As de ficarmos em casa, saindo apenas para o excepcional momento de recompor algum estoque de alimento ou atender alguém mais necessitado que nós.
Não havia trabalho, senão o remoto ou o de atividades essenciais.
Assistíamos, atônitos, todos, os noticiários nas mídias. E procurávamos, no bom senso, nos acercarmos de informações úteis, dicas de especialistas, conselhos oportunos. Lembro-me de dizer a alguém, por algum dispositivo de comunicação, que evitasse o sensacionalismo do momento e as notícias dos infortúnios que assolavam o planeta em função daquela pandemia.
Foi neste momento em que comecei a colecionar as boas atitudes que eu via ou que tinham chegado ao meu conhecimento:
* Bilhetes no mural dos condomínios, de pessoas que gratuitamente se disponibilizavam a fazer compras para idosos que não podiam se expor ao contágio;
* Acenos das janelas, na vizinhança, seguidos de diálogos em voz mais alta, para serem ouvidos, questionando se estavam bem ou se precisavam de alguma ajuda;
* Homens e mulheres, que tocavam instrumentos, ou aqueles que faziam de suas vozes os instrumentos, se postaram nas sacadas e nas janelas, para cantar canções de amor e paz;
* Profissionais de saúde ainda mais dedicados e zelosos, procurando atender com mais empenho e com uma dose de conforto e carinho, aqueles que procuravam os ambulatórios;
* Proprietários de restaurantes e padarias, disponibilizando-se a doar alimentos para os que não tinham condições de sair de casa;
* Empresas de tele-entrega de produtos diversos, alimentares e de farmácia, principalmente, sem majorarem preços para aproveitarem-se do desespero e do infortúnio;
* Pessoas que sequer conhecíamos, dispostas a um sorriso (sem apertos de mão, toques ou abraços) oferecendo solidária ajuda nos mercados;
* Profissionais da educação contatando os pais das crianças e jovens, oferecendo alguma ajuda para as tarefas e estudos programados, mas subitamente interrompidos;
* Colegas de profissão entrando em contato, até mesmo por grupos de mensagens, para oferecer a paz de espírito, uma mensagem de afeto, uma música, uma poesia e a disposição de servir;
* Gente de todas as etnias, credos, formações, culturas, nível econômico, origem, filosofia preocupado com o semelhante nesta hora ácida…
Não era um sonho. Tampouco era uma guerra entre inimigos. Era a provisória situação de todas as pessoas em todos os países.
E me lembrei de um jovem carpinteiro que numa ensolarada tarde junto ao Lago de Genesaré, havia composto o poema da vida, o das Bem-Aventuranças, destinando-o não a castas nem povoamentos, credos ou linhagens, mas a toda a Humanidade. E, quando, alguém daquela aglomeração feliz de homens e mulheres, perguntou ao Moço quem seria o próximo, e ele exemplificou – pois exemplos, mais que palavras, são insculpidos em corações e mentes – sobre o Samaritano.
Os Samaritanos estão, todos, identificados nos vários cenários que teci, a linhas atrás, na forma de atitudes desinteressadas. O Samaritano foi você, eu, fomos todos nós, que enxergamos na provação a hora do testemunho para nós mesmos.
E aquele Nazareno, ao fitar cada um destes nobres humanos, teria dito: quando fazes a cada um destes pequeninos, fazes a mim!
Já faz muito tempo que isto aconteceu, não é verdade? Não sei porque, hoje, me lembrei de tudo isto. Talvez seja aquele sentimento de nostalgia que vez por outra se instala em nós e nos toma de assalto. Os olhos marejam, o coração acelera, os poros se abrem para sentir todas as energias. Naquele tempo, em que a peste esteve entre nós – como em outros momentos da vida neste Planeta – o momento fez a ocasião, e as pessoas puderam deixar seus mundinhos íntimos e celebrar, por gestos e ações, a solidariedade que irmana os terrenos, filhos da mesma mãe Gaia.
Eu sei que você, também, se lembra, e as recordações, agora, te mostram onde tudo começou. Onde a Humanidade começou a progredir de fato, em espiritualidade e Aquele Reino, prometido pelo Moço, já começa a ser realidade.
Foi preciso que o mundo – e cada um de nós – plasmasse(m) a oportunidade para a mudança!
Nesta inigualável espiral do tempo, escrevo de 2060, no Brasil, feliz por ter vivido e superado, como vocês, aquela tormenta…
Quem sou eu? Apenas um menestrel…