Fake News Espíritas

Marcelo Henrique

2018 é um ano importante para a análise da influência das mídias sociais sobre o pensamento e a conduta dos brasileiros. Independente de eventuais preferências ideológicas – já que ninguém, de fato, é “tábula rasa”, possuindo, cada qual, uma bagagem de experiências e conhecimentos, desta e de outras existências – poucos são os que examinam notícias e publicações com “espírito desarmado”.

Não é que estejamos pregando neutralidade absoluta. Longe disso. Um velho e sábio professor de jornalismo, já me teria dito: “a imparcialidade na comunicação é uma saudável utopia”. Muitos dizem tê-la, alguns sonham com ela, mas ninguém a visualiza, nem experimenta, nas curvas das estradas da vida…

Kardec sempre se pautou pelo exame lógico-racional, construído a partir de suas atividades pedagógicas e ampliado a partir do concurso com as explicações transcendentais dadas por Espíritos – a quem não via, mas ouvia ou lia as mensagens produzidas. Faço este destaque porque a perspectiva me parece ser a mesma, posto que, pelas mídias sociais, não estamos “diante” das pessoas, mas de fatos, de notícias, de postagens ou manifestações de opinião, o que não nos permite, então, verificar a comunicação complementar, a gestual, a facial, a psicológica… Estes são elementos importantes para uma diagnose mais completa, mas a vida (de inter-relações) não é sempre ao vivo e a cores, sabemos…

Neste cenário legitimamente brasileiro, as FakeNews (notícias falsas ou fabricadas) ocupam um papel destacado. Distorcer, alterar os fatos, compor cenários, recortar pensamentos, ou, mesmo, produzir falsidades com a alteração de textos, imagens, áudios ou vídeos, exorbita o bom senso e ataca frontalmente os elementos de utilidade, verdade e bondade. Se a intenção é o que vale, em termos de análise espírita genuína, o objetivo (falsidade) é eivado, desde sempre, de criminalidade. O ordenamento jurídico de todas as nações desenvolvidas e democráticas os qualifica como calúnia, injúria ou difamação e aplica penalidades que visam resguardar a honra e a dignidade de quem seja atingido.

Podemos, entretanto, filtrar o escopo de análise deste tema e abstrair-nos das questões da política-partidária e das disputas eleitorais – em que segmentos afiliados a uma e outra corrente se digladiam – para buscar-lhe a aplicabilidade em termos do conhecimento espírita e espiritual. Ou seja, perguntar-nos-íamos: – Existem FakeNews Espíritas?

Contextualizando, precisamos definir o que é o Espiritismo e quem são os espíritas. Espiritismo é a Doutrina dos Espíritos, concebida a partir do intercâmbio entre dezenas de individualidades desencarnadas, que se manifestaram por meio de médiuns (encarnados) e aquele que organizou, sistematizou, perguntou, reperguntou, introduziu, comentou, ampliou, detalhou e concluiu (ufa!) o arcabouço de conhecimento espiritual sobre um sem-número de temas. E cujas informações obedeceram a um conjunto de PRINCÍPIOS BÁSICOS e que, necessariamente, foram confirmadas pela repetição de abordagens e convergência de manifestações, por espíritos distintos, através de médiuns diferentes, em locais e momentos igualmente apartados entre si. Espíritas, por extensão, são os que aceitam (entendem) tais princípios, buscam segui-los e submetem qualquer outra informação ao cotejo com a base, espírita, kardeciana.

Todos os dias, chegam-nos mensagens novas. Sejam por meio do veículo mediúnico (psicografia ou psicofonia), na forma de textos, livros, áudios e vídeos. A opinião dos desencarnados é elemento de destaque na prática espírita, remontando à época de Kardec (1857-1869), e tendo continuidade até desembocar nos nossos dias. E, do mesmo modo que no período em que o professor francês estava à frente deste movimento de ideias, década após década, expoentes do pensamento espiritista também se manifestam, por meio de entrevistas, palestras, conferências, mesas de debates ou artigos, via de regra. São pensadores espíritas, os quais se utilizam seja da produção textual seja da verbalização para dizerem O QUE PENSAM em alinhavo com os fundamentos da Filosofia Espírita.

Contudo, nem sempre, textos ou manifestações verbais são plenamente condizentes com os elementos que formam a Doutrina dos Espíritos. Há um componente de PESSOALIDADE que não pode ser descartado. E é comum as pessoas, sobretudo os neófitos ou os demasiadamente empolgados ou apaixonados pelo Espiritismo, confundirem uma e outra coisa. E, por vezes, aceitarem ou acatarem o que se diz ou se escreve COMO SE FOSSE Espiritismo, ou como se tivesse o mesmo referencial teórico estabelecido por Kardec, em consenso com as individualidades desencarnadas.

Não havendo, pois, o cotejo, o estudo comparativo, a abordagem sistêmica e aprofundada, as manifestações de médiuns, dirigentes, expositores e espíritos são apenas o que são, ou seja, OPINIÕES. E, por serem assim, acham-se submetidas ao Controle Universal do Ensino dos Espíritos – ou deveriam estar submissas a ele. Como não estão, elas podem ser caracterizadas como FakeNews Espíritas, tendo em vista que aparentam ser verdadeiras, mas não o são, porque incompatíveis, no todo ou em parte, com os axiomas espíritas.

É imperioso, ainda, lembrar a recomendação de Rivail, quando trata da exegese e da metodologia que levou à consagração de textos nas Obras Fundamentais, que os espíritas deveriam primar pelo estudo e exame das comunicações mediúnicas – assim como em face de qualquer manifestação do pensamento, anímica – para permitir o que ele convencionou chamar de PROGRESSIVIDADE DOS CONCEITOS ESPÍRITAS, situação que ainda permanece em branco, desde que o Codificador baixou à sepultura. Ou seja, de 1869 para cá, ninguém mais se “atreveu” a utilizar a sistemática estabelecida pelo professor francês, deixando a cargo do raciocínio individual e autônomo, a apreciação sobre qualquer informação TIDA como espírita.

Mas, poucos o fazem. Muitos permanecem ligados à ideia do maravilhoso e sobrenatural, maravilhando-se ante o “conceito” de mensagem mediúnica, de página inspirada, ou de consulta a “guias” espirituais. Empolgam-se ao dizer coisas do tipo: “Você viu o que o Espírito disse?” ou “Já viu a última palestra do Fulano?”. Ou, ainda, “No Congresso Tal, Beltrano falou isso ou aquilo”. Empolgados com a ideia da COMUNICABILIDADE, que deveria soar natural, já que somos espíritas e reconhecemos, na Mediunidade, o principal canal de aproximação entre as duas realidades, física e espiritual, muitos adeptos do movimento espiritista abdicam, sempre, do exercício do raciocínio lógico, que é (ou deveria ser) a marca que distingue os espíritas dos adeptos de qualquer crença, religião ou filosofia.

Por fim, o que fazer diante das FakeNews Espíritas? Eu diria, agir naturalmente. Realizar o exame (individual, ou coletivo, em grupos ou fóruns de debates), com base nas seguintes premissas, lidimamente kardecianas: 1) Os Espíritos (desencarnados) não são infalíveis. Eles se manifestam de acordo com o nível de entendimento que possuíam, ainda quando materializados, já que a condição de desencarnado não erige ninguém ao status de missionário, mensageiro espiritual ou arauto de luz; 2) Os médiuns são criaturas altamente falíveis e imperfeitas, mesmo que apresentem, aqui ou ali, padronagens que as diferenciem do homem comum, em termos de bondade ou humildade – ainda que esta última, francamente, seja algo bastante peculiar, já que a aparência pode não ser a essência e, em muitas situações, as pessoas desempenhem, apenas, papeis culturais ou sociais; 3) As instituições humanas são, igualmente, imperfeitas e falíveis, porquanto representam o somatório das individualidades que nelas se reúnem, razão pela qual, em termos de Espiritismo, não exista, como no Catolicismo, uma entidade oficial, centralizadora de poder e de conhecimento; 4) Os espíritas são livre pensadores e isto significa não só a máxima liberdade de se manifestarem e de realizarem estudos e pesquisas, como, também, a noção de que “ninguém é maior do que ninguém”, ou seja, não há a “última palavra” ou “palavra final” em termos de Espiritismo; e, 5) O conhecimento (ou os conhecimentos) são limitados circunstancialmente ao cenário, ao ambiente e ao quadrante temporal em que forem produzidos e poderão permanecer por algum tempo, até que sejam, tal qual os axiomas das distintas Ciências, derrogados por evidências, provas ou experimentos posteriores. Isto nos faz apear da ideia preconcebida de que temos “a” verdade e que a Filosofia Espírita tenha apresentado, de modo definitivo e permanente, a explicação sobre determinados temas.

Há que se valorizar o esforço de todos os que pesquisam e estudam. Há que enaltecer todos aqueles que se dedicam às inúmeras e diversificadas atividades espíritas. Há que reconhecer a intenção de bondade e utilidade com que pessoas, individual ou coletivamente, se dediquem a atividades, seja dentro ou fora de instituições espiritistas. E há que se qualificar como adiantados aqueles que, além das teorias, conseguirem empreender práticas fraternas na resolução das grandes questões e problemas de cada tempo e lugar. Mas isto não representará, em nenhuma circunstância ou hipótese, que devamos minimizar os efeitos de uma “mentira” dita como se fosse espírita, apenas para agradar alguns, ou porque é inofensiva ao olhar de outros (“que mal faz?”), ou, ainda, porque proveio de uma individualidade ou instituição que carrega a adjetivação espírita ou é reconhecida como tal, por seus pares.

O Espiritismo precisa avançar. E o avanço parte da premissa de que já nos consolidamos enquanto filosofia – entre nós, os seus profitentes – e que a postura de aceitação passiva, comum em agremiações religiosas, de todos os matizes, não é condizente com a proposta espírita de transformação, pessoal e social, a partir do exemplo valoroso de Kardec. O período de transição entre o religioso e o de regeneração social – seguindo a conceituação dada pelo próprio Codificador – inspira a cada um de nós no sentido de evitarmos e rechaçarmos a permanência das FakeNews Espíritas, sem qualquer intenção de banimento de pessoas ou instituições, muito pelo contrário, mas pelo convite diuturno de TUDO EXAMINAR, comparativamente, fazendo, enfim, o próprio Espiritismo, avançar!

Este é o convite para o Século XXI!

Este conteúdo não reflete, necessariamente, a opinião da Casa Espírita Nova Era.


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