Isha Upanishad: “Todo medo é, na realidade, uma rejeição à (sensação de) limitação”
Se há alguma coisa errada ou estranha com a vida, ou se sentimos que a vida é difícil ou que há sofrimento nela, o que é isso? Se adotamos um jeito de viver que pretende resolver isso mas parece não resolver, de novo, o que é isso?
Um dos ensinamentos mais antigos da Índia, do conjunto de sabedoria conhecido como os Vedas, oferece através do Isha Upanishad (datado de mais de 3 milênios), uma possível resposta definitiva para isso, embora não seja um texto fácil de ser entendido e capturado. Algumas vezes, no entanto, encontrarmos artigos sobre ele que ajudam a explorá-lo e entendê-lo, como esta abaixo do professor brasileiro de Simbolismo Védico, Patrick van Lammeren, articulista dos Cadernos de Yoga:
“A existência de um segundo, além de mim mesmo, resulta em uma sensação de limitação e um consequente medo. Todo medo é, na realidade, uma rejeição à limitação. E para tentar superar isto, concluímos que, diante do outro, é preciso ser melhor. Na vida de todo indivíduo, de uma forma ou de outra, ele se considera ser – ou acredita que precisa ser – especial em tudo, ou ao menos em uma única questão, que o faz ser diferenciado de forma positiva dos demais. Há uma conclusão do que ele é, e do que deveria ser, e então a vida se torna um projeto de superação. Porém, esta busca não tem fim. Ao considerar que precisa ser o melhor, no que quer que seja, o indivíduo está apenas consolidando a diferença entre si mesmo e o resto do mundo, e isto apenas aumenta mais ainda o medo. (…) (Mas,) se tudo o que existe é Consciência, então que ‘outro’ existe? O Eu que sou não é diferente do Eu de todos os outros seres e, portanto não há, de fato, outro. Se não há realmente um outro, qual a razão do medo? Sou capaz de ver a mim mesmo em todos os seres, em todo o universo. De acordo com a Isha Upanishad, Que ilusão e que sofrimento há para aquele que tem a visão da Unidade, na qual todos os seres são reconhecidos como sendo ele mesmo? (??. Up. 7) (…) Reconhecendo sua natureza como sendo o Ser Absoluto, diante do qual não existe outro, há a eliminação total do medo e do sofrimento, liberando o indivíduo.”
— Artigo “Narasimha – O Homem-Leão, Parte 2”, Patrick van Lammeren, em “Cadernos de Yoga, Edição 42 (2014)
Mesmo sendo mais didático o texto se baseia na visão da realidade última que o Isha Upanishad invoca, e que é o desafio humano do auto-conhecimento. “Ter a visão da unidade” é a percepção que extinguiria o medo, esse medo que parece ser comum à nossa existência humana. É preciso refletir se o medo que sentimos cria e/ou está refletido na constante busca por sermos melhores, na busca de superarmos os outros (e a nós mesmos) todo o tempo, como se a vitória sobre o medo viesse disso; e se for esse medo, então podemos tentar aprofundar a visão como propõe o Upanishad (e a explicação do Patrick). Como ser capaz de ver (de verdade) “a mim mesmo em todos os seres, em todo o universo“? Como entender e capturar a realidade que “o Eu que sou não é diferente do Eu de todos os outros seres“?
Conseguindo ou não capturar o entendimento dessa realidade, o texto oferece essa possibilidade de refletirmos sobre as causas de nosso andar e agir na vida, e de criar um aprofundamento sobre um medo subjacente, se assim percebermos.
O filósofo indiano Sri Aurobindo dizia que o Isha Upanishad “não era um veículo de instrução, mas de iluminação”. Ou seja, mais direcionado a criar um estado de compreensão do que a instruir o leitor a algum processo. Ele afirma também que o Isha Upanishad é um texto para pessoas já familiarizadas com conceitos contidos ali, para buscadores prontos a meditarem sobre a realidade última, mas quem quiser ler o texto completo, que é relativamente curto, segue dois links para traduções para o português: uma por Pedro Kupfer, e outra por Swami Prabhavananda.
Publicado originalmente:
http://dharmalog.com/2016/03/14/isha-upanishad-todo-medo-rejeicao-sensacao-limitacao/