Onde tudo começou
Galeria De Orleáns, Palais Royal
Por Cristina Helena Sarraf
Imagens selecionadas: http://www.historiaespiritismo.blogspot.com/
Como foi o lançamento de O Livro dos Espíritos? Quem recebeu o primeiro exemplar? Qual a reação de Kardec depois da obra ter sido publicada? Textos de Canudo Abreu respondem a essas questões e descrevem os acontecimentos de 18 de abril de 1857.
Já se passaram 150 anos desde o histórico 18 de abril de 1857. Para celebrar essa data, destacamos um livro pouco conhecido, mas de grande valor: O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, de Canuto Abreu, editado pelo Lar da Família Universal, em 1992. É uma obra valiosa e inesquecível, sobre a qual tenho feito inúmeros trabalhos e textos, pois descreve como foi o dia do lançamento de O Livro dos Espíritos.
Canuto Abreu apresentou o conteúdo dessa obra no discurso oficial de comemoração do primeiro centenário de O Livro dos Espíritos, proferido em São Paulo, em 18 de abril de 1957.
Por meio da narrativa de Canuto Abreu, vamos conhecer detalhes históricos interessantes: como os volumes vindos da gráfica foram recebidos na livraria do sr. Dentu, editor de Kardec; qual foi o destino do primeiro livro aberto; o encontro na casa do casal Rivail, reunindo diversas pessoas para comemorar a data. Entre os presentes estavam a família Boudin, cujas jovens, médiuns, colaboraram na produção de O Livro dos Espíritos; os amigos Carlotti e Fortier, que convidaram o Codificador para conhecer os fenômenos das mesas girantes; Japhet e sua filha Ruth, médium que colaborou na revisão dos textos que compuseram a obra; a sra. Plainemaison, em cuja casa Kardec começou a conhecer as mesas girantes; a jovem Ermance Dufaux, médium, que tornou-se colaboradora do Codificador após essa data; os casais Roustan, Clément, Canu, a sra. Cardone e a filha do sr. Carlotti.
COMEMORAÇÃO
Nessa reunião, além das justas homenagens a Kardec, e dos felizes presságios para os novos tempos que O Livro dos Espíritos inaugurou para a humanidade, houve um breve relato histórico feito pelo Codificador, de como e por que organizou essa obra e também seus agradecimentos a todos que o ajudaram, sobretudo às médiuns. Ele descreve seus sentimentos e sua necessidade de encontrar melhores condições de prosseguir o trabalho que começou, para conhecer e entender de forma mais ampla e profunda esse mundo de coisas novas que se abriu diante dele. E assim ele chegou ao lar dos Baudin e dos Japhet e conheceu um pioneiro do Espiritismo, o sr. Roustan.
Japhet e Roustan puseram a disposição de Kardec seus arquivos de comunicações mediúnicas, nos quais ele encontrou a confirmação das informações que vinha obtendo com as jovens Caroline e Julie Baudin.
TRABALHO EM CONJUNTO
Em O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, Canuto Abreu inseriu sucintas biografias de Kardec e de sua esposa, Amelie Boudet, demonstrando o alto valor dela no trabalho da Codificação.
Também relata conversas interessantes que acontecem na reunião, nas quais cada um fala de sua participação, direta ou indireta, nesse período que antecedeu ao lançamento do livro. Alguns participantes desse memorável momento contam como e por que colaboraram com o Codificador. Ficamos sabendo de fatos relevantes, nos levando a concluir que um grandioso plano espiritual foi juntando as partes necessárias para a sua concretização.
É o caso, por exemplo, dos Baudin, que adotaram o espiritualismo, e praticavam a comunicação com Espíritos através das mesas girantes, mesmo perseguidos pela sociedade. Ocorre que houve uma comunicação de um funcionário de Baudin, comandante de um dos seus navios, relatando um naufrágio, no qual morrera, assim como toda a tripulação, fato só oficialmente confirmado quatro meses depois.
O sr. Carlotti fala da transcendência e da originalidade O Livro dos Espíritos e descreve sua trajetória da Escola Magnética Naturista, dirigida pelo Barão Du Potet – da qual também Rivail fez parte – para a Sociedade de Filantropia Magnética e desta para o espiritualismo, por causa de uma comunicação mediúnica de seu falecido pai, através da médium sonâmbula Maginot. Posteriormente, ele tratou magneticamente da saúde de Ruth Japhet, de 12 anos, na qual recebeu grande potencial mediúnico, ajudando-a a desenvolvê-lo.
UM MARCO NA HISTÓRIA
Outro importante relato de Canuto Abreu revela o destino do primeiro exemplar retirado dos pacotes recepcionados na livraria Dentu, naquele 18 de abril de 1857. Ocorre que logo cedo chegou à loja o jornalista René Du Chalard, seu interesse pelo assunto fez com que recebesse das mãos dos proprietários, Melanie e seu filho Edouard, o primeiro exemplar de O Livro dos Espíritos. Du Chalard já se interessava pelo espiritualismo e havia tido uma experiência pessoal que mudara sua vida: quando criança viu o Espírito de um tio desencarnado. Após ler o livro, o jornalista escreveu um artigo, no qual se pode perceber por que ele recebeu o primeiro exemplar da obra.
Verificando a importância que O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária tem para a preservação da memória do movimento espírita, nada melhor do que divulgá-lo para que todos tenham a possibilidade de ter nas mãos um importante relato histórico de 18 de abril de 1857, data do surgimento da Doutrina Espírita.
REVITA ESPÍRITA
O jornalista René Du Chalard foi presenteado com o primeiro exemplar de O Livro dos Espíritos em 18 de abril de 1857. Alguns meses depois, em 11 de junho, ele publicou o artigo “A Doutrina Espírita” no jornal Courrier de Paris. Acompanhe uma compilação desse texto, que foi reproduzido por Kardec na Revista Espírita de 1858. Dou excelente uso prático a duas frases do jornalista – destacadas no artigo – que para mim são únicas e inigualáveis.
“Faz pouco tempo, publicou o editor Dentu, uma obra deveras notável; diríamos mesmo muito curiosa, sem com essa palavra pretender qualquer classificação banal. O Livro dos Espíritos, do senhor Allan Kardec, é uma página nova do próprio grande livro do infinito e, estamos persuadidos, uma marca será posta nesta pagina. Seria lamentável que pensassem estarmos aqui a fazer reclame bibliográfico: se tal se pudesse admitir, preferiríamos quebrar a pena. Não conhecemos absolutamente o autor, mas proclamamos bem alto que gostaríamos de o conhecer. Quem escreveu aquela introdução que abre O Livro dos Espíritos, deve ter alma aberta a todos os sentimentos nobres.
Aliás, para que não se ponha em dúvida a nossa boa-fé e nos acusem de partidarismo, diremos com toda a sinceridade que jamais fizemos um estudo aprofundado das questões sobrenaturais. Apenas se os fatos produzidos nos causaram admiração, pelo menos não nos levaram a dar de ombros. Somos um pouco da classe chamada dos sonhadores, porque não pensamos como todo mundo. (…) Há tempos chegamos mesmo a esboçar uma teoria sobre os mundos invisíveis, guardando-a ciosamente para nos, e nos sentimos muito felizes porque a encontramos, quase por inteiro, no livro do sr. Allan Kardec.
A todos os deserdados da terra, a todos quantos marcham e que nas suas quedas, regam com as lágrimas o pó da estrada, diremos: lede O Livro dos Espíritos; ele vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que pelo só encontram as aclamações e os sorrisos da fortuna, diremos: estudai-o e ele vos tornará melhores.
O corpo da obra, diz o sr. Allan Kardec, deve ser atribuído inteiramente aos Espíritos que o ditaram. Está admiravelmente dividido no sistema de perguntas e respostas. Por vezes estas últimas são sublimes, o que não nos surpreende. Mas não foi necessário um grande mérito a quem as soube provocar? (…) O senhor é homem de estudo e tem aquela boa-fé que apenas necessita instruir-se? Então leia o ‘Livro Primeiro’, sobre a Doutrina Espírita. Está na classe das criaturas que apenas se ocupam consigo mesmas e que, como se costuma dizer, fazem os seus negócios muito tranquilamente e nada enxergam além dos próprios interesses? Leia as ‘Leis Morais’. A desgraça o persegue encarniçadamente e a dúvida o tortura por vezes no seu abraço gelado?
Estudo o ‘Livro Terceiro: Esperanças e Consolações’ o jornalista refere-se à primeira edição de O Livro dos Espíritos, na segunda, com o acréscimo de novas questões, a ordem dos temas foi modificada. Todos quantos aninham pensamentos nobres no coração e acreditam no bem, leiam o livro da primeira à última página. Aos que encontrassem nesse livro matéria para zombarias, o nosso lamento”. (C.H.S)
CANUTO ABREU
Silvino Canuto Abreu nasceu na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, em 19 de janeiro de 1892. Estudou Farmácia, Medicina e Direito, no Rio de Janeiro. Aperfeiçoou-se em Teologia e Ciências Religiosas na França. Viajou quase todo o mundo e aprendeu vários idiomas, inclusive o grego, o hebraico e o aramaico.
Colaborou com o Governo Federal em inúmeras circunstâncias, nos campos jurídico, trabalhista, social, mercantil, econômico, petrolífero, exportador; ajudou a solucionar a questão da imigração asiática, tendo ido ao Oriente para estudar o assunto, solucionou a questão canavieira, evitando a falência das usinas com a criação da Comissão do Açúcar, participou da organização do Ministério do Trabalho. Escreveu mais de 100 artigos sobre diferentes teses médicas. Fundou a Associação Paulista de Homeopatia. Estudou e traduziu o Novo Testamento dos manuscritos mais antigos que encontrou, tendo estagiado no Museu do Vaticano, em Roma, para realizar suas pesquisas.
Canuto Abreu foi o primeiro a traduzir do original a primeira edição de O Livro dos Espíritos, que publicou na comemoração do centenário do Espiritismo em 18 de abril de 1957. Ao comparar as duas versões de O Livro dos Espíritos, de 1857 e 1860, pode-se visualizar todo o trabalho que Kardec teve para revisar e ampliar a obra, sendo a segunda edição utilizada atualmente.
Reconhecido como uma figura fundamental na divulgação do Espiritismo, Canuto Abreu morreu em 02 de maio de 1980, em São Paulo. (C.H.S).
CENTENÁRIO DA DOUTRINA ESPÍRITA
O primeiro centenário de O Livro dos Espíritos foi uma data significativa para o Espiritismo, pois celebrou-se o surgimento da Doutrina Espírita e também de Allan Kardec, o Codificador.
Em O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, encontra-se o discurso que Canuto Abreu apresentou durante a comemoração do centenário, proferido em São Paulo, em 18 de abril de 1957. As festividades aconteceram no Ginásio do Pacaembu, com cerca de dez mil participantes. Algumas rádios transmitiram a comemoração, para que os espíritas do interior do estado pudessem acompanhar. A mesa diretiva do evento foi composta por grandes espíritas da época: Canuto Abreu, Luís Monsteiro de Barros, Abraão Sarraf, Herculano Pires, José Freitas Nobre, Matilde de Carvalhos, Carlos Jordão da Silva, João Teixeira de Paula, entre outros. (C.H.S)
SARRAF. Cristina Helena, Onde tudo começou. Universo Espírita, São Paulo, Universo Espírita, Ano 4, n. 42, p. 66-69, 2007.
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