A Mediunidade em sua Simplicidade e Grandeza
A Mediunidade não tem local circunscrito e não espera eventos, para se manifestar e para produzir efeitos positivos.
Marcelo Henrique
Ambientado na Paris da segunda metade do século XIX, Allan Kardec, por volta de 1854 começou a conhecer a realidade do intercâmbio espiritual entre os seres vivos e aqueles que já haviam falecido. Depois, conhecendo os fenômenos, observando-os e extraindo, empiricamente, resultados, concebeu os termos “médium” e “mediunidade”, escrevendo até um manual, o guia dos médiuns e dos evocadores, a que deu o nome de “O livro dos médiuns”.
O mundo à época, no intervalo compreendido entre 1854 e 1869, vivia um momento de graves convulsões. A França vivia uma grande ebulição e o império napoleônico e o poderio da igreja católica, associada ao Estado, eram os personagens de evidência naquele cenário. E os homens, Espíritos encarnados, o que eram? Será que a Humanidade era melhor do que a nossa? Reflitamos…
Kardec, um pensador com qualificativos intelectuais e morais, imaginava, de modo muito otimista, que o Espiritismo fincasse raízes sólidas na Europa e fosse transmitido para todas as partes do mundo. Chegou a ensaiar escritos, com fulcro nas orientações que havia recebido dos Espíritos Superiores, com quem dialogou por quase quinze anos, semanalmente, que o estágio de regeneração moral do planeta ocorreria no início do século XX.
Mas, vieram as duas grandes guerras, simbolizando os reflexos daquela ebulição francesa (e mundial) que destacamos acima, adiando sem data certa, o alcance do progresso e a elevação planetária. E, notadamente, continuamos respirando os ares do “mundo de expiações e provas”, o segundo na escala dos mundos, conforme a didática espírita.
Encarnados e desencarnados são, praticamente, os mesmos. Não há, francamente, muita diferença entre os que estão na vida física e os que gravitam em torno de nós. E as reuniões mediúnicas das casas espíritas são o demonstrativo cabal desta realidade. Dificilmente temos inteligências como as que se encontram nominadas nas obras de Kardec, assinando as psicografias do hoje. Este é um dado interessante e que não pode ser desprezado.
Observe a rotina das instituições espíritas e, quase sempre, teremos mensagens assinadas por “vultos espíritas do passado”, como a fazer prosélitos à “raça prometida”, isto é, os espíritas, com ditames, inclusive, para a “dinâmica de trabalhos, atividades e reuniões”. Ou não é isso?
E, por que isso acontece? Porque os espíritas, desde o início do século XX, quando a Doutrina passou a ser disseminada em terras brasileiras, adotaram um comportamento adstrito a uma (nova) religião, esperando que a diretriz não fosse derivada do raciocínio lógico e das decisões de responsabilidade pessoal (dos encarnados), passando a aguardar, sob a máxima do “telefone toca de lá para cá” (atribuída a Chico Xavier), abandonando a prática e a metodologia de Kardec, que recomendou a evocação.
Sem evocar, isto é, sem buscar a sintonia com os Espíritos afins, ficamos à mercê de recepcionar, nas ditas reuniões mediúnicas, duas categorias de individualidades invisíveis: os “sofredores” (que precisavam de aconselhamento, orientação ou preces) e os “aficionados” (trabalhadores, dirigentes ou vultos espíritas de décadas anteriores).
Além disso, foram sido incorporados mitos e crendices. Santificaram a “reunião mediúnica” e proibiram que a mesma fosse realizada no âmbito do lar de cada espírita – mas, curiosamente, aconselharam um “culto”, o do “evangelho no lar”, para substituir a dinâmica traçada e experimentada por Kardec naquele período inicial, já destacado.
Os mesmos temores em relação ao mundo invisível (sobrenatural), que tinham sido dissipados com as atividades e a teoria kardeciana, voltaram com toda força e “esplendor”, a ponto de dirigentes e orientadores (?) repetirem que a “presença espiritual” nas nossas casas seria prejudicial à “harmonia” do lar. Como se nós não estivéssemos em TODOS os lugares, cercados de espíritos ou como se houvesse, no entorno de nossas residências, alguma campânula protetora, um escudo “contra” os Espíritos.
Então, por que será que os espíritas praticantes TEMEM os desencarnados? Por que se tem ojeriza à “obsessão”? Por que razão dirigentes, médiuns e palestrantes repelem tanto a situação de envolvimento espiritual (intercâmbio mediúnico), sacralizando a mediunidade?
Se procuramos tratar de Espiritismo, o Espiritismo é, basilarmente, Allan Kardec. E, como, após 1869, quando o Professor francês desencarnou, com ele “morreu” o método de AFERIÇÃO e SELEÇÃO das mensagens de cunho mediúnico, ditadas por tantos e quantos Espíritos, o chamado “movimento espírita” passou a atestar como “complementares” as comunicações dadas a médiuns e assinadas por quem quer que seja. Nunca mais se fez o cotejo, seja das mensagens entre si, produzidas pelo próprio medianeiro ou por mais de um, assinadas por diferentes individualidades incorpóreas, e nem delas com a “base”. E, assim, a “voz” de “qualquer Espírito” passou a ser tida como COMPLEMENTAR à “Codificação”.
Você acha isso correto? Deveria ser assim? É “regra” que “todos os Espíritos são de Deus”, para lembrar o Pescador de Homens? Somente a “beleza” da mensagem ou o seu conteúdo “apologético” ao bem, são suficientes? Ou é necessário MAIS?
O que se quer enfatizar é que, para a rotina mediúnica brasileira, abdicou-se do método de análise das comunicações (psicografia e psicofonias), sob o crivo (kardeciano) do Controle Universal dos Ensinos dos Espíritos (CUEE), baliza estabelecida e utilizada, até o desencarne, pelo Professor francês.
Em consequência, não há – nem nunca houve – qualquer debate sério sobre a produção mediúnica brasileira, desde as primeiras obras de Chico Xavier. Via de regra, as mensagens recebem uma espécie de “selo” de oficialidade, passam a ser verídicas e incontestes. É este o “padrão” da mediunidade em nosso país!
Que pena!
Pandemia e retorno ao lar
E, nestes dias em que as nossas rotinas estão bastante alteradas, em face da pandemia que assola o planeta inteiro, em que a nossa perplexidade e impotência diante da grande ameaça à vida humana nos fizeram alterar nossas atividades – inclusive as realizadas por grupos e instituições espíritas, devemos aproveitar este importante momento para muitas reflexões oportunas.
Assim como está ocorrendo em muitas atividades profissionais e educacionais, com a substituição das reuniões presenciais por atividades à distância, virtuais, com o uso de equipamentos e programas específicos para tal finalidade, devemos continuar unidos e contribuindo, cada qual, para as tarefas espirituais que já fazem parte das nossas vidas.
Deste modo, vejo com muita alegria e aprovação a iniciativa de realização de palestras, estudos e até reuniões mediúnicas virtualmente. Lembremos que a diretriz exposta em “O livro dos médiuns”, capítulo XXIX, item 331, é a de que a reunião (espírita, mediúnica) é um SER COLETIVO, uma espécie de feixe, na analogia do Codificador. Vale dizer que o capítulo em comento se refere às “reuniões e sociedades espíritas”, não sendo especificamente apenas para o mediunato.
E por reuniões, no âmbito espírita, devemos entender toda e qualquer atividade proposta em que os encarnados compareçam – remontando à condição anterior, em que podíamos nos reunir sem qualquer embargo ou receio nas instituições – mas, também, com a presença dos desencarnados, tanto os Espíritos Superiores quanto aqueles que estão na mesma condição evolutiva, errante, de nós mesmos.
Lembremos que não é o computador, tablet ou celular, nem o programa específico nestas plataformas, o “intermediário” das questões afetas à mediunidade. O instrumento material de natureza eletrônica é, tão-somente, um equipamento para, nesta questão de excepcionalidade, em que as reuniões presenciais devem ser evitadas, para que não ocorram os contágios (Covid19), as atividades espíritas, seja as me mediunidade, as de estudo ou as de divulgação, continuem a ocorrer. Os médiuns – sob qualquer das tipologias, mas, marcantemente, os psicógrafos e psicofônicos é que continuarão sendo, como sempre, os veículos para o INTERCÂMBIO MEDIÚNICO.
Recordemos que, desde a década de 1950, pesquisadores do mundo todo utilizam instrumentos científicos, eletrônicos e tecnológicos para o acompanhamento dos “transes” mediúnicos e, mais recentemente, décadas de 1990 para cá, pesquisadores do renome de Hernâni Guimarães Andrade, Henrique Rodrigues e Sonia Rinaldi, realizaram inúmeros experimentos com tais equipamentos ou outros, para apreciação da Mediunidade. Antes disto, também, Herculano Pires noticiou repetidamente as experiências no leste europeu, inclusive entre cientistas russos, extremamente materialistas e céticos.
O computador ou o telefone são, assim, meios de APROXIMAÇÃO entre pessoas que se encontram fisicamente distantes e, por serem elementos materiais (de avançada tecnologia) apenas se limitam à função que possuem, no sentido de propiciar a realização de encontros ou reuniões virtuais, SEM QUALQUER INTERFERÊNCIA no “evento mediúnico”. Dizer o contrário é, como expressão de Kardec, “tomar o efeito pela causa”.
Não devemos, jamais, “sacralizar” a Mediunidade, afastando-a do teor de naturalidade do intercâmbio entre “vivos” e “mortos”. A Mediunidade deve ser tratada, SEM MISTICISMO, tal como o fez Kardec, em suas obras. O que Kardec acentua como necessárias à ocorrência de qualquer atividade dita espírita, tanto as de caráter de experimentação mediúnica, quanto às correlacionadas ao ensino-aprendizagem e divulgação do Espiritismo, é a SERIEDADE das reuniões, justamente para, pela LEI DAS AFINIDADES, serem atraídos Espíritos igualmente sérios e elevados. E que as reuniões sejam organizadas, no plano da matéria, com responsabilidade, em dias e horários aprazados, para que os Espíritos Superiores, interessados, também compareçam a tais eventos, para contribuir e orientar os encarnados.
Em nenhum trecho da vasta obra kardeciana – inclusive quanto Kardec trata dos escolhos da Mediunidade ou apresenta os três estágios de obsessão (a propriamente dita, a possessão e a subjugação) se induz a ideia de que os médiuns estariam à mercê das inteligências invisíveis, sobretudo as mal-intencionadas, para que estas aprisionem aqueles e causem-lhes perturbações de vulto.
Vale dizer, também, que quem é médium o é em qualquer local ou circunstância, pois suas faculdades mediúnicas permitem o intercâmbio e a educação e a disciplina mediúnicas são, para todos, os valores imprescindíveis para quem se dedica, a qualquer tempo, para tal mister. Relembremos que, na questão 459, de “O livro dos Espíritos”, no tocante à influência dos Espíritos (desencarnados) sobre os homens, trecho, aliás, que é usado com frequência pelos espíritas justamente porque ele nos apresenta a realidade comum e corriqueira das relações entre os “vivos” e os “mortos, em QUALQUER AMBIENTE ou SITUAÇÃO.
Também pela AFINIDADE, os desencarnados se afiliam a atividades de cunho espiritual, seja em assembleias espíritas seja em outras reuniões de filosofias ou religiões, e os de natureza superior prestam anteparo e apoio – à distância, na simbiose e na partilha das “energias” ou “vibrações” (dois termos que, simbólicos, são expressões das atividades espíritas em geral). Duvidar disto é duvidar da própria Mediunidade e sua finalidade e entender que um indivíduo encarnado, responsável, devotado, interessado, estudioso, caridoso, fique à “própria mercê” sem qualquer apoio espiritual. Kardec disse e diria o oposto disso, também hoje. Vide ainda, a respeito, a expressão atribuída a Jesus, para quem “onde estiverem reunidas duas ou mais pessoas” em seu nome, ele estaria presente (espiritualmente).
Somos Espíritos – e espíritas – em todos os ambientes, inclusive em nossos lares!
Kardec sempre tratou a Mediunidade como algo natural (e não sobrenatural), e que as faculdades mediúnicas não seriam meritórias nem elementos de agravamento das situações conviviais de cada individualidade. De modo pontual, tratou a mediunidade como o intercâmbio entre os seres desta dimensão e os que já deixaram o plano físico, reiterando que tal ocorreria em qualquer situação, em face das vinculações mentais, que teriam como ponto de partida os gostos, pendências, preferências e as atitudes diárias. Ligamo-nos aos Espíritos em função da qualidade de nossos pensamentos e isto ocorre em qualquer ambiente, INCLUSIVE no lar.
Os Bons Amigos espirituais, comprovadamente, acompanham o médium em suas diversas atividades cotidianas, já que, como se sabe, a atuação do medianeiro não deve, jamais, ficar circunscrita e confinada à “casa espírita”. Caridade e trabalho não tem hora nem local!
E quanto ao meio? O meio não é o local, nem a reunião. O meio é o MÉDIUM. É ele que tem que demonstrar, por suas atitudes cotidianas, dentro e fora da instituição espírita, se ele está consciente da importância da tarefa mediúnica, para si e para os demais, encarnados ou desencarnados, se ele possui responsabilidade para estudar e disciplinar, corretamente, sob os padrões definidos por Kardec, em “O livro dos Médiuns”, ou se permanece à mercê de qualquer influência, como se fosse alguém “dominado” pelos desencarnados, sujeito aos caprichos e interesses destes últimos.
Mediunidade sem local circunscrito
De outra sorte, poderá ser o centro espírita mais tradicional, com maior longevidade, podem ser as melhores instalações (prédio, mobiliário, recursos materiais) que isto, por si só, não será garantia do êxito e da finalidade das reuniões.
Ainda é oportuno lembrar que Kardec, quando estruturou a prática mediúnica sob bases claras e precisas, para a EVOCAÇÃO de Inteligências Superiores que viessem em auxílio, no despertar do conhecimento humano-espiritual, reservando, apenas, parte das atividades, quando fosse o caso, para o esclarecimento de alguma entidade espiritual que disso necessitasse.
Via de regra, ao invés de aproveitarmos as reuniões para buscar, das Inteligências Superiores, informações específicas, na continuidade da apreciação daqueles temas tratados pelo Codificador em seus 32 livros, ou outros mais, em função da progressividade da vida neste orbe, preferimos adotar uma completa inversão e desnaturação da atividade mediúnica que, ao invés de seguir a diretriz kardeciana do auxílio dos desencarnados ao conhecimento dos encarnados, passou a ser uma “ação de caridade” dos encarnados para os desencarnados que “desconhecem” a realidade espiritual. Analogicamente, poderia ser aquela situação em que um aluno de sexta série pretende explicar uma teoria a um professor universitário!
Recordando a dinâmica existente nos “grupos familiares de Espiritismo”, os mesmos ocorriam, na época (1857-1869), justamente nas residências de famílias, onde amigos e conhecidos, semanalmente, em dia e hora aprazados. Nem sempre era possível ou viável a constituição de sociedades (termo da época) espíritas, havendo muitos casos em que a informalidade prevaleceu.
A Mediunidade, então, não tem local circunscrito e não espera eventos, para se manifestar e para produzir efeitos positivos. Quando um médium visita um lar onde há uma pessoa enferma, acamada, prescrevendo orientação, passe e atendimento espiritual, há um gesto dos mais nobres, em termos de verdadeira caridade. Quando dois, três ou mais membros da entidade espírita, vão a um hospital, maternidade, asilo, para o atendimento dos internos que o desejarem, também a ação mediúnica se converte em prestimosa terapia.
Em sede de pensamento, como força motriz das atividades espirituais, a intenção do médium, a sua elevação moral, o desejo de atuar na caridade são, como se sabe, poderosas ferramentas para auxiliar, seja na atividade em reuniões mediúnicas, seja em qualquer outra atividade de assistência espiritual ao próximo.
As reuniões mediúnicas são uma NECESSIDADE das individualidades encarnadas, para o estudo, o aprendizado e a prática. Os desencarnados se reúnem quando e onde querem, para finalidades as mais distintas. Não há “normas” prescrevendo a “forma” de realização das reuniões ou atividades espíritas. Estas são da conformação das regras materiais, obedientes ao consenso dos participantes das agremiações espíritas.
Há uma tendência a vincular “tudo” a vontades ou determinações espirituais, como se eles, os Espíritos (desencarnados) tutelassem e definissem como devam ser as atividades (associativas) no plano físico.
Com a dificuldade e a impossibilidade das reuniões materiais, rotineiras, associativas, alternativas devem ser buscadas para, se não atingir em plenitude os objetivos costumeiros ou viabilizar situações que só seriam possíveis por meio da reunião ou proximidade material, cabe à criatividade (uso da inteligência) humana, estabelecer alternativas para o alcance – ainda que parcial – das finalidades espirituais das instituições e grupos, com a certeza de que os Bons Amigos que acodem às atividades e estabelecem, com os encarnados, vínculos de cooperação, também nos assistirão nesta condição passageira que a pandemia nos condiciona.
Devemos reconhecer que o momento é, além de pitoresco, inédito e peculiar, para todos nós, um instante para que o raciocínio lógico, a ética e as atitudes de solidariedade, fraternidade e caridade estejam em primeiro plano.
Esperamos, outrossim, que a “tempestade” possa ser o mais breve possível e que, à frente, todos possam estar, novamente, fisicamente próximos para as tarefas distintas que as agremiações espíritas realizam, com desprendimento, amor e conhecimento.
E que “assim seja”!