O Espiritismo restaura a gnose
Segunda essa interpretação dogmática de uma suposta “fraqueza moral” da mulher, Jesus teria redimido todos os pecados de Madalena numa milagrosa cura moral, independente do esforço e vontade dela. Essas idéias foram utilizadas para confirmar a visão da Igreja Católica como sendo intermediária entre Deus e o povo. E mais, instituía a crença em um enviado divino que instauraria a justiça, mas como um imperador centralizador e hierárquico, numa salvação coletiva. Essa salvação seria infindável no céu para os eleitos, o restante sofreria as penas eternas do inferno. Deste modo, a Igreja negava a hipótese, gnóstica, do progresso individual pelo desenvolvimento dos potenciais da alma no decorrer das reencarnações.
O Espiritismo vem restaurar a gnose, ou o conhecimento original do Cristianismo. Segundo os Espíritos, isso trará uma condenação pela Igreja. “O clero gritará: heresia; porque verá que atacas decisivamente as penas eternas e outros pontos sobre os quais ele baseia a sua influência e o seu crédito. O anátema secreto se tornará oficial e os espíritas serão repelidos, como o foram os judeus e os pagãos, pela Igreja Romana”, anteveram eles em Obras Póstumas, de Allan Kardec.
Para Kardec, muitos trechos dos Evangelhos foram deturpados, alterados e suprimidos no decorrer dos séculos. Contudo, por mais que essas distorções ocorressem, o Novo Testamento era a única alternativa para conhecer a vida de Jesus. “Nenhum documento mais existe, além dos Evangelhos, sobre a vida e a doutrina de Jesus. Aí somente é que se há de procurar a chave do problema. Todos os escritos posteriores, sem exclusão dos de Paulo, são apenas, e não podem deixar de ser, simples comentários ou apreciações, reflexos de opiniões pessoais, muitas vezes contraditórias, que, em caso algum, poderiam ter a autoridade da narrativa dos que receberam diretamente do Mestre as instruções. Sobre todos os dogmas, em geral, o acordo entre os pais da Igreja e outros escritores sacros não seria de invocar-se como argumento preponderante, nem como prova irrecusável a favor da opinião de uns e outros, uma vez que nenhum deles citou um só fato, fora do Evangelho, concernente a Jesus; que nenhum deles descobriu documentos novos que seus predecessores desconhecessem”, explica Kardec em Obras Póstumas.
Uma descoberta revolucionária
Portanto, de acordo com Kardec não havia um só documento que comprovasse os conceitos impostos pela Igreja. Mas o clero também alega que não há documentos originais do gnosticismo. Quase cem anos depois, porém, uma descoberta arqueológica iria mudar o rumo da história: os papiros de Nag Hammadi. No deserto do Egito foram encontrados pergaminhos que reproduziam textos escritos pelos cristãos primitivos: eles confirmam a versão gnóstica do Cristianismo. Essa descoberta comprova a ligação entre os ensinamentos originais de Jesus e a Doutrina Espírita: “O Espiritismo é a Terceira Revelação da lei de Deus. Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas, desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica. Ele é, pois, obra do Cristo”, afirmou Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Os textos gnósticos, escritos há quase 2.000 anos, foram descobertos em 1945, próximo à cidade de Nag Hammadi no Egito. E em 1977, finalmente, o conjunto completo dos 52 textos encontrados chegou às livrarias. Os papiros fizeram renascer os Evangelhos gnósticos quando a Igreja imaginava-os um assunto enterrado e esquecido num passado longínquo. Como a ave mitológica fênix, a suposta heresia renasceu das cinzas.
A Igreja está atordoada
Foi uma descoberta evolucionária. Os manuscritos, dizem os teste científicos, são do século 4º, mas reproduzem textos criados entre os anos 50 e 150. Datam de quando viviam discípulos diretos de Jesus. Ou seja, alguns são até mais antigos que a versão atual dos quatro Evangelhos adotados pela Igreja: Marcos, Mateus, Lucas e João. Os cristãos têm agora, além do Novo Testamento, novos e autênticos textos sobre Jesus e seus ensinamentos.
Essa descoberta teve uma estrondosa repercussão na Igreja. Mas, para o público, finge apatia e desinteresse. Curiosamente, a reunião entre os dirigentes da Igreja, conhecidas como Concílio, convocada em 1962, fez uma defesa intransigente da aceitação única e exclusiva dos Evangelhos bíblicos: “A santa mãe Igreja defendeu e defende firme e constantemente que estes quatro Evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, durante a sua vida terrena, realmente operou e ensinou para salvação eterna dos homens, até ao dia em que subiu ao céu”.
Mas essa negação radical não foi unânime, muitos católicos de todo o mundo se interessaram pelos documentos resgatados. O Evangelho de Tomé chegou a ser citado pelo papa João Paulo I, um estudioso da gnose, uma semana antes de sua morte.
Os Evangelhos gnósticos – escritos, entre outros, por Tomé, Pedro, Tiago, Maria Madalena, Felipe, e até Valentino –, juntamente com diversas cartas também encontradas em Nag Hammadi, resgatam fatos e ensinamentos ausentes no Novo Testamento e reforçam a surpreendente similaridade dos conceitos cristãos dos primeiros séculos com a Doutrina Espírita. Infelizmente, Allan Kardec não pôde conhecê-los em sua época para usá-los em sua releitura do Evangelho.
Jesus ensinou a reencarnação
Por exemplo, o conceito da reencarnação, fundamental no Espiritismo, está muito evidente no Evangelho de Valentino, quando Maria Madalena pergunta a Jesus sobre o lugar das almas antes delas virem ao mundo. Nessa passagem, ela queria saber como foi a preparação espiritual para a vinda de Jesus, e ele explicou: “Tomei Elias e o enviei ao corpo de João, o Batista. E enviei outros a corpos justos, para que encontrem os mistérios da luz, e se elevem às região superiores, e entrem na posse do reino da luz” (Valentino, 60:5-6). O significado dessa passagem é muito evidente. Sem equívoco, figura ou discussão: Elias voltar ao corpo físico é simplesmente reencarnar. Além disso, os versículos seguintes deixam claro que o reino divino se dará quando os homens conquistarem a sabedoria, vida após vida.
Kardec considerava de fundamental importância a constatação da existência da reencarnação entre os ensinamentos de Jesus: “Negar a reencarnação é negar as palavras de Cristo. Um dia, porém, suas palavras, quando forem meditadas sem idéias preconcebidas, reconhecer-se-ão autorizadas quanto a esse ponto, bem como em relação a muitos outros. Sem o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, são ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do Evangelho, razão por que hão dado lugar a tão contraditórias interpretações. Está nesse princípio a chave que lhes restituirá o sentido verdadeiro”, conforme explicou em O Evangelho Segundo o Espiritismo.