O Espírita e as questões sociais
Pedro Camilo
É verdade, sim, que o Espiritismo deve grande parte de sua expansão, em solo brasileiro, às ações de assistência social desenvolvida pelos espíritas. Graças a elas, conquistou a confiança da gente simples, ao passo que seduzia os mais intelectualizados com suas ideias e ideais.
Também sabemos do grande papel social que as nossas Instituições Espíritas desempenham por todo país. Cuidar das crianças órfãs e desamparadas, assistir a velhice esquecida, dar sopa e pão a quem tem fome, oferecer escolas e cursos aos marginalizados, visitar prisões para levar alívio, oferecer atendimento médico-odontológico gratuito, com mão de obra voluntária, combater o frio e a indiferença com agasalhos e atenção são tarefas, sim, meritórias e de grande importância, sobretudo para quem tem suas necessidades atendidas.
Afora isso, quanto bem se tem feito, auxiliando as pessoas a “abrirem os olhos” para a realidade espiritual, tratando os processos obsessivos e ajudando todo tipo de pessoa, independente de credo, cor ou classe social, a ter mais saúde e viver melhor? Isto também tem impacto social, na medida em que pessoas em equilíbrio emocional e espiritual são cidadãos mais ajustados no convívio com os demais.
Todas essas ações, de cunho social, são desenvolvidas pelos espíritas e são de grande relevância. Contudo, nós, que já demonstramos tanta força e poder de mobilização com essas realizações, podemos e devemos fazer mais, muito mais, a fim de combater as causas das desigualdades sociais, ao invés de lidarmos tão somente com os seus efeitos.
Sim, é exatamente isso! Dar pão, agasalho, escola e serviços médicos gratuitos, dentre outros, não resolve o problema da miséria. Ameniza, mas não resolve. Se lembramos a história do “dar o peixe, mas ensinar a pescar”, nossas ações da atualidade se limitam a “dar o peixe”, ou seja, a trabalhar os efeitos, a lidar com as consequências, sem pensar nas causas, estas sim, as verdadeiras vilãs.
Pensemos o seguinte: de quem é a obrigação de construir escolas, creches, asilos e orfanatos? A quem compete, de fato, debelar a fome e o frio, proporcionar saúde de qualidade e políticas públicas eficientes? Estas são, genuinamente, tarefas do espírita ou de qualquer outro movimento filosófico ou religioso, ou são DEVERES DO ESTADO?
Já pagamos uma alta carga tributária para que os “nossos representantes” cuidem de tudo isso. Trabalhamos de sol a sol, suamos o rosto e a roupa, dedicamos nosso tempo e nosso dinheiro e, além disso, ainda retiramos o pouco que nos sobra para, voluntariamente, compensar as falhas de prestação pública dos poderes constituídos – que são remunerados por nós e que já tem nosso dinheiro em mãos para cumprirem seus deveres!
Não digo que não devemos continuar dando o peixe. Porém, se nos limitarmos a isso, passaremos décadas e mais décadas somente alimentando a miséria, sem contribuirmos, de forma efetiva, para erradicá-la!
Como dito linhas atrás, se nós, os espíritas, já provamos nossa capacidade de mobilização, por que não nos mobilizarmos de uma forma diferente?
Tenho dito e repetido, sobretudo na Casa Espírita em que trabalho, que nós podemos fazer diferente. Por exemplo: identificando problemas na prestação de saúde no bairro, podemos agir de duas formas: fazer campanhas e montar um consultório no Centro, com médico clínico voluntário para atender a comunidade carente, ou mobilizar os frequentadores da Casa e de outras Instituições do bairro para pressionar a Prefeitura, periódica e insistentemente, para que melhore os serviços do Posto de Saúde que já existe, beneficiando toda uma população. No primeiro caso, eu dou o peixe; no segundo, ensino a pescar.
Se a educação do meu bairro é precária, eu posso criar uma escola no Centro Espírita e substituir o Governo em seus esforços, como posso “adotar” a escola do bairro, com projetos de politização e conscientização cidadã e, acima de tudo, com pressão política e mobilização social para que a prestação educacional seja de melhor qualidade, no que toca às instalações e ao corpo técnico. Na primeira hipótese, dou o peixe; na segunda, ensino a pescar.
Esses são, apenas, dois exemplos de ações cidadãs efetivas que podemos empreender, e que podem alcançar bons resultados. Bem pensadas e bem realizadas, tenho certeza de que é possível ir ajudando a mudar o panorama social, combatendo as causas verdadeiras da miséria para, de fato, sermos mais úteis socialmente.
Repito: não sou contra a “dar o peixe”. Porém, proponho uma pergunta: por que nos determos apenas nisso, se podemos fazer mais? Será que, lá no fundo, o nosso desejo é alimentar a miséria, pois assim sempre teremos uma “clientela de necessitados” para acolher e justificar as nossas “boas ações”?
Pensemos nisso! E pensemos, também, que não temos o direito de permanecer trancados nas Casas Espíritas, alheios ao mundo lá de fora, sonhando em conquistar um cantinho em “Nosso Lar”. O “nosso lar” verdadeiro é onde nos encontramos – é o aqui, no agora! Não teremos direito a uma vida melhor, mais feliz, no Além ou onde quer que seja, se não soubermos aproveitar os recursos e possibilidades que temos no hoje.
Isolar-se das questões sociais, ignorá-las, querer se prender apenas ao “assistencialismo” é uma forma de clausura, pior do que a clausura monástica! Nesta, pelo menos, os indivíduos verdadeiramente se isolam do mundo, enquanto naquela, que é uma clausura ditada pela alienação da inteligência e do senso moral pelo fanatismo, somos capazes de estar no mundo sem vê-lo, sem senti-lo em sua integralidade, indiferentes e toscos em nossa forma de (sub)viver.
Ser espírita é ser cristão. E ser cristão – seguir o Cristo – é ser cidadão!